Freud disse, certa vez, que “o primeiro humano que insultou seu inimigo, em vez de atirar-lhe uma pedra, inaugurou a civilização”. Em seu O mal estar na civilização, ele comenta: “A questão fática para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano da agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem”. Como quis Ortega y Gasset, “civilização é, antes de mais nada, vontade de convivência”. O nosso Euclides da Cunha foi enfático: “estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos”.
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As instituições, as normas e as leis surgiram para mediar a convivência humana. As raízes do poder sempre foram a riqueza, a religião, a sabedoria ou a força. Na transição para as sociedades modernas operou-se a separação entre Estado e religião. A democracia funda-se na tolerância e respeito às diferenças e à diversidade cultural, política, racial e religiosa. E transfere a fonte de poder para a sociedade.
Mas o mundo contemporâneo assiste a uma escalada de violência no Oriente Médio, que desafia os fundamentos da democracia e da tolerância. O diálogo entre Ocidente e Oriente nunca foi fácil. Mas a ação radicalizada do chamado Estado Islâmico tem horrorizado a opinião pública internacional.
Max Weber, em seu A psicologia social das religiões mundiais, observa: “não pode haver dúvida de que os profetas e sacerdotes, através da propaganda, intencional ou não, colocaram o ressentimento das massas a seu serviço. Mas, isso nem sempre ocorreu”. O fundamentalismo leva esta possibilidade a seu extremo. Com falou Diderot: “do fanatismo à barbárie não há mais que um passo”.
Não é à toa que as cenas recentes nos assustam e nos deixam perplexos. Como assimilar a imagem de uma criança de seus 12 anos executando com um tiro um refém a sangue frio? Como ficar indiferente às bárbaras cenas de decapitação coletiva veiculadas por TVs de todo o mundo?
Como ficar insensível aos ataques que matam dezenas civis, adultos e crianças, na Síria, na Líbia, na Tunísia ou no Iêmen? Como conter o espanto ao ver o EI destruir o sítio arqueológico de Hatra, na região de Nimrod, patrimônio histórico da humanidade, antiga capital do Império Assírio, um dos berços da civilização? Como assimilar friamente a destruição de estátuas milenares no museu em Mosul?
A liberdade e a civilização correm risco. A resposta à barbárie tem que ser firme. À intolerância do fanatismo temos que responder com a reafirmação dos valores da tolerância cultural e religiosa.
A vida é sempre uma obra em construção. “Uma civilização é um movimento, não uma condição; uma viagem, não um porto” (Arnold Toynbee).