Em 2012, foram assassinadas quase 57 mil pessoas (29 para cada 100 mil habitantes; acima de dez, a violência é considerada epidêmica, diz a OMS-ONU). É a maior taxa de genocídio massivo de toda nossa história moderna (na época da colonização, com a destruição adoidada dos negros e dos índios, podemos ter números maiores). A insegurança, consequentemente, aparece em muitas pesquisas como a primeira ou uma das mais relevantes preocupações do brasileiro (nas manifestações de junho de 2013 isso ficou muito claro). Diante desse quadro de epidemia crescente (uma verdadeira peste, como a narrada por Albert Camus), qualquer pessoa de bom senso imaginaria o seguinte: o governo e a sociedade estão inteiramente empenhados em erradicar esse mal, que está dizimando muitas vidas preciosas. Nada disso. Cuida-se de uma tragédia anunciada (previsível) e, em grande parte, evitável. Mas é a impoluta indiferença a que predomina, mesmo em se tratando de um problema de magnitude e seriedade indiscutíveis.
Ilona Szabo de Carvalho e Robert Muggah cuidaram do tema (O Globo, 17/6/14) e apontaram algumas causas da calamidade: (a) desmantelamento sistemático pelo governo federal do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), lançado no governo Lula (cortes orçamentários que resultaram em menos pesquisas e absoluta ausência de prevenção da violência); (b) abandono do plano de redução de homicídios anunciado por Dilma e apoio ao plano de fomento da indústria nacional de fabricação de armas (o Brasil se tornou um dos maiores exportadores de arma de fogo do Ocidente); (c) maciço investimento no sistema penitenciário, em detrimento das penas alternativas, mas não no sentido da reabilitação do preso e sim na construção de mais presídios (para atender o encarceramento massivo aloprado, sobretudo de criminosos não violentos); (d) ineficácia absoluta do programa Brasil Mais Seguro, que foi colocado em prática dentro do Plano Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça em 2012 (precisamente, o ano mais violento da nossa história moderna); (e) jogo de empurra-empurra (o governo federal joga a responsabilidade para os estaduais e estes para o federal); (f) ineficácia investigativa dos órgãos estatais (estima-se que apenas 8% dos homicídios são devidamente apurados no Brasil); (g) ausência de reformas estruturais da polícia, do Judiciário e do sistema penitenciário; (h) precariedade na coleta de dados sobre os homicídios (ausência de pesquisas mais profundas); (i) política de contornar o problema internamente (empurrar o assunto com a barriga) e amenizar sua tragicidade nos fóruns internacionais.
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As eleições estão chegando. No plano do aparente, é hora de colocarmos o tema da segurança em pauta, fazendo com que os candidatos assumam compromissos orçamentários sérios com a diminuição do nosso genocídio massivo (que não desperta nenhuma preocupação nas instâncias mais elevadas do poder: a econômica e a financeira). Mais responsabilidade, mais orçamento (o federal hoje é ridículo e menor que o do estado de São Paulo) e um programa eficiente de prevenção da violência: é o mínimo que se espera.
Outro caminho é começar a impor essa política por meio de medidas judiciais, incluindo-se aí indenizações pesadas contra as omissões estatais. Nada mudará o tétrico quadro epidêmico que vivemos se o governo federal e a sociedade brasileira não passarem a adotar uma firme postura de preservação da vida. É o mínimo que as balizas civilizadas exigem. No plano do oculto do aparente, sabe-se que a mais eficiente política é a drástica redução das desigualdades. É isso que fizeram os mais civilizados países capitalistas e o resultado médio é o seguinte: um assassinato para cada 100 mil pessoas. Os Estados Unidos, porque desiguais, contam com quase cinco assassinatos para cada 100 mil. O Brasil, com os dados de 2012, 29 (é um verdadeiro genocídio massivo).
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