A deputada Bia Kicis (PL-DF) retuitou uma publicação que associa o presidente Lula ao nazismo. Na montagem, publicada no X (antigo Twitter) pelo deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), Lula aparece com traje semelhante ao do líder nazista, Adolf Hitler. No centro da imagem, quatro mãos, fazendo a letra “L”, reproduzem uma suástica, o mais conhecido símbolo nazista. No texto, a palavra “Lulazismo”. A publicação foi feita depois que Lula associou os ataques do governo israelense à Faixa de Gaza ao Holocausto, extermínio que resultou na morte de 6 milhões de judeus na Europa. A declaração do presidente causou uma crise diplomática do governo brasileiro com o israelense, que declarou Lula “persona non grata” no país.
Bia Kicis e Maurício Marcon poderiam incorrer no crime de falsa acusação de nazismo caso um projeto de lei apresentado por ela e outros deputados bolsonaristas, em 2022, tivesse sido aprovado. A deputada é autora do PL 254/2022, que cria o novo tipo penal com pena de dois a cinco anos de prisão, além do pagamento de multa. A proposta está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
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O texto foi apresentado em 2022 após a polêmica envolvendo o “Flow Podcast” e o apresentador Monark. Durante um programa, Monark defendeu a existência de um partido nazista. “Se o cara quiser ser um antijudeu, eu acho que ele tinha direito de ser”, afirmou Monark, apoiador de Jair Bolsonaro.
Ao apresentar o projeto na Câmara, Bia Kicis criticou o que chamou de “banalização” do termo e acusou opositores de tentarem “assassinar reputações” por meio de acusações dessa natureza. “Nenhum cidadão pode ser banalmente chamado, nem por humor ou charge, de nazista. É uma imputação gravíssima, incomparável, sem precedentes. Nazismo deve mesmo ser crime, assim como a falsa acusação de nazismo, que levianamente tem sido feita contra opositores políticos”, justificou a deputada.
Ainda na justificativa, ela citou os casos de outros dois bolsonaristas acusados na época de apologia ao nazismo, o comentarista Adrilles Jorge, demitido da rádio Jovem Pan após fazer um gesto que foi associado à saudação nazista “sieg heil“, e o ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins, denunciado pelo Ministério Público Federal por fazer um gesto típico dos supremacistas brancos durante uma sessão do Senado.
PublicidadeQuestionada sobre a repostagem e uma possível “banalização” do termo, Bia Kicis respondeu ao Congresso em Foco: “Não tenho culpa se ele fez uma declaração antissemita comparando as ações de defesa do Estado de Israel ao holocausto de Hitler”.
Também procurado pela reportagem, Maurício Marcon disse não ver exagero na comparação entre Lula e Hitler. “Pelas falas aqui no plenário dos governistas, fica claro que, se Hitler estivesse vivo, o PT estaria ao lado dele como está ao lado do Hamas, que tem o mesmo objetivo de Hitler, exterminar os judeus. Então não considero exagerada, é apenas uma comparação de pessoas que têm o mesmo objetivo”, respondeu.
O próprio Museu do Holocausto, que homenageia as vítimas do nazismo em Jerusalém, associa o genocídio dos judeus à extrema direita. Ao tratar do nascimento do regime na Alemanha, após o Tratado de Versailles, que selou a paz entre as principais potências europeias após a Primeira Guerra, o museu explica que havia um clima de frustração que, “junto a intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista”.
Relator do projeto de Bia na CCJ, o deputado Tarcisio Motta (Psol-RJ) questiona se a colega estaria pronta a responder pelo crime que ela pretende tipificar em sua proposta.
“É, no mínimo, irônico lembrar que essa mesma deputada é autora de um projeto de lei que prevê o crime de falsa acusação de nazismo. Na justificativa do projeto, a própria deputada afirma que ‘chamar alguém de nazista ofende a honra da pessoa, configurando, a depender do contexto, um ou mais crimes’ e que ‘memória de milhares de vítimas e a dor de seus familiares não podem ser banalizadas’. Ora, ela banaliza e inflige a dor a que se refere ao odiosamente compartilhar uma imagem chamando Lula de nazista? Estaria pronta para uma pena de dois a cinco anos de reclusão, que ela mesma vê adequada às pessoas que incorrem em falsa acusação de nazismo, segundo o seu projeto de lei?”, disse Tarcísio.
