Gabriel Funari *
Não deu nem tempo para tirar todas as cadeiras vermelhas do Palácio do Planalto. A fanfarra da posse de Bolsonaro logo deu lugar à dura realidade de governar. Os ataques do crime organizado no Ceará obrigaram o novo governo a encarar os desafios da segurança pública.
Não há dúvidas de que o alto índice de criminalidade pelo país foi uma das causas primordiais para a eleição do capitão. A duvida que resta é até que ponto a retórica militarista de Bolsonaro vai se materializar. A violência normalizada, perpetrada tanto pelo crime organizado quanto pelo estado, agora enfrenta a excepcionalidade de um governo capaz de transgredir os limites da sua autoridade.
Os ataques no Ceará não são apenas consequência de uma disputa entre o estado e entidades do crime organizado envolvendo as complexidades do funcionamento do sistema penitenciário. É também o primeiro confronto entre o novo governo federal e a realidade.
As controversas fictícias de ideologia de gênero e doutrinamento escolar são incapazes de ocupar toda a agenda de quem chegou ao ápice do poder. Mesmo com o presidente seguindo seu ritmo de campanha, tuitando mais do que governando, seu superministro de Justiça já entrou em ação com o envio da Força Nacional e o estabelecimento de linhas diretas de comunicação com o governo cearense.
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PublicidadeDepois da sequência avassaladora de crises políticas desde 2013, tudo indica que instabilidade é o que não vai faltar para o novo governo. A crise no Ceará é a primeira de muitas emergências que estão por vir. Agora que Bolsonaro, pelo menos no sentido literal, desceu do palanque, as emergências vão ditar o ritmo de seu governo. As palavras de Walter Benjamin de que “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de emergência’ em que vivemos não é a exceção, mas a regra” não param de ecoar no novo Brasil.
Em um país onde a nomenclatura de bandidos e marginais é usada a fins sangrentos, o novo governo se sente em casa. Enquanto o debate em torno de como estabelecer relações estáveis entre as forças policiais e a sociedade vai diminuindo, as oportunidades para intervenções violentas aumentam. Discussões substanciais sobre superlotação nas prisões e os fatores que levam o crime organizado a virar fenômeno de massa nas periferias serão cada vez mais marginalizados.
As imagens de ônibus incendiados e policias patrulhando as ruas vazias das cidades cearenses viabilizam o espetáculo de terror de estado proposto por Bolsonaro. A claque quando o “mito” faz o sinal de arma e as ameaças aparentemente folclóricas de atirar “na cabecinha” de traficantes vão começar a se materializar em políticas públicas. Atos de agressão do crime organizado são o sinal de arrancada para o belicismo do presidente florescer.
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As chamas vão subindo e ameaçam não parar mais nesse quadriênio bolsonarista. O presidente está se preparando para gladiar com o novo Congresso e luta para manter sua aliança eleitoral intacta. Ao mesmo tempo, ele se depara cada vez mais com as dificuldades de ser o chefe de Estado.
Envolto pelas normas e obrigações do sistema, Bolsonaro começará a buscar as emergências. Os ataques do crime organizado no Ceará ameaçaram desencadear o ímpeto violento da nova ordem. Bolsonaro começa a flutuar entre a norma e a exceção, entre aderir às regras do presidencialismo de coalizão e traçar novos rumos institucionais usando justificativas emergenciais. A crise no Ceará, a primeira de tantas, já começa a proporcionar ao novo governo a oportunidade de tornar a governança rotineira em emergência constante.
* Mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade de Cambridge (Inglaterra), Gabriel Funari é graduado em Relações Internacionais e Filosofia pela American University, em Washington DC (EUA).
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