O coordenador dos debates sobre o projeto que visa a combater a disseminação de fake news, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), entende que uma das falhas do texto do Senado está em não prever a tipificação penal da desinformação no ambiente virtual. “É preciso mirar quem financia, porque há a prática do crime e há o financiamento do crime. Nesse sentido, eu concordo que é necessária a tipificação penal das condutas e a imputação de responsabilidades”, disse ele ao Congresso em Foco.
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Outro ponto de preocupação para o deputado está na coleta de dados, seja através da rastreabilidade de mensagens, seja pela identificação de usuários. Também há receio com a moderação de conteúdos por parte das plataformas. “Se a gente abre mais hipóteses para as plataformas fazerem moderação, é preciso tomar cuidado, para que nós não criarmos um sistema de censura privada”, avaliou o deputado.
A Câmara realiza um ciclo de debates sobre o projeto e deve concluir essa fase no início de agosto. Com uma pauta carregada, ainda não foi estipulada data para votação do texto em Plenário, mas a expectativa é que ele esteja pronto em agosto. O relator ainda não foi indicado pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Orlando Silva é um dos nomes mais cotados para assumir a relatoria.
Veja a íntegra da entrevista com o deputado:
Congresso em Foco – Já uma perspectiva de quando o texto deverá ir à votação no Plenário da Câmara?
Orlando Silva – Quando o texto chegou à Câmara, o presidente [Rodrigo Maia] deu a orientação de que a apreciação do texto deve ser urgente, mas ele salientou que a urgência não é sinônimo de atropelo. Nós combinamos de fazer um ciclo de debates públicos, porque no Senado até houve discussão com vários agentes da sociedade, mas como houve um debate sistemático, ficou aquela crítica. Nós temos dez debates públicos nesse ciclo, que deve ir até o comecinho de agosto.
PublicidadeNós devemos ter uma conversa com o relator para liberdade de expressão das Nações Unidas, David Kaye, com o relator para liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos, a OEA, Edison Lanza, e estamos tendo uma série de reuniões bilaterais com especialistas, juristas, com entidades que tenham alguma interface com plataformas, tecnologia, comunicações.
Nós pretendemos, a partir de um texto, fazer um diálogo com o Senado, porque se a Câmara modificar o texto que está sendo examinado ele voltará para o Senado. Importa para nós fazer uma convergência com o Senado para que o texto que nós examinemos no Plenário da Câmara tenha, digamos assim, passagem pelo Senado para não termos um trabalho desarticulado.
Aí você me pergunta: mas tem um dia de ir a Plenário? Não, não tem dia ainda. O presidente pediu urgência e eu tenho dito que será feita a votação no prazo mais breve possível.
A que o senhor atribui essa urgência a votar a matéria, tanto da parte do presidente da Câmara quanto do presidente do Senado?
A urgência é em enfrentar a desinformação, que virou um drama. Uma coisa é nós vivermos no mundo da desinformação, que tem impacto, por exemplo, na política. Isso é grava e pode alterar resultados, mas quando a desinformação começa a ter incidência na vida social, como está tendo por exemplo na covid-19, passa a ser algo dramático. Há risco de vida para as pessoas. Tem gente dizendo que tem tratamento consolidado para covid, o que não existe. Vai ficando claro que combater a desinformação é muito além das polêmicas que envolvem o espaço público. Combater a desinformação é importante até para salvar vidas. Por isso é urgente nós encontrarmos um caminho.
O Senado fez um texto que, a meu ver, é melhor do que a proposta apresentada originalmente. Houve uma série de avanços, na minha percepção. E acredito que a Câmara pode dar uma contribuição no aperfeiçoamento do texto.
E já tem uma definição de quem vai relatar o texto na Câmara?
O presidente [Maia, responsável pela indicação de relatoria] ainda não tomou a decisão, porque a pauta está muito carregada. Acabamos de gastar energia imensa com a votação do Fundeb, era matéria urgentíssima. O presidente pediu para eu agrupar todo mundo que tiver interesse, cada dia a gente soma mais um deputado que tiver interesse no debate. Nós estamos construindo um coletivo de deputados dos vários partidos para, a muitas mãos, prepararmos o texto. Quem for designado o relator, já vai ter um conjunto de informações sistematizadas que serão muito úteis para o trabalho dele.
O senhor teria interesse nesse trabalho de relatoria?
