Época
Com nosso dinheiro. De novo
Daqui a duas semanas, mesmo que Brasília venha a se encontrar em inverno nuclear, as leis da política brasileira preveem que o senador José Sarney, do PMDB do Amapá, repassará a presidência da Casa ao senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas – um substituto que, espera-se, manterá o cargo no mesmo patamar moral do antecessor. Os senadores até votarão, mas se trata de um gesto simbólico. Renan já está eleito. Será o quarto homem na sucessão da República. Voltará ao posto ao qual fora obrigado a renunciar, em 2007, depois que – tome fôlego, leitor – se revelou o seguinte: Renan tinha contas pessoais pagas por um lobista, Renan usara laranjas, bois e notas frias para ocultar seu rico patrimônio, Renan desviara dinheiro público, Renan mandara espionar adversários…
Passaram-se seis anos, e o tempo não passou no Senado. ÉPOCA descobriu que Renan e seu filho, o deputado federal Renan Filho, o Renanzinho, também do PMDB de Alagoas, pagaram com dinheiro público uma empresa ligada a uma funcionária do próprio senador. Entre agosto de 2011 e outubro do ano passado, os dois direcionaram R$ 110 mil das verbas de seus gabinetes, em Brasília, ao pagamento de “serviços” da empresa de pesquisa Ibrape. O sócio majoritário do Ibrape é Francivaldo Diniz, marido de Edenia Sales, secretária de Renan em seu escritório político em Maceió.
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Edenia recebe do Senado um salário de R$ 12.811 brutos. Afirma trabalhar para Renan há cerca de 14 anos. Diz agendar audiências para o senador em Alagoas e lidar com suas correspondências. Edenia figurou como sócia do Ibrape até março do ano passado. Apesar de conviver com Edenia há tanto tempo, Renan afirma não saber que ela era sócia da empresa no período em que fora contratada por seu gabinete. “Contratei o Ibrape porque é o melhor instituto de pesquisa do Estado”, diz. O senador não informa, porém, quais pesquisas foram feitas com o dinheiro. Renan e seu filho pagaram o Ibrape com a verba de gabinete, uma cota mensal a que os parlamentares têm direito para bancar despesas essenciais para o exercício dos mandatos. O gabinete de Renan fez dois pagamentos ao Ibrape, de R$ 8 mil cada um, em agosto e setembro de 2011. O gabinete de Renanzinho fez sete pagamentos entre janeiro e outubro de 2012. No total, R$ 94.500.
Vídeo inédito mostra assessor e amigo de ex-prefeito sacando dinheiro do combate às enchentes
A chuva torrencial da madrugada de 12 de janeiro de 2011 provocou deslizamentos e inundações matando ao menos 428 pessoas em Nova Friburgo, município da Região Serrana do Rio de Janeiro. Pela manhã, quando a tempestade cessou, grande parte da cidade estava destruída, e os dias seguintes seriam de muito sofrimento para os 180 mil habitantes. Semanas depois, começou um surto de leptospirose, doença provocada pela urina dos ratos que empesteavam residências, escolas e hospitais. A prefeitura havia recebido R$ 10 milhões do governo federal para ações emergenciais e, com parte desses recursos, contratou uma empresa para eliminar as ratazanas e outras pragas. Os roedores, porém, continuariam a disseminar infecções porque os R$ 400 mil pagos à dedetizadora foram desviados em saques na boca do caixa, entre março e junho de 2011. Por sorte, havia uma espécie de “ratoeira” na agência do Banco do Brasil onde as transações ocorreram. As câmeras de segurança filmaram tudo.
As gravações foram requisitadas ainda em 2011 pela Procuradoria da República, que, dois anos depois da tragédia, ainda investiga os desvios das verbas. Muito da roubalheira já veio à tona, mas as filmagens permaneciam inéditas até agora. As imagens foram apresentadas à Justiça Federal no mês passado, como peça da denúncia criminal contra um grupo de 20 pessoas envolvidas na fraude. ÉPOCA obteve, com exclusividade, os vídeos (assista ao lado) que mostram dois empresários, donos da dedetizadora, entrando no banco, andando de um lado para outro, esperando atendimento e, finalmente, enchendo uma mochila e envelopes com maços e maços de dinheiro. Os dois estavam acompanhados ora do principal assessor do gabinete da prefeitura, ora de um amigo de longa data do então prefeito, Dermeval Barboza (eleito pelo PMDB e hoje no PT do B).
