Aos sete anos, Aliel Machado catava material reciclável com seu pai, então desempregado, para ajudar no sustento da família. Descoberto pelo conselho tutelar, foi incorporado a um programa social da prefeitura de Ponta Grossa (PR). Passou a se revezar entre a caixa de engraxate e os carrinhos com os quais transportava as compras dos frequentadores da Feira do Produtor. Agora, aos 30, o ex-catador, ex-engraxate e ex-carregador de feira circula pelos corredores da Câmara com a desenvoltura de primeiro vice-líder da oposição, cargo que ocupa em seu segundo mandato federal.
A história do deputado do PSB bem poderia lembrar um conto de Natal, não fosse a realidade bem mais dura do que a ficção. Aliel faz parte de um pequeno grupo de parlamentares que não nasceu no topo da pirâmide social. Quase metade dos atuais 513 deputados declarou, em 2018, ter patrimônio superior a R$ 1 milhão.
Mesmo com o salário de R$ 33,7 mil que recebe hoje como parlamentar, Aliel mora na região onde nasceu, na Vila Hilgemberg, no bairro de Nova Rússia. Em alguns lugares o esgoto ainda corre a céu aberto. Até junho de 2018, vivia de aluguel em uma rua de terra. Depois de comprar uma casa para os pais, mora em residência própria em uma rua asfaltada. “Não penso em sair de lá”, diz.
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Tabata
A trajetória de Aliel lembra a da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), de 26 anos. Filha de um cobrador de ônibus e uma diarista, Tabata foi aprovada em seis universidades norte-americanas. Formou-se em ciência política e astrofísica na prestigiosa Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, liderou um movimento pela educação e hoje é reconhecida como uma das principais vozes da área na Câmara.
Aliel vê semelhanças entre as dificuldades transpostas por ele e Tabata e considera que os problemas que sentiu na pele se refletem diretamente em sua atuação parlamentar. Na votação da proposta de reforma da Previdência, por exemplo, encampou a emenda do PSB que impediu que se aumentasse o tempo de 15 anos de contribuição exigido de homens que se aposentem pela idade.
Publicidade“Aquele dia foi meu êxtase, a maior vitória que tive aqui em cinco anos. Sei que, se não fosse meu alerta feito ao presidente Rodrigo Maia, de que havia um erro nas contas da equipe econômica ali, isso não teria passado. Foi muito simbólico para mim porque meu pai é aposentado por invalidez e recebe um salário mínimo por mês”, conta.
O mais velho de quatro irmãos, o deputado é filho de um ex-entregador de botijão de gás que se aposentou como auxiliar de serviços gerais, limpando banheiro de uma fábrica. Sua mãe trabalhou de diarista e informalmente em um açougue.
Contrário à reforma da Previdência, Aliel divergiu de Tabata, que votou favoravelmente às mudanças. “Respeito muito a Tabata. Ela é uma inspiração. Mas depois da Previdência ficou um pouco mais difícil a relação. Também tenho um pouco de dificuldade com esses movimentos de renovação política”, afirma, em alusão ao Acredito, do qual a pedetista é uma das principais lideranças.
Da humilhação à política
A ascensão política meteórica de Aliel começou em um episódio que ele conta ainda hoje com a voz embargada, ao se lembrar da humilhação a que foi submetido. “Uma vez, quando ainda era adolescente, encontrei o prefeito da cidade e falei para que ele que estávamos com a luz cortada em casa porque não tínhamos dinheiro para pagar. O prefeito pediu para eu passar na prefeitura”, relata.
“Fui, mas disseram que ele não poderia me atender. Eu disse que ia esperá-lo na garagem. Era no início da noite. Nesse período chegaram vários vereadores que entravam, falavam com ele e saíam. Mas aí a secretária dele chamou o conselho tutelar para me apreenderem. Saí correndo, pulei o muro. Naquele dia eu disse que seria vereador para ser recebido pelo prefeito.”
