O funcionalismo brasileiro perdeu 100 mil servidores no período em que a população cresceu cerca de 30%. Nas últimas três décadas, a quantidade de funcionários públicos caiu de 710 mil para 610 mil. Ao mesmo tempo, a sociedade aumentou de 164 milhões para 211 milhões de pessoas. Proporcionalmente, isso significa que, 30 anos atrás, cada servidor atendia a 230 brasileiros. Atualmente, cada trabalhador é responsável por 345 pessoas: um aumento de 50% nesta proporção.
Os dados são da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) que, juntamente com a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), contestaram números divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre os custos com o funcionalismo público. De acordo com as entidades sindicais, a CNI — ao usar informações equivocadas para dizer que o Brasil é o sétimo país entre os 70 que mais gastam com servidores — tentou criar uma falsa narrativa para fortalecer a proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro, em tramitação no Congresso Nacional por meio da Proposta de Emenda à Constituição 32/2020.
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“Uma PEC que tem o objetivo claro de acabar com os direitos e a estabilidade dos servidores, reduzir a atuação do Estado para facilitar as privatizações, aumentar os poderes do presidente da República e beneficiar os ‘amigos do rei’”, avalia o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto.
Sobre o documento divulgado pela CNI, nesta terça-feira (27), o secretário-geral da Condsef, Sérgio Ronaldo da Silva, afirma que a entidade industrial mostrou total desconhecimento sobre o funcionalismo brasileiro. “O próprio governo federal já reconheceu que o país está abaixo no percentual total de empregados do setor público”, aponta.
Segundo nota publicada pela Condsef, enquanto a média de servidores dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 21,1%, no Brasil a média é de 12,5% da população empregada pelo Estado.
De acordo com Sérgio Silva, o governo federal gasta atualmente 34% do orçamento líquido da União com servidores. Ele observa que a Lei de Responsabilidade Fiscal permite que esse gasto seja de até 50%.
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Já o estudo elaborado pelo Dieese para contestar a divulgação feita pela CNI diz que a média salarial divulgada pela confederação está errada e que, tirando exceções que se concentram principalmente em carreiras como a de magistrados e parlamentares, 93% do funcionalismo brasileiro está no Executivo e têm média salarial de R$ 4,2 mil.
Conforme o Dieese, a estatística citada no estudo da CNI — da base de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) — se limita a servidores públicos em atividade, não incluindo aposentados. O departamento acrescenta ainda que, além desse erro “grosseiro”, a CNI “desconsidera que os dados do FMI não são bem padronizados, distorcendo a comparação entre países”.
O Dieese também ressaltou que enquanto no Brasil as chamadas despesas intraorçamentárias (contribuição do governo aos regimes próprios de previdência) e a imputação contábil do déficit previdenciário inflam os gastos com pessoal apresentados ao FMI, na maior parte dos países da OCDE isso não acontece. “Sem as imputações, o gasto com servidores ativos no Brasil está no mesmo patamar que a média da OCDE”, informa o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.
No entendimento do presidente do Fonacate, Rudinei Marques, a CNI deveria “se preocupar com a retomada do dinamismo industrial” no país. “Atacar o serviço público não vai melhorar a situação da indústria brasileira”, avalia.
Reforma
Enviada ao Congresso no último dia 3 de setembro, a PEC 32/2020 poupa parlamentares, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, promotores e procuradores — categorias com maior remuneração e benefícios no serviço público. “Ou seja, os privilégios da elite do funcionalismo público não serão prejudicados”, reforça o presidente da Fenae.
Ao contrário do que afirma o governo, a reforma administrativa afetará também os atuais servidores públicos e os empregados das estatais. Exemplo disso é a demissão por mau desempenho, que já é estabelecida pela Constituição, mas ainda sem regulamentação por lei complementar. Conforme explica Sérgio Takemoto, uma lei ordinária passará a reger os critérios e procedimentos para demissão por desempenho insuficiente.
Em relação aos empregados de estatais, os acordos coletivos e convenções com objetivo de dar estabilidade ou evitar demissões infundadas não terão efeito. “A PEC também fixa várias proibições sobre direitos e vantagens, que serão aplicados a empregados e servidores, atuais e futuros; exceto se, para os atuais, esses direitos já estiverem previstos em lei. É neste sentido que a proposta de reforma afeta diretamente os empregados da Caixa Econômica Federal”, acrescenta Takemoto.
Segundo o presidente da Fenae, a proposta de reforma administrativa do governo não objetiva mais eficiência, aperfeiçoamento do modelo de Estado ou melhoria da qualidade dos serviços públicos. “Ela está, na verdade, concentrada na perseguição dos servidores públicos, destruindo direitos e acabando com a proteção constitucional que evita apadrinhamento político e perseguições ideológicas”, analisa Sérgio Takemoto.
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