Renata Villela*
A chegada da internet e sua popularização como meio de comunicação e trabalho em todo o mundo fez com que até as instituições mais antigas da humanidade tivessem que se adequar aos novos tempos. E não se trata apenas de aprender a utilizar as novas ferramentas, mas de discutir os temas mais importantes ligados à atualidade.
O mestre em Ciência Política pela UnB e membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CJPB) – órgão que integra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) -, Daniel Seidel, é um dos que analisam as novas tecnologias pelo prisma do catolicismo e foi um dos articuladores do apoio da CNBB à Campanha Salve Seus Dados .
Na entrevista abaixo, Daniel expõe os motivos que o levaram a trabalhar para que a entidade católica se integrasse à campanha, e as preocupações que norteiam a igreja na seara da tecnologia e dos dados pessoais.
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Salve Seus Dados: Dataprev e Serpro guardam dados relevantes para definição de políticas públicas do Estado brasileiro. A CBJP, organismo da CNBB, enxerga que, sob gestão privada, poderia trazer como consequência a injustiça social, como por exemplo discriminar pessoas a vagas de emprego a partir do seu histórico médico ou de afastamento laboral do trabalho?
PublicidadeDaniel Seidel – Estamos vivendo numa Sociedade da Informação, onde o nível de manipulação e utilização de dados para confeccionar combinações são corriqueiras no cotidiano para obtenção de lucros e vantagens. Este princípio que move muitos interesses privados não pode realizar a gestão dos dados oficiais dos cidadãos e cidadãs brasileiras. É uma questão de soberania nacional! A CBJP realiza a defesa de que as informações obtidas para o interesse público precisam servir para o desenho de políticas cada vez mais arrojadas para o enfrentamento dos grandes desafios nacionais: redução da desigualdade social, provimento alimentar, políticas de geração de emprego e renda e nunca para ampliar as desigualdades e as discriminações.
Salve Seus Dados: Apesar do Brasil ser um país laico, conforme a Constituição Federal, existem episódios de intolerância religiosa. A opção religiosa é uma informação do cidadão no censo do IBGE, que é conceituada como dado sensível pela Lei Geral de Proteção de Dados. Como o senhor avalia os riscos desses dados sendo expostos?
Daniel Seidel – No Brasil atual temos muitas manifestações de ódio e intolerância, principalmente contra as religiões de matriz africana. O sigilo pelo qual se resguarda a opção religiosa foi fruto de muito debate na Lei Geral de Proteção de Dados, justamente porque pode ser utilizada para perseguir ou submeter a um proselitismo religioso, setores da população vulneráveis, reprimindo a liberdade religiosa, ou condicionando o acesso a oportunidades a partir dessa referência. Por isso, creio que corre-se grande risco de utilização nefasta dessas informações se houver a privatização de sua gestão e guarda.
Salve Seus Dados: De acordo com Edwin Black no livro Nazi Nexus (“O nexo nazista”) o regime nazista, em parceria com a IBM, empresa privada americana, pôde acelerar o Holocausto. O fato da opção religiosa constar no censo demográfico foi uma das informações que permitiram a identificação e perseguição de judeus. A CBJP concorda que a neutralidade da gestão das informações pessoais dos cidadãos brasileiros somente é possível com Serpro e Dataprev?
Daniel Seidel – A CBJP acredita que deve haver controle social sobre o Estado e, principalmente, sobre as Empresas Públicas para que se possa garantir a neutralidade da gestão das informações dos cidadãos e cidadãs brasileiros. O Serpro e a Dataprev já deram demonstração, enquanto empresas públicas, de seu nível de credibilidade. Essa deve ser uma busca permanente, ainda mais agora que muitas autoridades no Brasil não disfarçam sua identidade com os princípios e discursos nazifascistas. Por isso, dizer não à privatização do Serpro e da Dataprev, é dizer sim a nossa soberania nacional!
Salve Seus Dados: Como anda a adequação da igreja católica no Brasil à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ?
Daniel Seidel – A CNBB ofertou formação específica aos setores que atuam com a guarda e utilização de informações de todas as suas instâncias Regionais e Diocesanas, além de promover as adaptações necessárias para a guarda e utilização cuidadosa das informações que têm acesso. Estas instâncias estão realizando as adaptações necessárias e cuidando do repasse para as paróquias, comunidades, organismos, pastorais, movimentos e equipes da Igreja.
Salve Seus Dados: Como é a atuação da CNBB junto aos grupos mais vulneráveis no que diz respeito à dificuldade que eles têm de comprovar direitos por falta de documentos de identidade e propriedade?
Daniel Seidel – A Igreja Católica no Brasil por meio das Pastorais Sociais e Instituições Beneficentes, marcadamente a Pastoral do Povo de Rua, Pastoral do Menor, Pastoral da Mulher Marginalizada, Pastoral Carcerária, Pastoral da Criança, e nos atendimentos realizados pelas Instituições católicas além da acolhida e atendimento às necessidades urgentes e imediatas das pessoas e famílias vulneráveis, incentiva o ingresso e assistência por meio das políticas públicas. Em muitos casos a comprovação para esse ingresso se dá como referência a credibilidade dessas ações organizadas e, sendo o caso, ocorre a orientação para ingresso, via defensoria pública para obtenção de nova documentação.
Salve Seus Dados: Ainda em relação à identidade civil, há o exemplo da Índia, em que pessoas ficaram de fora de programas sociais de acesso à alimentação básica porque não puderam comprovar a sua identidade. Como a CBJP avalia o trabalho da Dataprev que conseguiu processar em tempo recorde as bases de dados com informações sociais, possibilitando à Caixa o pagamento do Auxílio Emergencial?
Daniel Seidel – O trabalho da Dataprev nesta situação do pagamento do Auxílio Emergencial, na opinião da CBJP, foi imprescindível e demonstrou a capacidade que essa empresa pública tem de atender, quando acionada, aos desafios que a realidade lhe impôs, como foi o caso desse período da pandemia da covid-19. Foi uma demonstração cabal de que a gestão das informações deve estar resguardada por interesses públicos, e neste caso, os funcionários e servidores públicos efetivos de carreira e concursados demonstraram o que a estabilidade e o investimento na formação de carreira públicas de estado são capazes de ofertar à sociedade em momentos críticos. Por isso, fizemos questão de lançar a Nota Pública sobre o tema no dia 28 de outubro, dia do Servidor e da Servidora Pública!
*Renata Vilela, especial para a campanha Salve Seus Dados
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