Você já ouviu falar de Hamza Hameed? Trata-se de um aleijado. Ele perdeu a perna direita e um dedo da mão esquerda durante um bombardeio aéreo. Hameed não estava em armas – ele simplesmente passava por um mercado popular de Bagdá.
Este não foi um caso isolado. Há poucos dias li um chocante relatório divulgado pela Agência Reuters dando conta de que o número de iraquianos aleijados já beira a casa dos 3 milhões, alguma coisa em torno de 10% da população.
Segundo consta, apenas um quarto desses aleijados consegue próteses que suavizem suas vidas, pois a falta de materiais é aguda. Tão aguda como a miséria deles, condenados a viver com uma ajuda mensal equivalente a cerca de R$ 68.
Enquanto isso, segundo dados divulgados pelo serviço Iraq Body Count, já passa de 100 mil o número de civis iraquianos que perderam a vida desde 2003, vítimas de violência. Há também o sofrimento das crianças. Segundo consta, a desnutrição infantil já ultrapassou os índices do Burundi, do Uganda e até do Haiti – basta dizer que se estima em 70% o total de escolas que sequer água potável têm.
Enquanto isso, em 2003, o jornal francês Le Monde noticiava que uma única empresa norte-americana foi agraciada com contratos no valor total de US$ 600 milhões, envolvendo desde exploração de petróleo até obras de reconstrução. Esta não foi uma notícia isolada: no dia 12 de março do ano seguinte o jornal Cape Cod Times denunciou que “muitas das empresas que receberam contratos no valor de US$ 130 milhões ao longo desta semana para realizar obras no Iraque tem fortes conexões em Washington”.
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No ano de 2007, essas obras de reconstrução foram assim descritas pelo sério jornal The New York Times: “Inspetores descobriram que em uma amostra de oito projetos que os Estados Unidos declararam sucesso sete não funcionavam. Os Estados Unidos haviam admitido anteriormente, às vezes sob pressão de inspetores federais, que alguns dos projetos de reconstrução haviam sido abandonados, atrasados ou pessimamente executados. As inspeções abrangeram do norte ao sul do Iraque, e cobriram projetos tão variados como uma maternidade, alojamentos para as forças iraquianas e uma estação de força para o aeroporto de Bagdá.
Em 2008, o mesmo jornal divulgou que “gigantes petrolíferas ocidentais estão em fase final de acertos com o Iraque para voltarem a explorar as reservas petrolíferas do país sob contratos firmados sem concorrência”.
Curiosamente, na mesma data em que li estes textos tive acesso a uma outra notícia, publicada pelo jornal USA Today, dando conta de que os rifles utilizados pelas tropas norte-americanas têm gravados neles versículos da Bíblia. Em um deles a reportagem localizou uma referência a João 8:12: “Eu sou a luz do mundo: aquele que me seguir não andará na escuridão, mas terá a luz da vida”.
Diante deste quadro, tenho que nunca foram tão acertadas as palavras de Eugène Ionesco: “Em nome da religião, constroem-se piras. Em nome das ideologias, pessoas são torturadas e mortas. Em nome da justiça, são injustiçadas. Em nome do amor a um país ou uma raça, outros países e raças são desprezados, discriminados ou massacrados. Em nome da igualdade e da fraternidade, praticam-se a perseguição e o ódio. Não há nada em comum entre os meios e os fins. Os meios vão muito mais longe que os fins. Na verdade, religião e ideologia são apenas álibis para esses meios”.
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