O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anuncia em vídeo divulgado nas redes sociais por um de seus filhos a realização de um megaleilão de gado. O evento será neste sábado (7), na fazenda Santa Maria, no município de São Sebastião (AL). Na declaração de bens entregue à Justiça eleitoral no ano passado, Lira informa ser dono de metade da propriedade rural, cota estimada por ele em R$ 104 mil.
Embora seja um notório criador de gado de raça, o deputado não incluiu qualquer animal na descrição de seus bens arrolados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O patrimônio total declarado por ele é de R$ 5.965.870,58. “Muita genética, muito produto de qualidade, touros avaliados, touros testados, um grande grau de excelência”, diz Lira no vídeo divulgado pelo filho Álvaro Lira. O leilão é promovido pela Lira Agropecuária. O presidente da Câmara diz ser proprietário de 100 mil cotas do capital da empresa, no valor de R$ 100 mil. Veja o vídeo:
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O Congresso em Foco procurou a assessoria do presidente da Câmara e aguarda retorno. O texto será atualizado caso haja manifestação. A reportagem questionou se o gado é de Lira e se os animais estão registrados no nome dele como pessoa física ou no da empresa Lira Agropecuária.
Como este site revelou com exclusividade, Lira omitiu propriedades das declarações entregues à Justiça eleitoral. Considerado atualmente um dos homens mais poderosos da República, o presidente da Câmara era um deputado estadual quando pagou, entre 2004 e 2006, quase R$ 5 milhões (valor da época, ou cerca de R$ 16 milhões, em valor atual, conforme correção pelo IGP-M) por quatro fazendas em Pernambuco. Essas propriedades não constam da declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Os bens declarados por Lira, na ocasião, somavam R$ 695.901,55 (valor da época).
Documentos obtidos pelo Congresso em Foco em buscas realizadas em Pernambuco e Alagoas revelam que ao menos R$ 3,7 milhões foram pagos em “moeda corrente” – termo utilizado pelos cartórios, segundo a Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), para se referir à moeda do país, no caso, o real. Não há especificação, nos papéis, se o montante foi pago em dinheiro vivo, cheque ou transferência bancária. Lira também omitiu da Justiça eleitoral por 13 anos um imóvel rural denominado Sítio Nicodemus, conhecido como Parque de Vaquejada Arthur Filho.
PublicidadeComprado por Lira em fevereiro de 1997, conforme mostram documentos obtidos com exclusividade pelo Congresso em Foco, o parque localizado no município de Pilar (AL) só foi declarado como patrimônio por Lira na eleição de 2010, ano em que ele concorreu pela primeira vez a uma vaga na Câmara. Desde então, a propriedade consta com o mesmo valor, de R$ 30.156,00 (cerca de R$ 75 mil, em valor corrigido pelo IGP-M, conforme a Calculadora do Cidadão, do Banco Central). O parque ficou de fora das declarações de bens entregues por ele à Justiça eleitoral em 1998, 2002 e 2006 – anos em que concorreu a deputado estadual.
Considerado um dos maiores do seu gênero no Nordeste, o Parque Arthur Filho ocupa uma área de 450 hectares, o equivalente a cerca de 450 campos de futebol. Lá, uma vez por ano, ocorre a maior vaquejada da região. O evento deste ano será realizado entre 30 de novembro a 3 de dezembro. O cartão de divulgação publicado nas redes sociais pelos organizadores anuncia a distribuição de R$ 200 mil em prêmio aos participantes, além das atrações musicais desta edição, como Wesley Safadão, que e amigo de Arthur Lira.
De acordo com o advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis, a não declaração de bens por qualquer candidato poderia ensejar a abertura de processo por falsidade ideológica eleitoral. Mas, na prática, o jurista reconhece que essa não tem sido a postura da Justiça brasileira. A exigência de declaração patrimonial está prevista no artigo 350 do Código Eleitoral. “Ele fala de falsidade ideológica eleitoral, o que atinge todas as declarações falsas prestadas à Justiça eleitoral, o que inclui a intimação relativa aos bens”, explica Márlon. “Esse dispositivo, porém, nunca foi utilizado com essa finalidade, infelizmente”, lamenta.
Taturana
Em 2007, a Operação Taturana, da Polícia Federal, levantou a suspeita de que Lira – então deputado estadual em Alagoas – usava a compra de gado e fazendas para lavar dinheiro arrecadado por meio de um esquema de “rachadinhas” com assessores fantasmas. Pelo caso, Lira foi condenado em duas instâncias, em 2012 e 2016, na esfera cível. As decisões, no entanto, foram anuladas em abril deste ano pelo ministro Humberto Martins, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O deputado foi absolvido na esfera criminal após a operação ser anulada. O Ministério Público Federal recorre da decisão.
O Congresso em Foco está impedido desde julho de veicular uma entrevista feita com a ex-esposa do deputado. Jullyene Lins, que foi casada com Lira entre 1996 e 2006, acusou o ex-marido de violência física e sexual. O texto foi retirado do ar por determinação do juiz Jayder Ramos de Araújo, da 10ª Vara Cível de Brasília, a pedido do presidente da Câmara. Lira também conseguiu excluir conteúdo semelhante da agência Pública. O parlamentar e a ex-esposa travam, desde a separação, uma guerra na Justiça.