A cada eleição uns parem e outros embalam aquilo que é popularmente chamado de “centrão”. Esse filho bastardo, muitas vezes indesejado e rebelde que nasce a cada eleição, não está restrito apenas ao plano federal: na prática, cada estado e cada município brasileiro também dão a luz ao seu próprio centrão.
E quem pare o centrão?
É a própria República, durante o processo eleitoral. O centrão nasce do cruzamento de diversas situações que influenciam no voto dos cidadãos: por analfabetismo político, pobreza extrema ou interesses privados de estratos superiores da sociedade, que, geralmente, também não têm uma definição ou consciência ideológica clara e criam situações que favorecem a compra direta de votos – ou a compra indireta através de lideranças políticas. Este mercado é financiado por grupos de interesse econômicos, financeiro e/ou empresariais que capitalizam determinados candidatos para que estes comprem votos.
Independentemente do partido, ao chegar ao parlamento federal esse grupo se articula a outros da mesma espécie e de origem semelhante para dar retorno aos que investiram em suas campanhas: captando uma obra, comprando materiais hospitalares, remédios e alocando emendas parlamentares para serem executadas de modo a beneficiarem os seus apoiadores.
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Outra forma é aprovando no Congresso matérias de interesse do grupo apoiador, como o pacote do veneno pela bancada do agronegócio, ou a do armamento, pela bancada da bala.
Então, o que é o centrão? Qual a sua identidade política?
A principal identidade do centrão é justamente não possuir uma identidade clara: nem política, nem partidária, nem ideológica. E, apesar de ser um blocão informal de parlamentares, ele existe e exerce poder na prática.
Politicamente, pode servir ao governo de Fernando Henrique Cardoso, ao de Luiz Inácio Lula da Silva, ou ao de Jair Bolsonaro.
Partidariamente, poderiam ser filiados ao PEM: Partido Em cima do Muro, ou da troca de legenda ao bel-prazer do oportunismo de momento.
Ideologicamente, tentam confundir a opinião pública com frases conhecidas como: “não sou nem A nem B, sou o povo”; “não farei oposição raivosa”; “não sou radical” – na verdade querendo dizer: não sou sectário. Isso porque radical é quem defende uma ideia em profundidade. Há uma diferença entre ser flexível, ser moderado, ser alguém que dialoga com outros setores e pode mudar de ideia conscientemente em algumas ocasiões e ser alguém que em hipótese nenhuma muda de opinião.
A identidade do centrão também não deve ser confundida com o que se entende por centro, que pode ser compreendido como uma espécie de posição intermediária – ou mediada – entre os campos ideológicos existentes como os de direita e esquerda, aos quais políticos e militantes se filiam.
Quem embala o centrão?
Quem embala o centrão são os governantes de plantão, que adotam este filho bastardo da República. Em uma democracia como a nossa, nenhum presidente da República governa sem o apoio dos senadores e deputados federais no Congresso Nacional, nenhum governador de estado governa sem os deputados na Assembleia Legislativa e nenhum prefeito governa sem o apoio dos vereadores na Câmara Municipal.
Que tipos de problemas isso pode causar à República e à governabilidade?
Alguém poderia pensar: mas, não é normal a repartição do poder? O problema é que na maioria das vezes, eles se elegem sem nenhuma conexão com o gestor eleito, mas, a depender da negociação, podem mudar rapidinho de opinião. Instala-se aí o balcão de negócios.
E isso, meus caros, mesmo fazendo parte da política real, como diria Maquiavel, tem custos: no atacado e no varejo, traduzida em indicação de ministérios, secretarias e demais cargos na administração pública, seja na capital federal ou nos estados, poder sobre controle de verbas, liberação de mais emendas parlamentares para aliados em detrimento de adversários, etc. Tudo em nome da construção de uma governabilidade, que está sempre sob tensão, e do comprometimento de muitos projetos de governo, que acabam sofrendo abortos nada, nada espontâneos.
Tais membros do poder Legislativo se ajuntam em bancadas e votam em sintonia com o interesse de grupo, que lhes deu suporte na campanha ou que assumiram “parcerias” com as suas respectivas reeleições. E isso, muitas vezes, choca diretamente com os interesses do povo e com os compromissos do governante eleito por este mesmo povo.
Este é o grande problema: a formação de facções voláteis, aglutinadas por interesses menores, mas fragmentadas na construção de um todo maior, ou seja, dissociadas de um projeto coletivo de nação.
Haveria um possível caminho para solucionar esse problema?
Um possível caminho é votar para o Legislativo em sintonia com o candidato ao poder Executivo, minimizando o nível de comprometimento que se dá em busca da governabilidade e de comprometimento dos projetos assumidos pelos governantes. Caso contrário, a cada eleição um novo centrão será parido e um novo governante será intimado a embalá-lo.
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