A comissão parlamentar mista de inquérito formada por senadores e deputados federais para investigar os crimes centrados nas atividades do Carlinhos Cachoeira (CPI do Cachoeira) terminou sem nenhum indiciamento! É claro que o Congresso Nacional ficou em último lugar na pesquisa Ibope de dezembro de 2012 (35 pontos, 19 abaixo do STF – O Estado de S. Paulo de 24.12.12, página A4).
Descobriu-se que havia muita areia (suja) para o caminhãozinho da impotente comissão de investigação: muitos políticos envolvidos, muitos governadores, ministros, construtoras, incontáveis agentes do serviço público, juízes etc. Um dos crimes organizados mais potentes de toda história do país.
A CPI do Cachoeira, no plano legislativo, virou água, aliás, jorrou água pelos ladrões. Digo no plano legislativo porque todos os documentos foram encaminhados ao Ministério Público, que deve prosseguir nas investigações. Para entender o ridículo resultado (legislativo) da CPI é preciso saber como funciona o crime organizado, especialmente no Brasil.
O grupo dos poderes privados se caracteriza pela agressividade e violência, visto que apelam para ações armadas, como ocorre no Rio de Janeiro com o Comando Vermelho ou em São Paulo com o PCC. O grupo dos poderes econômicos (Cachoeira constitui um exemplo) tem matriz mafiosa, se infiltra no aparelho do Estado e investe mais em corrupção de agentes públicos do que em atos de violência para realizar seus negócios e ampliar cada vez mais seu poder. O terceiro grupo constitui uma forma de crime organizado que originalmente já nasce dentro dos poderes públicos (é o caso Rosemary, por exemplo).
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Este último, o mais infame de todos, porque envolve crimes contra a humanidade, torturas, desaparecimentos forçados, sequestros, guerra e, sobretudo, corrupção (desvio do dinheiro público).
O crime organizado, qualquer que seja sua estruturação, é muito poderoso e, ademais, chega a atentar contra as raízes do Estado e da democracia, colocando em risco a possibilidade de uma salutar convivência social. Esse é o caso hoje, por exemplo, do México, Honduras, El Salvador e Guatemala.
Ele afeta o funcionamento normal das nossas sociedades. A América Central e alguns territórios brasileiros vivem diariamente esse drama, em razão, sobretudo, das ligações entre o crime organizado com as autoridades públicas, bem como com a criminalidade ordinária.
Há sempre uma interação entre o poder privado e o poder público, em maior ou menos intensidade. O PCC, por exemplo, também se infiltra no poder público, porém, em níveis mais baixos. Nisso ele se distingue dos grupos econômicos fortes (Carlinhos Cachoeira, por exemplo), que contam com raízes profundas no poder público, envolvendo políticos, juízes, fiscais, policiais etc.
A força desses grupos privados, frente ao poder público (frente ao Estado, sua estrutura, seus agentes), é centrípeta. Vai de fora para dentro. Mas existe uma diferença entre eles: o primeiro grupo é primordialmente “paralelo” em relação ao Estado, enquanto o segundo é “transversal”. O primeiro poderia (teoricamente) existir sem a participação de agentes do poder público, já o segundo não. O primeiro é tendencialmente violento, o segundo é eminentemente fraudulento. Busca a pilhagem do dinheiro público.
O terceiro setor (do crime organizado) nasce dentro do poder público e vai buscando laços com o mundo econômico ou privado. Sua força é centrífuga (ou seja: vai de dentro para fora), tendo como referência o Estado, sua organização, sua estrutura. Raramente se vale da violência para alcançar seus objetivos. A fraude (o surrupiamento do dinheiro público) é da sua essência. Não se trata de um crime organizado nem “paralelo” nem “transversal”, sim, nasce e cresce dentro do próprio Estado, é eminentemente “estatal” (produto abjeto do próprio Estado).
De uma maneira mais intensa ou menos intensa, o crime organizado sempre passa pelo poder público. Os poderes políticos (Executivo e Legislativo), desde logo, são os mais vulneráveis. Essa mesclagem do crime organizado com o poder político é que explica o pouco sucesso das CPIs ou, pelo menos, da CPI do Cachoeira.
Por isso defendo a seguinte mudança constitucional: toda e qualquer prova, assim que obtida pela CPI, deve ser encaminhada a um membro do Ministério Público, previamente designado pelo procurador-geral, que já iria tomando outras providências concretas, inclusive judiciais, quando for o caso, para dar efetividade a tudo quanto é apurado. O Ministério Público deveria funcionar paralelamente à CPI. Quando terminados os trabalhos desta, prontamente já haveria acusações formais, desde que existissem elementos probatórios suficientes.
* Luiz Flávio Gomes, 55, jurista, professor e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Blog: professorlfg.com.br
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