Neta de ministro nazista
Em 2021, Bia Kicis causou polêmica ao se encontrar em Brasília com a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita AfD e neta de Ludwig Schwerin von Krosigk, antigo ministro das Finanças do regime nazista de Hitler. Na ocasião, Beatrix foi recebida e posou para foto com Bolsonaro no Palácio do Planalto. A visita, segundo a parlamentar alemã, teve como objetivo fortalecer conexões e “defender nossos valores cristãos e conservadores em nível internacional”.
Na ocasião, Bia Kicis se defendeu das críticas de que teria ligação com o neonazismo, alegando que seu avô, judeu, lutou na Segunda Guerra Mundial.
O projeto da deputada altera a Lei do Racismo (7716/89), acrescentando a tipificação do crime de falsa acusação de nazismo no artigo que também estabelece como crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
Além de Bia Kicis, também assinam o projeto os deputados Bibo Nunes (PL-RS), Sargento Fahur (PSD-PR), Junio Amaral (PL-MG), General Girão (PL-RN) e os ex-deputados Alê Silva (PL-MG), Guiga Peixoto (PSC-SP), Coronel Tadeu (PL-SP) e Daniel Silveira (PL-RJ).
Em maio do ano passado, outro bolsonarista, o deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), ocupou a tribuna da Câmara para homenagear o Dia Internacional da Vishyvanka, veste tradicional da Ucrânia, terra de seus antepassados. Em seu discurso, o deputado de extrema-direita exaltou a participação de seu avô, o ucraniano Bohdan Bilynskyj, como combatente na Segunda Guerra Mundial e exemplo para sua atuação política. Bohdan foi voluntário da Waffen-SS, exército pessoal do ditador alemão Adolf Hitler, fato conhecido e divulgado pelo parlamentar em suas redes sociais. Sua fala foi logo repudiada pelo Instituto Brasil-Israel, uma das instituições de representação da comunidade judaica no Brasil.
Onze vezes em que o bolsonarismo flertou com o nazismo
Crise diplomática
Na segunda-feira, o governo israelense declarou Lula “persona non grata” no país enquanto não pedisse desculpas por ter associado os ataques à Faixa de Gaza ao Holocausto. O embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Duque Estrada Meyer, foi repreendido e levado ao Museu do Holocausto, onde ouviu as queixas em hebraico – idioma que não domina. O episódio foi visto, no Itamaraty, como uma forma de humilhação.
Em entrevista coletiva no domingo, em Adis Abeba, capital da Etiópia, Lula comparou os ataques aos palestinos ao genocídio do povo judeu liderado por Adolf Hitler. “O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou o brasileiro.
O governo Lula reagiu, chamou Meyer de volta ao país para “consulta”, em um ato de protesto, e convocou o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar, para prestar esclarecimentos. Mauro Vieira se reuniu com Zohar e reclamou do tratamento dispensado ao representante brasileiro em Tel Aviv.
A declaração de “persona non grata” é um instrumento jurídico amplamente reconhecido e utilizado nas relações internacionais. É uma prerrogativa que os Estados possuem para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território.
No domingo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu duramente à fala de Lula. De acordo com ele, o brasileiro “cruzou a linha vermelha”. Estima-se que 6 milhões de judeus tenham sido assassinados no Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. A atuação de Netanyahu na guerra contra o Hamas tem sido criticada internacionalmente. Vários líderes já acusaram o líder israelense de reagir de maneira desproporcional e promover um massacre contra civis inocentes. Cerca de 30 mil palestinos, inclusive crianças e mulheres, foram mortos desde o início do conflito em outubro de 2023.
Assessor especial de Lula para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que o presidente brasileiro não vai pedir desculpas e que Israel está cada vez se isolando mais devido ao massacre em Gaza.