Ainda que esteja conquistando, a cada dia, o apoio de novos parlamentares na Câmara dos Deputados, o pedido de impeachment contra o presidente Lula (PT), protocolado no último dia 22, já nasce morto, sem esqueleto jurídico que sustente seu avanço, na análise de juristas que conhecem os meandros do tema. Também não há amparo político para que a iniciativa prospere. Nessa terça-feira (27), o pedido já contava com 139 assinaturas, com outras ainda a serem incluídas, de acordo com os oposicionistas.
O requerimento de impeachment foi apresentado dias após Lula associar, em entrevista coletiva, os ataques de Israel à Faixa de Gaza ao Holocausto contra os judeus, comandado por Adolf Hitler. O governo de Israel reagiu e declarou o presidente persona non grata no país. Capitaneado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), o pedido de impeachment tem a maioria das assinaturas vindas de deputados do PL, principal partido de oposição. O PL também tem a maior bancada da Casa, com 96 deputados.
Para o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Junior, um dos autores do pedido que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a assinatura dos deputados já os impede de participar da comissão especial, caso o pedido venha a ser aceito pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
“Está tudo errado, desde o começo. Esse pedido é esdrúxulo e nasce morto porque é assinado por parlamentares. Não há vantagem para o parlamentar assinar o pedido. A Lei 1079 (Lei do Impeachment) aponta que, se alguém assina o pedido, se transforma em parte, e dessa forma fica impedido de votar. Ou é falta de conhecimento desses parlamentares ou eles querem mesmo ficar inviabilizados”, analisa o professor da Universidade de São Paulo (USP).
Outro ponto levantado pelos juristas se dá em relação ao conteúdo que sustenta o pedido de impeachment protocolado na Câmara.
Há também deputados integrantes de partidos mais ao centro, que o presidente Lula quer atrair para a base aliada, mais fidelizada. PP, União Brasil e Republicanos, por exemplo. A declaração de “persona non grata” é um instrumento jurídico amplamente reconhecido e utilizado nas relações internacionais. É uma prerrogativa que os Estados possuem para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território, mas não é suficiente para sustentar um pedido de impeachment, de acordo com o advogado Cézar Britto.
Publicidade“Não cabe pedido de impeachment pela razão em si. Não há fato criminal na declaração do presidente Lula. Esse é um fato político, não de responsabilização. É tão fato político que a bandeira de Israel está sendo usada em protestos da oposição”, diz ele.
A despeito das análises jurídicas, o pedido de impeachment, para que possa avançar no Congresso, precisa ser aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados, o que não tem muitas perspectivas de ocorrer, segundo apurou o Congresso em Foco. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ao pedido de impeachment. Arthur Lira (PP-AL), no entanto, tem se aproximado do governo. Nas últimas semanas, ele se encontrou duas vezes com o presidente Lula para aparar atritos na relação com o Executivo e tem tido suas demandas atendidas. Além disso, para prosperar na Câmara, um pedido de impeachment precisa do apoio de 342 dos 513 deputados, cenário inexistente hoje.
Ainda assim, o governo está com o radar ligado. Nessa terça-feira (27), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), esteve reunido com o líder do PSB, Gervásio Maia (PB), e o do PSD, Antônio Britto (BA), os quais incumbiu de enviar um recado direto aos parlamentar: quem for da base de apoio de Lula e assinar o pedido corre o risco de ficar sem cargos, e sem emendas.
“Formou-se um consenso entre nós de que é incompatível o parlamentar ser da base do governo, ter relação com o governo e assinar pedido de impeachment. Isso não é razoável e a minha posição é encaminhar a lista desses parlamentares para que o governo tome providências”, escreveu Guimarães no X (ex-Twitter), logo após o encontro com os demais líderes.
O Congresso em Foco já mostrou que a lista de deputados que pedem o impeachment de Lula (PT) tem mais de 30 nomes que, na maior parte do tempo, votaram junto com o governo na Câmara em 2023. O Radar do Congresso calcula o governismo de cada parlamentar a partir das votações na Câmara. Votos iguais à orientação (sim ou não) do líder do governo na Casa aumentam a taxa; qualquer opção diferente da orientação (seja sim, não, abstenção ou falta) diminui o governismo. O levantamento considerou as votações feitas ao longo de 2023, primeiro ano da gestão Lula.