Apesar de passar os primeiros meses de 2018 postergando pendências e projetos de interesse do governo, os congressistas tiveram de correr e se mobilizar nas últimas semanas para aprovar algumas matérias antes do recesso do meio do ano.
Os parlamentares impuseram mais derrotas do que concederam vitórias ao governo durante os primeiros quatro meses em que o Senado e a Câmara funcionaram em 2018. Alguns projetos só desencalharam por circunstâncias alheias às vontades do Congresso, como a reoneração da folha de pagamento, que entrou nas negociações para encerrar a paralisação dos caminhoneiros.
A impossibilidade de votar Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a obstrução da oposição contra a prisão do ex-presidente Lula, a corrida eleitoral, a Copa do Mundo e as festas juninas foram algumas das “pedras” no caminho das propostas legislativas durante o primeiro semestre do ano. O ritmo do Congresso foi bem reduzido, apesar de um impulso final nas últimas semanas.
Mesmo antes de o ano engrenar no Congresso, o governo encarou a primeira derrota com a reforma da Previdência. Sem maioria suficiente para aprovar a proposta, que se arrastou por um ano e foi retalhada durante as negociações, a medida naufragou.
Logo após a intervenção no Rio de Janeiro – que impede a tramitação de PECs –, o governo de Michel Temer (MDB) elencou alguns projetos econômicos para serem pauta prioritária, o que gerou mais um atrito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A apresentação de 15 projetos escolhidos pela equipe do governo irritou o presidente da Câmara, que afirmou que a lista não trazia novidades e era um “café velho e frio”.“A pauta da Câmara é a da Câmara. Os projetos já estão na Câmara. Se o governo quer uma pauta econômica nova, que apresente uma pauta econômica nova. As que estão aqui, o tempo de discussão e de votação é da presidência da Câmara e depois da presidência do Senado”, reclamou Maia à época.
Foram 15 projetos destacados e apresentados pela equipe do governo. Contudo, menos de um terço deles foi à votação em pelo menos uma das Casas legislativas. Mesmo assim, das quatro que passaram por votação, uma ainda não foi concluída – a do cadastro positivo, que ainda tem destaques a serem analisados –, e outra, da renegação da folha, só desencalhou ao entrar na negociação para encerrar a paralisação dos caminhoneiros.
Em maio, quando estourou a greve dos motoristas de caminhão, o governo e os congressistas foram pressionados a votar matérias para pôr fim à paralisação, que durou 11 dias e causou crise no desabastecimento de alimentos em mercados e combustíveis nos postos.
No calcanhar desta crise, o governo enfrentou outra derrota: a MP que previa a privatização da Eletrobras não teve apoio no Congresso e acabou caducando. Em contraponto, o governo conseguiu levar a proposta principal da MP – que era a venda de seis distribuidoras da estatal – para um projeto de lei que foi aprovado pela Câmara nos últimos dias do primeiro semestre. A matéria, contudo, ainda precisa passar pelo Senado.
Apesar de algumas propostas mais espinhosas terem tido andamento, o Congresso tentou evitar enfrentar assuntos mais polêmicos em ano eleitoral, quando a maioria esmagadora dos deputados e dos senadores tentarão se reeleger ou concorrer a outros cargos.
O Congresso em Foco lista e explica 19 projetos importantes votados no primeiro semestre deste ano.
- Renegociação das dívidas de estados com a União
A Medida Provisória 801/17, aprovada em 27 de fevereiro, dispensa os estados de uma série de exigências para renegociar suas dívidas com a União. No dia seguinte, 28 de fevereiro, foi aprovada no Senado. A nova lei elimina alguns requisitos exigidos pelos entes federados para refinanciar débitos com a União, facilitando a adesão deles ao programa de renegociação de dívidas com o governo federal.
- Aumento de pena por roubo com explosivos
Também em fevereiro foi aprovado na Câmara o Projeto de Lei 9160/17, do Senado, que aumenta as penas para furto ou roubo com uso de explosivos e estabelece a pena máxima caso o roubo resulte em lesão corporal grave. Devido a mudanças no texto, a matéria retornou ao Senado para nova votação, em 27 de março. O texto foi sancionado em 23 de abril. O projeto foi aprovado com acréscimos sobre inutilização de cédulas de caixa eletrônico se houver arrombamento. No caso do furto, cuja pena geral é de reclusão de um a quatro anos, o crime de empregar explosivos ou de furtá-los passa a ser punido com quatro a dez anos de prisão.
