É uma imagem impressionante. Nela, um homem imenso de olhos arregalados engole em pedaços uma criança. Braços e cabeças já desaparecidos transformados em vibrante sangue vermelho.
O espanhol Francisco Goya pintou primeiro seu quadro “Saturno devorando um filho” no muro da sua casa. Mais tarde, retirou o reboco pintado e colocou-o em uma tela. Imaginou vendê-la, mas não conseguiu comprador para aquele quadro assustador. Doou-o ao Museu do Prado, em Madrid, onde está exposto, gerando espanto e admiração daqueles que o visitam.
O quadro fala do mito do deus Saturno, na mitologia romana, ou Chronos, da mitologia grega. O senhor do tempo. A alegoria na qual ele devora seus filhos refere-se à passagem do próprio tempo. A cada segundo, o tempo vai nos devorando.
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Mas no rosto do assustador homem de barbas e cabelos brancos desgrenhados o que impressiona e assusta é a cara de gula na expressão daqueles olhos esbugalhados.
O apetite insaciável do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na sua busca de recursos orçamentários e cargos no governo bem poderia dar um quadro pintado por Goya. É algo que impressiona o experiente deputado Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-presidente do Senado e ex-ministro das Comunicações.
É preciso dar um desconto: Eunício é aliado do inimigo número um de Lira, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mas ainda assim vale prestar atenção nas suas observações. Ele diz que ao longo da sua carreira política nunca tinha visto antes alguém no comando do Legislativo pressionar tanto e pedir tanto ao Executivo para fazer andar as pautas.
O orçamento aprovado para este ano estabeleceu R$ 53 bilhões para emendas orçamentárias. Tratou-se de um recorde absoluto. Mesmo depois de o presidente Lula ter vetado R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão, continua sendo um recorde absoluto. Mas o Congresso quer os R$ 5,6 bilhões de volta. O governo adiou a votação dos vetos na semana passada, mas ainda não conseguiu garantia de que evitará a derrubada.
Será votado o projeto que recria o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais para Veículos Automotores Terrestres, o DPVAT. Antecipa R$ 15 bilhões ao governo, que acena em usar uma parte para recompor recursos de emendas, evitando a derrota no veto ao orçamento. O governo teme agora ver aprovado o DPVAT e, mesmo assim, o veto ser derrubado. Lira quer tudo.
Lira e o Centrão (incluindo aí o União Brasil, do seu nome para a sua sucessão na Câmara, Elmar Nascimento) já levaram o Ministério dos Esportes, Turismo, Portos e Aeroportos, Comunicações e Desenvolvimento Regional. Lira pegou a presidência da Caixa e boa parte das suas 12 vice-presidências.
Mas o presidente da Câmara segue reclamando e retaliando o governo. Na quinta-feira (18), Lula liberou R$ 2,4 bilhões em emendas. Mas Lira e o Centrão reclamam agora de portaria que coloca o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como um dos destinatários das informações sobre liberações.
E vai seguindo assim. A cada segundo, uma nova reclamação gera uma nova retaliação e obriga o governo a ceder mais um pouco. Como Saturno com seus filhos, Lira vai assim devorando o governo…
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