A oportunidade veio poucos anos depois. Na escola pública, Aliel passou a militar no movimento estudantil, virou presidente de grêmio e se juntou à União da Juventude Socialista (UJS) e ao PCdoB, seu primeiro partido. Com 19 anos, tentou sem sucesso uma vaga na câmara municipal. Aos 23, não só estreou na Casa como assumiu a presidência em seu primeiro dia de mandato.
Em 2014, em sua primeira candidatura federal, Aliel, mesmo filiado a um partido de esquerda, se elegeu com a maior votação já obtida por um candidato de Ponta Grossa, tido como um dos municípios mais conservadores politicamente do Paraná. No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro recebeu 74% dos votos válidos na cidade no segundo turno.
Crítica à polarização
No primeiro mandato na Câmara, após divergências internas, Aliel trocou o PCdoB pela Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. Em 2016, entrou em choque com Marina e a cúpula do partido ao votar, na comissão do impeachment e em plenário, contra a cassação do mandato da então presidente Dilma Rousseff. No começo de 2018, filiou-se ao PSB.
Aliel diz que tem a pretensão de, um dia, ser prefeito de Ponta Grossa e de participar, de perto, da campanha de algum candidato de seu partido para a Presidência da República. Mas conta que prefere não fazer planos. Para ele, o momento é de fugir da polarização política.
“Falta ao campo progressista apresentar um projeto para o país”, considera. Para ele, a polarização entre PT e bolsonaristas tem feito mal ao Brasil. “O perfil da Câmara ainda é perigoso. Pauta-se pelo extremismo. Me perguntam se sou Bolsonaro ou PT. Não sou nenhuma das duas coisas”, ressalta.
Para o primeiro vice-líder da oposição, Bolsonaro é uma “tragédia” criada pelo PT. Já o ministro Sergio Moro é uma figura que teve sua importância, mas que, segundo ele, perdeu-se pelo caminho. Ele foi o autor do projeto que resultou na primeira derrota de Bolsonaro no Congresso este ano, a proposta que derrubou o decreto presidencial que aumentava a lista de servidores que podiam transformar dados públicos em ultrassecretos (aqueles que podem ser guardados por 25 anos).
“Moro cumpriu papel importante, mas cometeu excessos e errou ao entrar para a política e deu razão a muitas das críticas que recebia. Erram quando o chamam de herói da pátria. Isso colabora para a polarização. Mas o PT é um dos principais responsáveis pela tragédia que vivemos. Bolsonaro é cria do PT”, critica o deputado, que assumiu a primeira vice-presidência da comissão especial que vai analisar a proposta de emenda constitucional da prisão em segunda instância.
Eduardo e Brasília
Em agosto Aliel deixou as divergências ideológicas de lado e gravou um vídeo com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O paranaense recorreu ao presidente da Comissão de Relações Exteriores para intervir em favor de uma mãe do município de Castro (PR) que lutava pela guarda dos filhos na Bulgária. “Preciso agradecer ao Eduardo porque ele movimentou a embaixada brasileira e conversou com o ministro para preparar uma ação que defenda a família. Um tema como esse supera qualquer divergência”, disse Aliel, no vídeo.
Em seu quinto ano na Câmara, o deputado ainda olha de seu gabinete a capital federal com ar de encantamento. “Foi tudo muito rápido. Meu sonho desde pequeno era conhecer Brasília. Vim uma vez de ônibus, mas não tinha dinheiro para pagar a passagem de volta. Levei muito chá de cadeira. Tive de fazer vaquinha para voltar para casa”, conta. Hoje Aliel dispõe de mais de R$ 30 mil por mês como verba oficial para voar entre o Distrito Federal e o Paraná.
Em seu gabinete, fotos da família, inclusive em sua cerimônia de posse, dividem espaço com uma caneca e outras lembranças do Vasco da Gama, seu clube de coração. “Perdi muitos amigos por tráfico de drogas e assassinados. Estou aqui por causa da minha família”, diz o deputado.
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