Eu seria o último deputado a pedir ao presidente Rodrigo para ser o relator, porque eu o considero um amigo, nós partilhamos já de muitas ações conjuntas na Câmara, ele confia em mim, tanto que eu tenho orgulho dessa confiança dele em mim, tanto que me deu essa missão de coordenar esse trabalho. Então, eu seria o último deputado a pedir para ser relator, porque eu posso constranger o presidente.
Mas sendo escolhido, o senhor aceitaria?
Óbvio que eu aceitaria, é uma tarefa importante. Toda tarefa importante vale. Mas insisto: eu seria o último deputado a pedir isso para o presidente, pela amizade e pelo respeito que eu tenho ao trabalho que ele faz.
Sobre os pontos técnicos do texto, quais o senhor avalia serem os principais problemas? Há discussões sobre a rastreabilidade de mensagens, a identificação dos usuários e a coleta massiva de dados. O que o senhor considera que deva ser aprimorado de forma mais premente?
Eu diria primeiro que o texto tem alguns pontos fortes. Primeiro ponto forte do texto: a transparência. Uma série de deveres de transparência são previstos e considero esse um tema importante, muito forte. Segundo: a ideia de autorregulação regulada, onde você estimula as plataformas a terem um compromisso, mas ao mesmo tempo, baseado em determinadas indicações que a lei estabelece. Esses dois pontos eu diria que são dois pontos fortes.
Eu acredito que a ideia de autorregulação no texto está correta, mas pode ser feito alguns ajustes. Eu acredito que nós deveríamos associar a autorregulação regulada com um conselho, mas eu pessoalmente creio que deveríamos revisar a composição do conselho, a sua competência e as suas atribuições. Além disso, deveria fixar mais nitidamente o funcionamento dessa corregulação. Mas eu creio que está lá é importante, nós podemos desenvolvê-la, mas eu quero valorizar a transparência e valorizar essa ideia da autorregulação regulada.
Eu tenho preocupações com relação à coleta de dados, seja pela rastreabilidade, seja pela identificação de usuários. Isso porque eu acredito que a ideia de que a coleta de dados deve ser mínima e para cumprir determinadas finalidades.
Considero que nós temos que olhar com calma a questão de moderação das plataformas, porque as plataformas já fazem moderação hoje baseadas no sistema de uso. Se a gente abre mais hipóteses para as plataformas fazerem moderação, é preciso tomar cuidado, para que nós não criarmos um sistema de censura privada.
Então, eu diria que a coleta de informações individuais e os mecanismos de moderação dos conteúdos são importantes porque eles tratam, primeiro, da privacidade e, segundo, da liberdade de expressão. Mas eu acredito que há espaço para termos um texto mais ajustado com e convergente com o Senado. A preocupação nossa sempre é: ajustar o texto e fazer uma convergência da internet.
Da forma como o texto está redigido, ele vai contra a Lei de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet?
Eu não diria que ele está em contradição, mas ele faz modificações sobretudo no Marco Civil, que é uma referência importante. Considero que essas modificações, inclusive, merecem ser analisadas com bastante cuidado.
Alguns especialistas, como o advogado Ronaldo Lemos, afirmam que o projeto falhou em identificar a origem do dinheiro de quem paga pela desinformação – o chamado “follow the money”. O senhor concorda com essa avaliação?
A falha está em não prever a tipificação penal dessa conduta. Precisamos combater as organizações criminosas formadas para difundir a desinformação. É preciso mirar em quem financia, porque há a prática do crime e há o financiamento do crime. Nesse sentido, eu concordo que é necessária a tipificação penal das condutas e a imputação de responsabilidades.
Tem uma dificuldade em se definir o que é desinformação. Isso não pode suscitar outro debate?
Eu creio que não. Eu considero que foi um acerto o projeto não ter avançado no conceito de desinformação, porque é um tema muito, muito complexo. Agora, você tem agentes checadores que atestam o que é desinformação. Então, a desinformação é, sobretudo, difundida em escala industrial, que é o caso dos criminosos, inclusive com impulsionamento muitas vezes. Ao ser feita essa caracterização, eu creio que se pode imputar a devida responsabilidade.
A votação no Senado foi bastante acirrada e adiada várias vezes. Na Câmara corre o risco de isso ocorrer também ou a ideia dos debates é chegar a um consenso maior?
Eu trabalho com a perspectiva de um grande consenso e que tenhamos um Plenário unificado no texto que vai ser apresentado.
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