O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido da Câmara e do Senado para a suspensão da venda de subsidiárias da Petrobras sem autorização do Congresso Nacional. Por seis votos a quatro, o Plenário do STF entendeu, nesta quinta-feira (1º), que a estatal pode continuar os planos de entrega, para o mercado, de oito refinarias que respondem por cerca da metade da capacidade de refino de petróleo no país.
O presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sérgio Takemoto, vê com preocupação a decisão do Supremo. “O governo tem mostrado que não vai parar com o projeto de privatização mesmo em uma crise econômica como esta que enfrentamos, quando o valor do patrimônio público é deteriorado”, afirma. “A presença do Estado é imprescindível para o enfrentamento da crise e a retomada da economia no período pós-pandemia. Mas, o Executivo continua usando subterfúgios para dividir as empresas e privatizá-las aos pedaços, como estão tentando fazer também com a Caixa”, reforça Takemoto.
A análise da Reclamação (Rcl 42576) ajuizada pelas Mesas da Câmara e do Senado contra a venda de ativos de subsidiárias da Petrobras começou com o voto do relator, ministro Edson Fachin, que manteve o mesmo posicionamento da primeira etapa do julgamento, no último dia 18. Na ocasião, outros dois ministros acompanharam o voto do relator: Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
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Na sessão desta quinta-feira, Lewandowski e Marco Aurélio mantiveram o voto pela procedência da liminar solicitada pelo Congresso, sendo acompanhados pela ministra Rosa Weber. Votaram contrários à medida cautelar para suspender a venda de subsidiárias da Petrobras, os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Segundo avaliação de Edson Fachin, é indispensável o aval do Legislativo. Ao defender seus argumentos, o relator novamente afirmou que a criação das subsidiárias está servindo apenas para a venda dos ativos da matriz. Mas, para a maioria dos ministros, as refinarias a serem privatizadas não retirariam da Petrobras a condição de acionista majoritária.
Já no entendimento da Câmara e do Senado, a Petrobras dribla determinação do próprio STF ao transformar as refinarias em subsidiárias para poder vendê-las posteriormente. Durante o julgamento, a defesa das duas Casas argumentou que a autorização legislativa para a constituição de subsidiárias “está vinculada ao cumprimento do objeto social da matriz”. Alegou, ainda, que “constitui desvio de finalidade e burla (…) normativa da Constituição e decisão da Corte a criação com o fim específico de alienação, porque submete à decisão exclusiva do Poder Executivo a redução, mas também o desmonte do patrimônio da empresa pública”.
Manobra
Em junho do ano passado, o Supremo estabeleceu que a venda das chamadas “estatais empresas-matrizes” só pode ser feita mediante lei aprovada pelo Congresso. Tal regra estabelecida pelo STF surgiu a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.624) movida pela Fenae e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), em novembro de 2016, contra processos de privatização de empresas públicas e venda de subsidiárias.
Na ADI 5.694, as entidades sindicais mostram que, a exemplo da Petrobras, o governo tenta privatizar também a Caixa Econômica a partir da venda de subsidiárias do banco — um subterfúgio para entregar a empresa pública à iniciativa privada sem autorização do Congresso e burlando tanto a Constituição como entendimento do próprio Supremo.
Com esta manobra, o governo tem promovido a constituição de subsidiárias a partir de desmembramentos de empresas-matrizes, com a finalidade de alienação do controle acionário. Prevendo que o governo seguiria pelo caminho do fatiamento das estatais por meio da venda de subsidiárias ou de parte das operações da “empresa-mãe”, a Fenae e a Contraf ingressaram no STF, em dezembro de 2019, com embargos de declaração para que fosse explicitado que o procedimento também é inconstitucional.
“Com esta brecha no entendimento do Supremo, o governo Bolsonaro passou a usar tal artifício para criar subsidiárias de atividades essenciais das estatais e depois vendê-las rápida e facilmente, atendendo aos interesses do mercado”, destaca o presidente da Fenae. “Está sendo assim com relação às refinarias da Petrobras. E também com a Caixa, por meio da Medida Provisória 995, que permite a criação e venda de subsidiárias da empresa para ir fatiando o banco, que é do país, dos brasileiros”, acrescenta Sérgio Takemoto.
Indícios de irregularidades
A inconstitucionalidade da Medida Provisória 995 — editada no último dia 7 de agosto e prorrogada hoje (2) por mais 60 dias para abrir caminho à venda da Caixa — e a utilização deste instrumento como manobra do governo para privatizar o banco (sem autorização do Congresso e desrespeitando, além da Constituição, o STF) chamou também a atenção de órgãos de controle do país. O subprocurador-geral do Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, entrou com uma representação para que o TCU apure os indícios de irregularidades no processo de venda da Caixa e de subsidiárias do banco.
O documento pede, em caráter cautelar, que a direção da estatal suspenda todos os atos relacionados à privatização até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão. Na representação, o subprocurador-geral pede ao TCU a adoção de medida cautelar para suspender os atos relacionados à privatização do banco público pelo receio de “ocorrer grave lesão ao interesse público e no risco de ineficácia de tardia decisão do mérito”.
No Supremo Tribunal Federal, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.624 ajuizada pela Fenae e a Contraf-CUT contra a privatização da Petrobras e de outras empresas públicas, tramitam mais duas ADIs questionando a MP 995 e a venda disfarçada de estatais, incluindo a Caixa Econômica. Em uma das ações, protocolada pela Contraf no último dia 31 de agosto, a Confederação pede a concessão imediata de cautelar para a suspensão dos efeitos da medida provisória e também solicita que o Supremo declare a inconstitucionalidade da MP.