- Regulamentação de aplicativos de transporte
Após uma extensa batalha entre taxistas e motoristas de transportes por aplicativos, como Uber, Cabify e 99, a Câmara aprovou, em 28 de fevereiro, o Projeto de Lei (PL) 5587/16, que regulamenta os serviços de transporte privado com aplicativos. A lei foi sancionada em 27 de março. Os deputados mantiveram duas alterações feitas pelo Senado, excluindo do texto final a necessidade de autorização prévia emitida pelo poder público municipal para o motorista de aplicativo nos municípios em que houver regulamentação. Além disso, prevaleceu a mudança que retirou a obrigatoriedade de o motorista do aplicativo ser o proprietário, fiduciante ou arrendatário do veículo, assim como de usar placa vermelha.
- Medidas de proteção à mulher
Em março, para marcar o Dia Internacional da Mulher, os congressistas apreciaram um pacote de propostas que atendem a reivindicações do movimento feminista. Foram aprovados seis projetos na Câmara, com destaque para o que aumenta penas por crime de estupro e pune assédio em transporte público. No Senado, outros três: um que torna crime o descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, outro que atribui à Polícia Federal investigações sobre mensagens misóginas (propagação de ódio ou aversão às mulheres) pela internet e um terceiro que criminaliza a chamada “vingança pornográca”.
- Cadastro positivo
Há dois meses pendente na pauta da Câmara – uma vez que apenas o texto-base foi aprovado, restando à Casa ainda analisar os destaques – o projeto já tinha passado mais de um mês tramitando com urgência constitucional. Em 9 de maio, a base do governo conseguiu, por pouco, superar a obstrução oposicionista, aprovando o texto principal do Projeto de Lei Complementar (PLP) 441/2017, de autoria do Senado, que torna obrigatória a participação de todos os consumidores no cadastro positivo. De interesse do governo, pois embute medida auxiliar na política de juros do Banco Central, o cadastro positivo passará a ser obrigatório. Pelo texto principal aprovado, gestores de bancos de dados em todo o país terão acesso irrestrito a informações sobre empréstimos quitados e compromissos de pagamento em dia. O cadastro será gerenciado por bancos de dados que, entre outras incumbências, passarão a atribuir notas aos consumidores segundo o “histórico de bom pagador” de cada um deles.
- Sistema Único de Segurança Pública
Na esteira do decreto de intervenção no Rio de Janeiro, o Executivo enviou ao Congresso a proposta que tem o objetivo de integrar as forças de segurança pública no país, como as polícias federal e estaduais, as secretarias de segurança e as guardas municipais. O projeto foi aprovado em 11 de abril na Câmara e em 16 de maio no Senado. Foi sancionada por Temer em 11 de junho e já está valendo.
- Reoneração da folha de pagamento
Aprovada na Câmara no dia 23 de maio e no Senado na semana seguinte, no dia 29, a reoneração da folha de pagamento só desencalhou da pauta da Câmara ao ser incluída no acordo para encerrar a greve dos caminhoneiros. O texto foi aprovado pelos deputados com um dispositivo que isentava a cobrança do PIS/Cofins sobre o óleo diesel até o fim deste ano. Contudo, o impacto orçamentário seria maior que o previsto pela Câmara. Ao sancionar a lei no dia 30 de maio, Temer vetou o trecho sobre o imposto e vetou ainda a reoneração de 11 dos 28 setores que teriam a carga tributária aumentada. A lei sancionada estabelece que 17 dos 56 setores atualmente contemplados sejam reonerados já neste ano.
- Saques do PIS/Pasep (MP 813/2017)
A MP editada ainda em 2017 foi aprovada pelos deputados em 23 de maio e pelos senadores no dia 28 e permitiu que os titulares de contas do PIS/Pasep pudessem sacar os recursos do período anterior a 1988 que estavam em suas contas individuais até o último dia 29 de junho. A medida do governo reduziu de 70 para 60 anos a idade mínima para que os recursos fossem sacados após o prazo. O planejamento esperava que a mudança injetasse até R$ 33 bilhões na economia do país.