Istoé
O novo desafio de Marina
A pouco mais de um ano das eleições presidenciais, os principais partidos e pré-candidatos à sucessão da presidenta Dilma Rousseff já começam a movimentar as peças no tabuleiro político. Nas próximas semanas, será a vez da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva, entrar definitivamente no jogo eleitoral. Terceiro lugar na disputa de 2010 com quase 20% de votos, Marina estava reclusa desde o rompimento com o Partido Verde, há dois anos. Agora, pressionada pelo projeto político de concorrer ao Planalto em 2014 e pelo calendário eleitoral, que obriga os candidatos no próximo pleito a se filiarem a alguma agremiação partidária até um ano antes das eleições, Marina abraçou o pragmatismo e decidiu correr para fundar sua própria legenda. A ex-senadora marcará oficialmente sua volta à cena política no dia 7 de fevereiro, em Brasília, quando, ao lado dos militantes do Movimento Social Nova Política, fará a primeira reunião para decidir sobre os rumos da sigla a ser criada – o 31º partido brasileiro. “Não poderia me omitir diante do legado consistente que temos e que está propondo algo que, se não é um novo caminho, pelo menos é uma nova maneira de caminhar na política”, justifica Marina. “É preciso pensar a política para enfrentar a crise civilizatória que o mundo está vivendo”, filosofa ela.
Antes, porém, Marina precisará enfrentar um princípio de crise no próprio grupo destinado a discutir a nova legenda. É que entre eles há os que trabalham contra a criação do partido. São os internamente chamados de “sonháticos”. No que depender dessa corrente do Movimento Social Nova Política, o grupo deveria apenas debater e apresentar propostas alternativas para o País, sem enveredar pela fundação de mais uma sigla. Do outro lado da trincheira estão os pragmáticos, onde se encontra Marina e aliados. “Essa polêmica será resolvida em Brasília. E, com certeza, será aprovado o surgimento do partido”, avalia Ricardo Young, atualmente vereador do PPS na capital paulista. O único consenso até agora é o foco na sustentabilidade.
De olho em 2014
A presidenta Dilma Rousseff voltou das férias em ritmo acelerado. Engajada na luta pela reeleição em 2014, Dilma está convencida de que precisa plantar em 2013 os frutos necessários para uma colheita favorável nas urnas do ano que vem. A experiência dos antecessores ensina que esse cuidado é necessário. A derrota de José Serra, em 2002, foi antecedida pelo racionamento de energia do governo Fernando Henrique Cardoso, o pior da história do País. A vitória de Lula em 2006 e a eleição de Dilma, em 2010, foram preparadas por ondas fortes de crescimento e distribuição de renda. Dilma entrou em 2013 com a aprovação recorde de 78%, mas é impossível ter certeza de que irá manter-se nesse patamar até a eleição, daqui a 22 meses.
Preocupada em reanimar a economia, para impedir que se torne um alvo óbvio do palanque da oposição, e num esforço para transformar o declínio de 2011 e 2012 num “pibão,” expressão que adotou para sinalizar alguma coisa entre 3% e 4% sem se comprometer com números exatos, Dilma dedicou a semana passada a conversas estratégicas junto a grandes empresários. Recebeu Marcelo Odebrecht, do grupo Odebrecht, Rubens Ometto, da Cosan, e Maurício Ferreira, da Vale, no Planalto. Foram conversas separadas. A reconstituição dos encontros mostra que ocorreram diálogos produtivos – mesmo quando se recorda que toda jura de fidelidade dessa natureza pode ser rompida em menos de 24 horas. Dilma surpreendeu os interlocutores pelo bom humor, pelas piadas e comentários irônicos. Para deixar claro aonde pretendia chegar, em mais de uma oportunidade a presidenta disse “ eu confio” nos empresários e “ eu preciso “ da iniciativa privada. Em pelo menos dois encontros mencionou a possibilidade de abrir concessões num terreno sempre delicado, o da exploração do petróleo.