No dia 13 de agosto, seis partidos de oposição ao governo Bolsonaro — PT, Psol, PCdoB, PDT, Rede e PSB — entraram com ADI no STF contra a Medida Provisória 995. Na ação, os partidos também pedem a concessão de liminar para suspender os efeitos da MP.
Congresso
Além das ações ajuizadas no Supremo, tramitam no Congresso Nacional propostas legislativas contrárias a privatizações de empresas públicas. Uma delas é o Projeto de Lei 4.269/2020. Segundo o PL, privatizar estatais sem autorização do Congresso passa ser ato tipificado como crime, com pena de 10 a 16 anos de reclusão e multa.
Proposto pelos deputados Erika Kokay (PT-DF) e Frei Anastacio Ribeiro (PT-PB), o PL acrescenta o artigo 94-A na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). “Constitui crime contra o patrimônio público realizar atos com o objetivo de desestatizar sem autorização legislativa, parcial ou totalmente, empresa pública ou sociedade de economia mista, inclusive por meio de alienação de ativos transferidos para subsidiárias com este objetivo”. O projeto também proíbe a aquisição, cessão e alienação de carteiras de bancos federais, sem licitação.
Na justificativa ao PL 4.269, os deputados citam as recentes propostas de venda de ativos de bancos federais — a exemplo da Caixa — e ainda alertam sobre as irregularidades da MP 995.
Outra medida contra a privatização da Caixa é o Projeto de Lei 2.715/2020, que suspende as privatizações até 2022. Como afirma o deputado Enio Verri (PT-PR), um dos autores do PL, “o governo está esquartejando a Petrobras para vender os seus pedaços e agora quer fazer o mesmo com a Caixa”.
Privatização rejeitada
Enquanto o governo Bolsonaro usa subterfúgios para privatizar também a Caixa Econômica, os brasileiros se posicionam contra a venda do banco público. Em uma pesquisa realizada pela revista Exame, em parceria com o Ideia — instituto especializado em opinião pública — 49% dos entrevistados disseram ser contra a privatização da Caixa, enquanto 22% declararam ser a favor, 19% ficaram neutros e 9% não souberam opinar. O levantamento, divulgado no último dia 10, foi feito com 1.235 pessoas, por telefone, em todas as regiões do país, entre os dias 24 e 31 de agosto.
Em outra pesquisa, desta vez realizada pela revista Fórum entre os dias 14 e 17 de julho, 60,6% dos participantes se posicionaram contrários à privatização do banco público. A revista ouviu a opinião de mil brasileiros sobre a venda de estatais. A empresa que teve a maior rejeição social à privatização foi a Caixa.
Um total de 412 emendas à Medida Provisória 995 foram apresentadas por deputados e senadores; mais de uma dezena delas, sugeridas pela Fenae. Além disso, 286 parlamentares e entidades da sociedade civil assinam Manifesto da Federação contra a MP e a privatização da Caixa.
Ato pela soberania
Neste sábado (3), dia em que a Petrobras completa 67 anos, trabalhadores farão mobilizações em defesa de bancos e empresas públicas de diferentes setores, ameaçados de privatização total ou parcial. “O que afetará a vida da população e a sustentabilidade do país”, afirma o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto.
O ato — com ações presenciais e virtuais — é coordenado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), com o apoio de mais de 50 entidades sindicais. Artistas, parlamentares e representantes da sociedade civil que formam o Comitê de Luta em Defesa do Povo Brasileiro e assinam o “Manifesto pela Soberania” também participam das mobilizações.
“Os momentos de crescimento em nosso país foram estimulados pelas estatais e pelos bancos públicos, porque se é público é para todos”, ressalta o presidente da CUT, Sérgio Nobre. “Vamos mostrar, através dessa campanha, como as estatais e os serviços públicos chegam à casa dos cidadãos”, acrescenta.
Loterias
O Supremo Tribunal Federal ainda decidiu, nesta semana, que a exploração de loterias não é exclusividade da União. Com isso, os estados também poderão gerenciar atividades lotéricas. Para a Fenae, a decisão pode abrir caminho para a privatização do serviço, o que impactará nos investimentos públicos em áreas sociais estratégicas para o país.
Sérgio Takemoto observa que a entrega das loterias para o setor privado está na mira da direção da Caixa e do governo, assim como a Caixa Seguridade, o setor de Cartões, a área de Gestão de Ativos e até o futuro Banco Digital que está sendo estruturado a partir do pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios à população. Em outubro do ano passado, a Loteria Instantânea (Lotex), que era operada pela Caixa Econômica, foi vendida a um consórcio ítalo-americano por valor mínimo.
No último mês de agosto, o governo editou o Decreto 10.467, que institui a criação de nova modalidade de loteria administrada pelo setor privado. “Existe uma cobiça pelas loterias. Mas, o mais importante, que não sendo está considerado nesse processo, é o papel social que elas têm. Os recursos arrecadados pelas loterias da Caixa são fonte importante para o desenvolvimento do país”, ressalta o presidente da Fenae.
Conforme pontua Takemoto, as loterias arrecadaram R$ 16,7 bilhões, em 2019. Deste total, cerca de R$ 6,2 bi foram transferidos para programas sociais nas áreas de saúde, educação, seguridade social, esporte, cultura e segurança pública. Este valor corresponde a um repasse de quase 40% dos recursos arrecadados com as loterias. Só para o Fies (Financiamento Estudantil), foram repassados R$ 186,7 milhões, de janeiro a julho deste ano.
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