Virgílio: crescimento medíocre enjaulou governo de Dilma
Congresso em Foco – A questão dos royalties fraturou o pacto federativo? Como o senhor classifica o atual modelo de distribuição?
Arthur Virgílio Neto – A questão do petróleo tem de ter uma solução, a meu ver, intermediária, que privilegie mais os estados produtores, mas que seja justa com os não produtores, que também colaboraram para a grandeza da Petrobras e financiaram a exploração do petróleo até aqui. E que vão financiar a exploração do pré-sal.
O governo foi omisso nas negociações?
É preciso realmente levar a sério a questão do pacto federativo. Há muitos recursos nas mãos da União e, por outro lado, percebemos que o governo vira, mexe e remexe e não consegue impulsionar o desenvolvimento econômico. Ou seja, é preciso que ele – acima de partidos, de preferências – se abra para os bons projetos de governadores e prefeitos de modo a desentocar dinheiro que existe nos ministérios, porque essa é a fórmula correta de se recuperar o crescimento econômico.
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Então os erros vêm da equipe econômica…
As medidas do ministro Mantega são paliativas, algumas são nocivas. Essas isenções seguidas de IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] mexem com as pequenas prefeituras, complicam a situação municipal, não ajudam no crescimento econômico que poderia nascer dos municípios. Eu vejo o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] perder um pouco o controle das coisas. Depois de tudo o que o Brasil fez… Os juros caíram, e eram os juros mais altos que criavam a figura do baixo crescimento econômico. E aí? Menos de 1% de crescimento neste ano. O que queriam mais? O crédito se esgotou, o modelo está esgotado.
Qual seria o modelo ideal?
Há dez, 12 anos não fazemos reformas estruturais, e o Brasil não pode prescindir de reformas estruturais. Sem elas, o crescimento será sempre voo de galinha. Portanto, o apelo que eu faço ao governo federal é que ele perceba, visualize, observe que uma forma mais simples, justa de se buscar melhores taxas de crescimento econômico é a partir do desenvolvimento econômico que vem dos estados e municípios.
O governo vai encerrar o ano sem ter votado o orçamento, e também sem cumprir o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal para redefinir os critérios de divisão do Fundo de Participação dos Estados. Faltou comando do governo ou habilidade na articulação dos líderes do Congresso?
Eu não gostaria de julgar os líderes, porque estou muito afastado deles e, portanto, não estou podendo avaliar a atuação de cada um. O fato é que, há muito tempo, desde que o Brasil se estabilizou economicamente, não se vê o orçamento sendo votado fora do ano-base, e isso é um retrocesso, é muito ruim. Não sinaliza bem para o exterior, é sinal claro de crise – seja parlamentar, seja nas instituições econômicas. O Brasil precisa retomar o caminho dessa boa ortodoxia. Orçamento é para ser aprovado no ano-base, as soluções têm de ser discutidas amplamente, resolvidas a tempo. Agora, eu entendo que nós temos um vício de origem que tem de ser corrigido: seguidos governos, entre os quais aqueles de que eu fui líder e ministro, todos os que eu conheci, sempre foram avessos à votação de seus vetos.
Embora a Constituição tenha fixado prazo de 30 dias para a apreciação dessas matérias…
O processo parlamentar só se completa quando o veto presidencial é apreciado pelo Congresso. O que acontece? Via de regra, presidentes vetam e, depois, os vetos nunca são apreciados, fica prevalecendo como palavra final a palavra de quem preside a República, e não a do Congresso. Há 3 mil vetos aí acumulados. Fazer isso a toque de caixa, de afogadilho, sem examinar cada um me parece uma coisa absolutamente extemporânea. Mas o fato é que esses vetos têm de ser examinados. Eu sugeriria uma comissão para examiná-los. Algumas coisas não têm mais nem tempo de surtir efeito, de tão antigos que são os vetos. Mas há vetos polêmicos que têm se ser votados de verdade, porque o processo legislativo só se conclui com a palavra final ficando com o Parlamento. Hoje e sempre a palavra final tem ficado com o Executivo. O ministro Fux diz que tem de haver uma hierarquia cronológica para a análise de vetos, e ele não deixa de ter razão. É impossível, então, se pensar em votar algo tão fundamental para a própria harmonia do Congresso, porque há 3 mil vetos – a maioria deles, tolos hoje em dia, porque superados, caducos, envelhecidos.
É um mau presságio a gestão Dilma começar 2013 sem orçamento, reformas e essa desarmonia federativa? Como o senhor, sendo da oposição, vai lidar com o governo após tomar posse?
Eu vejo esse contexto como um dado contrário ao crescimento econômico, porque o duodécimo orçamentário limita. Vejo como um retrocesso, pela primeira vez desde a estabilidade econômica, termos um orçamento a ser votado fora do ano-base. Vejo como sinais ruins. O esforço que se fez a vida inteira foi para que não passássemos a ideia de país cucaracho – aquele país que não resolve, não valoriza o orçamento. Em qualquer país com democracia consolidada – a começar pela Inglaterra, que é a democracia mais antiga entre todos da tradição ocidental –, a coisa mais importante é o orçamento. Tanto que eles dizem lá: “Vote o orçamento e volte para casa, não precisa fazer mais nada”. Não votar o orçamento possibilita jogos, chantagem, enfim, que interesses menores entrem em cena.
