Aprovada a toque de caixa pelos plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a PEC 186/2019, conhecida como PEC Emergencial, já foi promulgada pelo presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), junto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Desde segunda-feira, a Constituição está reescrita para destinar uma série de travas e gatilhos para gastos no orçamento público da União, de estados e municípios.
Entre todas as mudanças impostas pela Emenda Constitucional nº 109, há uma capaz de travar todo o funcionamento do setor público e reverter décadas de um funcionalismo atuante em prol da sociedade brasileira: o novo artigo 167-A da Constituição passa a garantir uma série de impedimentos caso estados e municípios comprometam mais de 95% das suas receitas com despesas.
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Poderão ser vedadas, a partir de agora, concessão de vantagens, criação de cargos ou mesmo a criação de novas vagas mediante concurso. Despesas obrigatórias, auxílios e isenções tributárias são medidas que passam a ser facultadas quando se alcança este patamar de endividamento.
O artigo 167-G aponta que a União deverá adotar esse mesmo regime de austeridade enquanto perdurar o estado de calamidade provocado pela pandemia de covid-19. Na prática, isso significa que concursos, bonificações e promoções em todo o serviço federal ficam paralisados até que o país consiga, finalmente, sair do cenário de convulsão causado pelo coronavírus.
A notícia atinge atividades realizadas por agências reguladoras, que são o braço do Estado brasileiro criado para garantir o bom funcionamento de serviços essenciais ao funcionamento da sociedade. Cabe aos técnicos da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) garantir que este texto possa não ser lido no escuro, e à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) que este mesmo site possa ser aberto em celulares, nas ruas. Cinema, Saúde, Combustíveis – todos eles dependem do trabalho de milhares de servidores públicos que entraram na carreira pública com uma regra – e agora, abruptamente, terão de conviver com outra.
A UnaReg, que representa o interesse de mais 1.500 servidores de agências reguladoras no país, considera a aprovação do texto da emenda extremamente prejudicial ao Estado construído desde 1988 no Brasil. Tais limitações podem desincentivar o investimento em carreiras típicas de Estado, e prejudicam a qualidade do serviço público brasileiro.
PublicidadeO pior dos ciclos viciosos passa a se abater sobre o funcionalismo público com a edição desta emenda. Sem a natural recomposição de cargos promovidas por concursos públicos, a máquina pública –responsável por um número crescente de demandas– fica menor, e mais sobrecarregada.
Engana-se quem pensa que todo o funcionalismo público recebe gordos salários, ou que todos ali não estão cientes das grandes responsabilidades que envolvem sua função – estamos falando, em sua maioria, de funcionários com altíssimo grau de instrução, na área em que atuam. Com tal expertise, e um ambiente cada vez mais insalubre em suas agências reguladoras (e, por que não dizer, em outros postos das três esferas de poder), fica mais fácil para que estes servidores sejam aliciados pelo poder privado, indo servir justamente aqueles que seriam por eles fiscalizados e regulados. Um ganho duplo para o setor privado deixa um preocupante vácuo para o Brasil.
É preciso manter o funcionamento saudável e operante das agências reguladoras, como um braço do setor público responsável justamente por manter bens e serviços atrativos para consumidores e investidores. A Emenda agora aprovada traz uma piora nesse desequilíbrio – e ninguém sai ganhando deste jogo.