Em uma derrota para o governo, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) assumiu ontem (6) o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais poderosa da Casa. A deputada prometeu que conduzirá o colegiado de forma institucional, ouvindo todos os partidos, inclusive os da base governista. Considerada uma bolsonarista radical até pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tentou sem sucesso demover o PL de indicá-la, Caroline é a parlamentar de todo o Congresso que mais votou contra o governo nesta legislatura, conforme levantamento exclusivo do Radar do Congresso, ferramenta de monitoramento do Congresso em Foco.
Ela votou conforme a orientação do líder do governo em apenas 28% das votações realizadas desde fevereiro de 2023. Ou seja, votou contra a recomendação governista em 72% das vezes. No índice de oposicionismo, ela está empatada com Julia Zanatta (PL-SC), que tem o mesmo percentual. Na média geral da Câmara, os deputados votaram em 80% das vezes em consonância com o governo Lula desde o início do ano passado.
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O controle da CCJ, presidida pelo petista Rui Falcão (SP) no ano passado, é estratégico para qualquer governo. Todas as propostas passam pela comissão, que avalia se estão de acordo com a Constituição e dentro das técnicas legislativas e regimentais. Se a CCJ considerar que a proposta não pode ser admitida, por não estar adequada ao orçamento ou por ser inconstitucional, o texto é arquivado. Compete ao colegiado também dirimir eventuais disputas em torno do Regimento Interno.
- Esta publicação foi feita com dados do Radar do Congresso, ferramenta do Congresso em Foco. Clique aqui para saber mais.
- Pelo Radar do Congresso, o índice de governismo de cada parlamentar é calculado a partir das votações em plenário. Votos iguais à orientação do governo (sim ou não) aumentam a taxa; qualquer opção diferente da orientação (seja sim, não, abstenção ou falta) diminui o índice.
Promessa de diálogo
Nessa quarta-feira, horas antes de assumir a CCJ, Caroline de Toni foi questionada por jornalistas sobre como será sua gestão. A deputada afirmou que vai priorizar, nas votações, a qualidade em vez da quantidade de projetos, prometeu diálogo, mas descartou a possibilidade de se aproximar do governo.
“Uma aproximação com o governo, eu acho muito difícil porque eu sou uma deputada de oposição. Mas se tivermos pautas importantes para a sociedade brasileira que eventualmente o governo apresente, e o presidente Arthur Lira também quiser responder, precisamos ter uma porta de diálogo. Não significa uma aproximação, mas eu estou aberta a ouvir todos os partidos”.
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Para o cientista político André Sather, a ascensão de Caroline de Toni à presidência da CCJ é mais um fator de complicação em um início de ano “tenso” para o governo Lula, que tem pendências a resolver com o Congresso, como o veto do presidente a R$ 5,6 bilhões destinados a verbas para emendas parlamentares no orçamento.
“A CCJ é o grande gatekeeper, por assim dizer, do processo legislativo. Tudo tem que passar por lá e tudo pode ficar parado lá, como ser acelerado lá. A presidente da comissão tem uma força grande de determinação da agenda, do ritmo, então é mais um entrave dentro de um contexto já complicado para o governo”, explica Sather, um dos coordenadores do Congresso em Foco Análise.
Sem acordo
Caroline de Toni tem, entre suas bandeiras, o enfrentamento à descriminalização do aborto. Ela já apresentou proposta para acabar com a cota feminina nas eleições. Nesta semana, ela usou o X (antigo Twitter) para criticar a França, por se tornar o primeiro país a incluir o direito ao aborto na Constituição.
Arthur Lira tentou convencer o PL a indicar outro nome, considerado menos radical, para a CCJ, mas o partido não aceitou. Em 2023 foi feito um acordo para que a legenda, que tem a bancada mais numerosa da Casa, ficasse com o comando da CCJ em 2024 e 2025, abrindo mão do colegiado para o PT em 2023. Na semana passada, em reunião de líderes, o União Brasil chegou a reivindicar a primazia na escolha da comissão, em uma negociação que envolvia a Comissão Mista de Orçamento. O PL, porém, não cedeu.
Seguidora de Olavo
Aos 37 anos, Carolina de Toni está em seu segundo mandato na Câmara. A catarinense foi reeleita em 2022 com mais de 227 mil votos, a maior votação da bancada de Santa Catarina na Casa. Formada em Direito, a deputada se declara discípula do escritor Olavo de Carvalho, morto em 2022, é ferrenha defensora da chamada pauta de costumes e da liberação de armas.
Em 2020, Carolina foi uma das 11 parlamentares bolsonaristas a ter o sigilo bancário quebrado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito dos atos antidemocráticos, sob a suspeita de ter colaborado para o financiamento de grupos antidemocráticos. “Não fiz nada que não fosse um direito de garantia fundamental, que é me manifestar, acompanhar em Brasília as manifestações onde as pessoas apenas pediam para que deixassem o presidente Bolsonaro governar e apoiavam a livre circulação das pessoas durante a pandemia”, reagiu a deputada na ocasião.