José Rodrigues Filho *
A utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs) vem, de um lado, facilitando a transparência, sobretudo no setor público, mas, por outro lado, tem-se registrado a invasão da privacidade. Este conflito abre um importante espaço para o debate, especialmente nas áreas do direito e da ética para elucidar o princípio da transparência e o significado da invasão de privacidade. É importante delimitar estes espaços, de modo que a sociedade compreenda os avanços da democracia.
Nas eleições presidenciais passadas, vários exemplos de invasão de privacidade vieram à tona, quando sugiram comentários sobre a construção de um dossiê com dados pessoais de familiares de um dos candidatos a presidente da Republica e o fato de que funcionários da receita federal estavam tendo acesso às informações pessoais dos contribuintes brasileiros. Neste caso, o próprio governo, a exemplo das ditaduras totalitárias, utilizou as TICs para invadir a privacidade de cidadãos brasileiros. Em recente texto sobre as TICs e direitos humanos no Brasil, publicado pela Revista Internacional de Tecnologias de Informação e Desenvolvimento Humano, tratamos dos riscos e efeitos maléficos de uma ditadura invisível de investigação eletrônica.
No momento, no Brasil, a grande discussão diz respeito à transparência na administração pública. Recentemente o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, a pedido da Advocacia Geral da União (AGU), cassou uma liminar da Justiça Federal em Brasília, que impedia a publicação dos salários de servidores públicos. Desta forma, foi liberada a divulgação de salários dos servidores públicos federais.
Esta decisão da nossa Corte de Justiça está em sintonia com o que vem acontecendo nas democracias mais avançadas, ao recorrer à nossa Constituição e demonstrar que “A remuneração dos agentes públicos constitui informação de interesse coletivo ou geral”. A decisão do ministro Carlos Ayres Brito não se diferencia de decisão tomada, há poucos anos, pela Suprema Corte de Justiça da Califórnia, quando determinou que a informação sobre o salário do servidor público constitui um registro público, ou seja, é uma informação pública. Para aquela Suprema Corte, a expectativa individual de privacidade de salários ganhos na administração pública é significantemente menor do que a expectativa de privacidade em relação a salários ganhos no setor privado.
Os cidadãos têm o direito de acessar informações e de saber como o governo funciona e está gastando o dinheiro público, oriundo dos impostos. Neste caso, a divulgação de salários dos servidores público não infringe o direito de privacidade. O negócio público deve ser conduzido em público, mesmo causando desconforto e embaraços para alguns. Infelizmente, o instinto de muitos burocratas da administração pública é o de impedir a divulgação de informações públicas. Tornar segredo a divulgação de salários dos servidores públicos serve apenas para esconder as desigualdades em pagamentos: poucos servidores recebendo elevadíssimas somas e uma maioria recebendo tão pouco.
A divulgação de salários dos servidores públicos deve ser feita no sentido de enfatizar estas desigualdades, considerando ainda inúmeros exemplos de nepotismo, favoritismo, corrupção e a má gestão financeira na administração pública. É lamentável, por exemplo, que um professor com formação acadêmica, em nível de doutorado, receba menos do que muitos servidores públicos apenas com curso de graduação. A exemplo de outros países, a divulgação de salários dos servidores públicos só tem sentido se for enfatizado aqueles que ganham acima do normal. Se existe um teto máximo, na forma da lei, como justificar o salário daqueles que estão ganhando acima deste teto? Se a lei permite acumulação de salários e aposentadorias e o montante excede o valor do teto máximo, que isto seja bem explicitado para a sociedade, até para se evitar julgamentos indevidos.
Não se sabe até quando a sociedade vai poder conter a sua indignação diante dos altos salários pagos a alguns servidores públicos, já considerados pela imprensa nacional e internacional como sendo um roubo ao contribuinte e parte de um crime organizado de raízes profundas, que se tornou invisível durante anos, por conta da falta de transparência pública.
*Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. http://jrodriguesfilho.blogspot.com/
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