A chamada politicagem…
Volto a dizer: se a presidente quer sair desse crescimento medíocre em que está enjaulado o governo dela, tem três caminhos a fazer: um, estrutural, muito claro, é promover um novo pacto federativo ainda no governo dela. O segundo: retomar as reformas estruturais, e eu digo a ela como quem já viveu esse processo por dentro – tira votos, traz antipatias, mas alavanca o crescimento do Brasil. E o terceiro: simplesmente pegar toda essa massa de dinheiro que está entocada, enfurnada nos ministérios e liberar os recursos para prefeituras e governos de estado que tenham projetos hábeis. Não perguntando se é do partido do fulano, do partido da beltrana. Simplesmente entendo que, mais do que as medidas paliativas do ministro Mantega, muitas delas nocivas à economia brasileira, o que vai impulsionar o crescimento econômico é termos as prefeituras trabalhando a pleno vapor, e não massacradas, e termos os governos de estados também a pleno vapor, e não restringidos.
Como colega de partido do senador Aécio Neves, o principal adversário do projeto de reeleição petista em 2014, como será seu relacionamento como o Planalto agora como prefeito?
De minha parte, será a melhor relação possível. Eu tenho conversado com ministros do governo, e vejo neles disposição de ajudar. As prefeituras estão sem projetos, e nós estamos cuidando de apresentar projetos. Não vai ser por falta de projetos que não vão liberar recursos para Manaus. Vamos trabalhar sem preconceito algum, entendendo que, numa ditadura, se pune o povo. Numa democracia não se pune o povo – o povo elege quem quer. Em Manaus, decidiu me eleger. Então, creio que minha obrigação seja trabalhar e honrar os compromissos, bem como é obrigação do governo federal ajudar no meu trabalho, para que eu cumpra meus compromissos. O nome disso é republicanismo.
Mudando de assunto. Seu pai foi homenageado há pouco com a devolução simbólica do mandato de senador. À parte a valorização da memória, o Brasil ainda deve muito à verdade histórica?
Eu sou muito cauteloso em relação a possíveis exageros que possam ser cometidos. Quem tem parentes assassinados e quer localizar os ossos de seus parentes… O Estado brasileiro deve facilitar tudo para que esse encontro triste, lamentável, mas emocionante, aconteça. Para minha família, é muito importante esse reconhecimento. Minha mãe foi indenizada, mas ela não queria. Eu sou contra as indenizações milionárias do governo Lula, porque parece que fizeram uma poupança cívica. Eu enfrentei uma ditadura, meu pai enfrentou – ele não fez uma “poupança”, ele sabia dos riscos que eram enfrentar uma ditadura. Eu também sabia, e fui preso, passei tempos fora do país. Então, aquela coisa simbólica de R$ 80 mil que minha família recebeu não era para resolver a vida de ninguém, não era para comprar um triplex não sei onde. Era para dizer que o Estado brasileiro reconhece que foi praticada uma arbitrariedade contra o senador Arthur Virgílio Filho, meu pai. Isso era o bastante.
A Comissão da Verdade, por exemplo, está trabalhando. O resgate dessa memória tem sido satisfatório?
Avançou-se bastante no governo Fernando Henrique no sentido da ampliação da anistia. Exageros foram cometidos. Espero que a Comissão da Verdade não cometa exageros reabrir uma ferida. O Exército hoje é outro, a Marinha é outra, a Aeronáutica é outra. Aqueles que praticaram exageros ou fizeram luta armada contra o regime se reciclaram. Estão muito velhos os que puniram com torturas, com covardia brutal, e também estão muito velhos os que enfrentaram a luta com ou sem arma na mão.
Mas muitos não esquecem…
Para ilustrar: eu fui a uma reunião de amigos amazonenses no Clube Militar, era uma espécie de evento de fim de ano. Eu era ministro de Estado àquela época [secretário-geral da Presidência, entre 2001 e 2002, no governo Fernando Henrique]. Ao final de tudo, me apresentaram ao presidente do Clube Militar, general Hélio Ibiapina [morto em 2010], que na época era coronel em Recife. Fora ele que amarrara [o comunista histórico] Gregório Bezerra numa corda e o arrastara feito um animal por Recife. Eu fiquei impressionado: a truculência dele não correspondia sequer ao tamanho físico, era uma figura muito baixa, franzina. Ele, muito idoso, beirando os 90 anos, quando o presidente da Associação dos Amazonenses me apresentou, eu estendi as mãos para cumprimentá-lo e ele recolheu as mãos. Na hora fiquei surpreso, e pensei: não fui líder estudantil em Recife, fui no Rio de Janeiro. Foi onde aprontei. Pensei: “Será que ele perdeu tanto a noção das coisas, está tão idoso, que está me confundindo com meu pai?”. Então, ele já morreu, outros estão idosos… Mexer nisso para quê? Eu sou contra esse sentimento, não tenho o menor ódio no coração, o menor rancor. O que eu quero é que todos esses fatos sirvam para consolidar a ideia de ditadura nunca mais, e democracia cada vez mais.
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