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Como mostrou a reportagem, nada menos do que 125 deputados – quase um quarto da Câmara – reforçaram o caixa eleitoral com o dinheiro ou o trabalho de seus assessores, o que caracteriza uma clara vantagem em relação aos candidatos que não contam com mandato parlamentar. Dos 38 senadores que concorreram nesta eleição, dez receberam alguma ajuda do gabinete.
O partido que mais recorreu à caixinha entre servidores foi o PT. Dos 88 deputados petistas, 44 receberam a ajuda do gabinete (leia mais). Juntos, esses assessores repassaram R$ 498.767 para a campanha de seus respectivos chefes. O senador Wellington Dias (PT), eleito governador do Piauí, também foi agraciado pelo gabinete.
“Inominável”
A senadora Ana Amélia (PP-RS) disse à reportagem que cada parlamentar tem um comportamento, mas que, particularmente, nenhum de seus servidores é obrigado a doar para suas campanhas. “[Os congressistas candidatos] não deveriam criar um constrangimento para os servidores no gabinete. Se for espontânea [a doação], também não se pode proibir. O que não pode é obrigar ou constranger o servidor”, disse a parlamentar gaúcha, que tentou o governo de seu estado, mas não foi eleita.
Ao ser informada de que, em alguns casos, servidores eram exonerados pouco tempo depois de doar para a campanha de seu chefe, Ana Amélia demonstrou reprovação. “Isso é inominável. Nós temos que ter um critério muito rigoroso”, repudiou, acrescentando que os servidores têm de ter sua liberdade político-ideológica preservada.
“Existe até uma questão nos gabinetes relacionada à uma filiação partidária. Eu não exijo isso, e nem sei em que partidos estão filiados os meus servidores. Nenhum deles é constrangido a fazer contribuição a partido político. Se, eventualmente, algum deles está filiado ao meu partido, é por livre e espontânea vontade. Eu nunca pedi nem exigi isso, nem sei como votam ou como votaram meus servidores”, concluiu a senadora.
“Lei espúria”
Para o publicitário e consultor Jorge Maranhão, dirigente do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão, o Brasil ainda padece de uma cultura de pouco respeito aos ditames constitucionais e aos princípios da administração pública – em especial, lembra, o preceito da moralidade que, em sua opinião, é tão importante quanto o da legalidade. Nesse sentido, acredita Jorge, não vale o argumento de que a caixinha não é ilegal.
“Aquilo que não está previsto em lei se deve julgar pelo senso de moralidade. A justificativa legal é espúria, a lei é espúria, e o juiz deveria julgar pelo sentido moral. Não é por aí. A opinião pública, os cidadãos estão indignados. Estamos em um momento em que a sociedade está exigindo moralidade, e não só legalidade. O espírito da lei, que deveria ser a consagração do ato moral, está sendo usado para praticar imoralidades”, ponderou, lembrando as manifestações de junho de 2013.
“Se trata de dinheiro público, se trata claramente de jogo de influência. Isso é imoral. E, provavelmente, o Tribunal [Superior Eleitoral] não vai fazer nada, porque vão alegar que está tudo dentro da lei. Eu, como não tenho nada a ver com isso, que sou um cidadão, eu boto a boca no trombone. Acho isso um absurdo, uma prática imoral”, declarou.
Jorge diz que a prática de alegar a legalidade de atos imorais é recorrentemente verificada na magistratura, por exemplo, que não abdica de diversos penduricalhos remuneratórios alegando estar tudo dentro da lei. Para ele, a legislação brasileira faz com que as pessoas ajam sob o manto da legalidade, mas de maneira absolutamente imoral – o que se verificaria no financiamento de campanha, na distribuição de benefícios segundo o tamanho das bancadas, na centralização das decisões nos diretórios partidários etc.
“O sistema político é todo imoral. Isso foi tudo legislado de maneira viciada, para favorecer os mandatários, e não nós, que somos os votantes. Ou seja, temos um sistema de representação política que não representa m…. nenhuma. Ora, se temos um Congresso em que 135 membros praticam esse ato de imoralidade…”, protestou Jorge.
Troca de favores?
Já o advogado e cientista político Murillo de Aragão, fundador e CEO da Arko Advice, considera que a questão tem duas facetas: se, por um lado, não é “adequado” que servidores façam tais doações, por outro isso é direito de qualquer cidadão, os assessores aí incluídos. Mas, diz Murillo, poderia ser pior. “Eu acho que não é o mais adequado [doação de servidor]. Mas seria muito pior se isso fosse feito por debaixo do pano”, opina. “É uma situação estranha, em que o costume não recomenda isso. Não é adequado.”
Para Murillo, a legislação brasileira deveria ser mais apurada em relação ao assunto. “Acho que deveria haver uma vedação. Também acho que o cidadão deve ter o direito de doar, mas acho que, dessa forma, fica esquisito. Cabe uma reflexão, porque o servidor é um cidadão, e ele também tem o direito de doar. Pelo aspecto constitucional, e até de cidadania, não há nada a reclamar. Mas, de fato, é uma coisa que fica estranha, parece uma troca de favores”, acrescentou o cientista político.
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Metade da bancada do PT recebeu doação de assessor
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