- Lei de proteção de dados
Aprovada em 30 de maio na Câmara dos Deputados, os senadores só aprovaram, por unanimidade, a matéria quarenta dias depois, em 10 de julho. O texto enviado para a sanção de Temer pode gerar judicialização, por entrar em conflito com o cadastro positivo. A lei aprovada cria um órgão regulador, vinculado ao Ministério da Justiça, e tem a intenção de dar aos cidadãos mais controle sobre suas informações pessoais. A lei exige consentimento explícito para acesso e utilização dos dados, dá alternativas para que o usuário visualize, retifique e exclua tais informações, proíbe o uso das informações pessoais com fins de discriminação ilícita ou abusiva (com multa diária de até R$ 50 milhões pelo descumprimento).
- Distrato
A proposta fazia parte da pauta econômica considerada prioritária pela equipe econômica do governo após a reforma da Previdência ter fracassado. Foi aprovada na Câmara em 6 de junho, mas ainda não foi ao plenário do Senado. Na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa, foi rejeitada. O projeto prevê multa de 50% do valor a receber pelo comprador na desistência do contrato de aquisição de imóvel na planta (distrato). As incorporadoras ou construtoras poderão, pelo texto do projeto, reter parte do valor que já foi pago. O percentual, entre 25% e 50% varia com o tipo de contrato. Aqueles no “regime de afetação” (quando o empreendimento tem patrimônio separado do da construtora) as empresas poderão reter metade do que já foi pago. O projeto prevê ainda que as empresas não terão de devolver o valor pago pela corretagem. A devolução terá de ser realizada em até 180 dias após o fim do contrato. Caso o atraso seja superior a seis meses e o comprador desistir do negócio nesse período, a incorporadora terá de devolver todo o valor já pago pelo comprador, além da multa prevista em contrato em até 12 parcelas.
- Ministério Extraordinário da Segurança Pública (MP 821/2018)
Editada em fevereiro por Temer, a medida provisória que criou o novo ministério foi aprovada pelos congressistas em junho (dia 13 na Câmara e 19 no Senado). Sancionada em 10 de julho, a lei que criou a pasta extraordinária, passou por modificações quando chegou à Câmara. Foi retirado do texto o trecho polêmico que previa o desmembramento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para a criação de outro instituto, o Instituto de Estudos Sobre Segurança Pública (Inesp). O ministério é comandado por Raul Jungmann e tem a função de coordenar a segurança pública de todo o país.
- Marco regulatório do transporte de cargas
Aprovado na Câmara em 20 de junho, a matéria foi uma das pinçadas dos arquivos da Câmara na esteira da greve dos caminhoneiros. O texto de Nelson Marquezelli (PTB-SP), relator do projeto, cria um vale-pedágio obrigatório, com mecanismo de pagamento automatizado, e também impõe inspeção de segurança veicular para todos os veículos de carga. Quanto mais velho for o veículo, mas vezes a vistoria terá que ser feita. O projeto que será analisado pelo Senado também permite a ausência de vínculo empregatício em subcontratações, ou seja, que os transportadores contratantes e o subcontratado tenham vínculo de natureza empresarial, sem relação de trabalho ou vínculo empregatício. O texto previa ainda a anistia das multas aplicadas aos motoristas durante a paralisação, mas o dispositivo foi retirado do texto e aprovado na MP da tabela mínima do frete – e ainda deverá ser alvo de veto do governo.
- Reinclusão de empresas no Supersimples
O projeto do deputado Jorginho Mello (PR-SC), presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas na Câmara, permitiu a readmissão de milhares de empresas no programa Simples Nacional, chamado de Supersimples. Para voltar ao regime, as empresas também precisam aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pert-SN), para refinanciarem suas dívidas. Os efeitos da reinclusão são retroativos até 1º de janeiro deste ano. Levantamento feito pelo Sebrae indica que havia, em 2017, 600 mil empresas em dívida com o Simples Nacional em um montante acumulado de R$ 21 bilhões. O cálculo de quanto o governo deve arrecadar (e também deixar de receber) com o parcelamento não foi divulgado. A proposta foi aprovada na Câmara em 26 de junho e no Senado em 10 de julho. Ainda precisa ser sancionada por Temer.