Patrimônio desperdiçado
Cento e noventa anos depois da proclamação da República, o Estado brasileiro desconhece o real tamanho do seu patrimônio e mantém ociosos pelo menos 13.590 dos 572.161 mil bens que conseguiu cadastrar até hoje. Esses imóveis estão vazios e o governo não consegue saber sequer em quais condições se encontram, ou qual destinação será dada a eles.
Para se ter uma ideia da situação, em 2009, a Secretaria de Patrimônio da União conseguiu um financiamento internacional para atualizar seus cadastros em sete unidades da Federação, mas o trabalho e o dinheiro acabaram antes da conclusão do levantamento nos maiores Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro. Embora o governo não saiba exatamente o que tem, é razoável estimar que o valor total de seu patrimônio ultrapasse os R$ 200 bilhões, o equivalente a 4,5 milhões de residências do programa Minha Casa, Minha Vida. Negligenciada por sucessivos presidentes, que não souberam dar uso econômico nem social a parte considerável desses bens, o país assiste hoje a iniciativas condenáveis de quem toma posse do patrimônio público para uso pessoal.
O voo solidário
Ajudar o próximo faz parte da vida de Simone Batista, 46 anos, desde a infância. Ainda criança, ela participava das campanhas da igreja que frequentava. Logo passou ao grupo de jovens e amadureceu sua vocação para o trabalho social ao longo dos anos de faculdade. Mesmo com tanta experiência, a doutora em pedagogia não hesitou em passar por um curso de formação de dois meses antes de entrar para a equipe de voluntários do Instituto Elos, uma ONG com sede na cidade de Santos, em São Paulo, que aposta na profissionalização do trabalho social. “No curso, a gente aprende a estabelecer um diálogo com a comunidade e a identificar suas necessidades”, afirma ela. “Se o trabalho é assistencialista, a gente faz pelas pessoas, e não junto com elas.”
Pesquisas que aos poucos jogam luz no terceiro setor mostram que a história de Simone exemplifica uma das mais importantes tendências para o mercado da solidariedade no Brasil: profissionalismo, transparência, estratégia e avaliação de impacto, velhos conhecidos do mundo empresarial, estão entrando na rotina das ONGs. Segundo Anna Peliano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que liderou o levantamento “Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil”, publicado em dezembro de 2012, percebe-se um aumento no número de trabalhadores formais, na qualificação e na remuneração. Das pessoas empregadas no setor, 33% possuem nível superior, enquanto nas demais instituições e empresas esse índice é de 16,6%”, diz.
A cruzada de Assange contra a internet
Foragido de uma prisão domiciliar e atualmente em asilo político, o ciberativista australiano Julian Assange acompanha no conforto da Embaixada do Equador, em Londres, mais uma polêmica na sua trajetória de fatos bombásticos: a repercussão de seu primeiro livro, “Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet” (Boitempo Editorial), que acaba de ser lançado no Brasil. Entre as inúmeras denúncias ao poder velado de governos e corporações no uso das ferramentas digitais, Assange não se vale de meias palavras: “A internet é uma ameaça à civilização humana”, escreve. A publicação é uma conversa entre o fundador do WikiLeaks (o site que tornou públicos documentos secretos da administração de vários países) e outros três defensores dos direitos de anonimato na rede. O assunto dominante é a vigilância sobre toda ação online, como se uma guerra estivesse em curso. Episódios usados para comprovar a tese não faltam. Eles lembram, por exemplo, a estratégia da defesa americana em usar um vírus de computador batizado de Stuxnet para atrasar o programa nuclear iraniano. Ou a aparentemente inofensiva competição chamada Spawar, criada com o apoio da Marinha dos EUA para adestrar jovens estudantes contra ataques cibernéticos – obviamente, de olho nos garotos mais bem-sucedidos. Os cypherpunks (punks de escrita cifrada) a que se refere Assange – e com os quais ele debate no livro – são integrantes de um grupo que defende a criptografia de dados (codificação de informações pessoais, de forma a garantir a privacidade) e que ficou famoso durante a Primavera Árabe, quando o uso da internet nos países em conflito foi censurado. A perseguição ao WikiLeaks se enquadraria no mesmo movimento global de censura e vigilância.
Carta Capital
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