- Proibição a suspensão de leis por decisão monocrática do STF
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, na primeira semana de julho, um projeto que proíbe que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendam leis de maneira individual. Como tramitava de forma conclusiva na Casa, o projeto seguiu para o Senado. Se o projeto for aprovado também no Senado, os ministros do STF não poderão decidir de forma individual sobre dois tipos de ações que podem questionar leis no Supremo: as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). As ADIs e ADPFs passarão a ser decididas pelo pleno do Supremo e as leis questionadas só poderão ser suspensas pela maioria absoluta dos ministros.
- Autorização à Petrobras para vender campos do pré-sal
Uma das poucas vitórias do governo foi a aprovação, na Câmara para que a Petrobras possa vender até 70% dos campos do pré-sal na Bacia de Santos. A área, cedida à estatal em 2010 na modalidade de cessão onerosa (sem necessidade de licitação, mas com a obrigação, pela estatal, de arcar com o ônus da exploração da área). A estimativa é que os 70% dos campos rendam aproximadamente cinco bilhões de barris de petróleo. Para a oposição, a autorização para que a Petrobras venda a área é uma maneira que o governo encontrou para favorecer concorrentes estrangeiras da estatal. Para o governo, a petroleira estatal terá ajuda para explorar os derivados do petróleo com parcerias lucrativas. O Senado ainda precisa avaliar o projeto.
- Privatização das distribuidoras da Eletrobras
Outra das escassas vitórias governistas foi a aprovação, também na Câmara, do projeto que autoriza a privatização de seis distribuidoras da Eletrobras. O assunto já tinha sido objeto de uma MP, que acabou perdendo a validade, sem apoio do Congresso. No dia 10 de julho, os deputados concluíram a votação com poucas alterações ao texto-base. O projeto que ainda será debatido pelo Senado permite que sejam leiloadas distribuidoras da estatal no Amazonas, em Rondônia, no Acre, no Piauí, em Roraima e no Alagoas.
- Criação de cargos para gabinete da intervenção no Rio (MP 826/2018)
A medida provisória foi aprovada nos últimos dois dias de funcionamento do Congresso no primeiro semestre. A MP criou, oficialmente, o cargo de interventor federal no Rio de Janeiro na estrutura do Poder Executivo, além de outros 66 cargos e funções comissionados para o gabinete da intervenção. As funções criadas têm previsão de serem extintas entre 30 de abril e 30 de julho de 2019. O impacto orçamentário previsto é de aproximadamente R$ 11 milhões entre 2018 e 2019. O texto segue para a sanção de Temer.
- Reajuste salarial para agentes comunitários de saúde e combate às endemias (MP 827/2018)
A medida que regulamenta as funções e reajusta os salários dos agentes comunitários de saúde e combate às endemias foi uma das últimas matérias votadas antes do início do recesso. O texto estabelece reajuste de 52,86% do piso salarial dos agentes de saúde, escalonado em três anos. O relatório aprovado prevê que o piso, atualmente de R$ 1.014,00 passe para R$ 1.250,00 no ano que vem, equivalente a 23,27% de reajuste. Nos anos seguintes, o aumento passa para R$ 1.400,00 em 2020 (reajuste de 12%) e para R$ 1.550,00 em 2021 (reajuste de 10,71%). A jornada de trabalho também passa a ser mais flexível, dependendo das necessidades da região e do momento em que as tarefas são executadas. A lei ainda precisa ser sancionada por Temer.
- Tabela mínima do frete (MP 832/2018)
Pouco antes da sessão conjunta do Congresso para aprovar as últimas matérias do semestre, a Câmara e o Senado aprovaram, simbolicamente, a MP que permite que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estabeleça um valor mínimo para frete no transporte de cargas. A MP também é parte do pacote de medidas tomadas pelo governo para pôr fim à paralisação dos caminhoneiros, em maio. A matéria segue para a sanção de Temer, que firmou acordo para vetar o dispositivo que concede a anistia às multas aplicadas durante a paralisação. A MP não era consenso e foi alvo de críticas do agronegócio e por empresas de transporte de carga, sob a alegação de que a criação de um tabelamento do frete seria um desrespeito às regras de livre mercado. Agentes do agronegócio tentaram evitar que a MP fosse votada, afirmando que ela será prejudicial ao setor, implicando aumento de 12,1% nos principais alimentos da cesta básica. Entidades ligadas à área calculam que o país deixou de arrecadar mais de R$ 30 bilhões desde a aplicação do tabelamento de fretes no país.