No início desta semana, o baiano Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36 anos, assassinou com mais de dez facadas o mestre de capoeira e ativista cultural Romoaldo Rosário da Costa, 63, em um bar de Salvador. Paulo, já preso, confessou o crime, que teve motivação política – ele se diz eleitor de Jair Bolsonaro (PSL), que disputará a presidência da República com Fernando Haddad (PT), no próximo dia 28. Antes de ser assassinado, Moa do Katendê, como Romoaldo era conhecido, defendeu o petista diante de seu algoz.
Do Norte para o Sul. Em Porto Alegre (RS), uma mulher foi à polícia registrar ocorrência por ter sido “tatuada” com um canivete por três agressores – o desenho de sangue, feito em sua barriga, foi uma suástica, o símbolo do nazismo (foto abaixo). Com 19 anos, ela usava uma camiseta com a hashtag #EleNão, que marcou manifestações no Brasil e no mundo contra Bolsonaro em 29 de setembro, quando foi atacada pelos neonazistas.
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“Esse ato homofóbico foi feito com o objetivo de intimidá-la. Ela foi atingida física e emocionalmente. Existe aí um óbvio contexto político subentendido”, relatou à BBC Brasil Gabriela Souza, advogada da vítima, que não terá o nome revelado por razões de segurança. A defensora lembra que a camiseta de sua cliente também exibia um arco-íris, símbolo LGBT, no momento da agressão.
O que os dois casos têm em comum é a intolerância política que tem marcado a corrida presidencial deste ano e, em nova versão do que já havia acontecido em 2014, colocado em lados opostos o sentimento de antipetismo e a rejeição ao presidenciável do PSL, capitão do Exército reformado – que diz lamentar as ocorrências e se coloca como vítima desse mesmo tipo de violência (leia mais abaixo). Tanto antes como depois da votação de domingo (7), são inúmeros os casos de agressão que vieram à tona em boletins de ocorrência, relatos em redes sociais ou registros de vídeo em plataformas como YouTube e Instagram.
Truculência nacional
A maioria das dezenas de registros de violência feitos nos últimos dias é protagonizada por eleitores de Bolsonaro, segundo levantamento publicado nesta quarta-feira (11) pela Agência Pública em parceria com a organização Open Knowledge Brasil. Nos últimos dez dias, mostra o trabalho, ao menos 70 ataques foram movidos por questões de intolerância político-ideológica em diferentes regiões do país. Ao menos 50 dessas agressões foram atribuídas a grupos pró-Bolsonaro.
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“Uma jornalista esfaqueada e ameaçada de estupro. Um carro jogado em cima de um jovem com camiseta do Lula que conversava em frente ao bar com os amigos. Uma jovem presa e agredida, jogada nua em uma cela da delegacia. Outro jovem recebe um adesivo colado à força nas suas costas, com um tapa, e depois recebe uma rasteira para cair no chão”, relata a introdução da reportagem assinada por Alice Maciel, Thays Lavor, Gabriele Roza, Alexsandro Ribeiro e José Lázaro Jr.
“A grande maioria dessas agressões foi feita por apoiadores de Jair Bolsonaro, candidato do PSL que está à frente nas pesquisas eleitorais. Isso mostra que as declarações de Bolsonaro que incitam a violência contra mulheres, LGBTs, negros e índios e a violência policial estão ecoando país afora e se transformaram em agressões físicas e verbais nestas eleições”, acrescenta a reportagem (leia a íntegra).
Perseguição
Em vídeo que circula na internet (veja abaixo), o que parece ser mais um desentendimento de trânsito começa com um objeto arremessado e, mais adiante, o flagrante de agressão física praticada por um homem com uma camisa estampada com o rosto de Bolsonaro. Enfurecido, o condutor-agressor – que também tinha adesivos do deputado em seu carro – parte em perseguição a um casal em outro automóvel e, aos gritos, dá início ao confronto físico.
Veja:
Histórico
O quadro de barbárie não é fenômeno atual. Há pelo menos dois anos, na esteira do impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, diversos outros registros têm dado a medida da violência por motivação política.
Em junho daquele ano, a estudante e ativista política Mayra de Souza, 27 anos, foi outra vítima da intolerância. Ela foi xingada e esmurrada em um bar de Samambaia, no entorno de Brasília. O caso ganhou as redes sociais e foi relatado em boletim de ocorrência. Na foto abaixo, o saldo da agressão.
Militante do movimento social Levante Popular da Juventude, Mayra estava reunida com amigas quando foi abordada pelo agressor. Elas então pediram por diversas vezes que o homem se afastasse da mesa em que estavam. Ato contínuo, ele passou a gritar palavras de apoio a Bolsonaro, ao que Mayra se afastou e recebeu o primeiro soco, no olho esquerdo. Já no chão, ela recebeu outro golpe, desta vez no queixo. O caso foi registrado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher. O agressor fugiu do local.
A animosidade por vezes ganha ressonância no outro lado do espectro ideológico. Em um desses episódios, registrado nas redes em outubro de 2017, estudantes identificados como de esquerda enfrentaram simpatizantes de Bolsonaro não por acaso trajados com a camisa do “mito”, nos corredores da Universidade Federal de Pernambuco.
Em determinado instante deste vídeo de cerca de dois minutos, dá-se o confronto físico em meio a muita gritaria de lado a lado. Confira:
“Casos isolados”
Diante da atual onda de agressões, Bolsonaro já percebeu o potencial negativo dos casos de violência e passou a falar sobre o assunto, em entrevistas ou por meio de suas redes sociais. Primeiro, foi entrevistado na terça-feira (9) e lembrou ao interlocutor que ele mesmo foi esfaqueado durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro.
“Será que pergunta não tinha que ser invertida, não? Quem levou a facada fui eu. Um cara lá que tem uma camisa minha, comete lá um excesso. O que eu tenho a ver com isso? Eu lamento, peço ao pessoal que não pratique isso. Mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam. Agora, a violência, a intolerância vem do outro lado. Eu sou a prova – graças a Deus, viva – disso daí”, disse o deputado, para quem as dezenas de episódios são “casos isolados” em decorrência do “clima acirrado pela disputa”.
Na noite dessa quarta-feira (10), o candidato foi às redes sociais reforçar seu posicionamento sobre o assunto. “Dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim. A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência, e que as autoridades tomem as medidas cabíveis, assim como contra caluniadores que tentam nos prejudicar”, escreveu Bolsonaro em plataformas como Twitter e Facebook.
Na sequência da postagem, acrescentou, sem citar a “tatuagem” com a suástica: “Há também um movimento orquestrado forjando agressões para prejudicar nossa campanha nos ligando Nazismo, que, assim como o Comunismo, repudiamos completamente. Trata-se de mais uma das tantas mentiras que espalham ao meu respeito. Admiramos e respeitamos Israel e seu povo!”, escreveu o candidato, que lidera a corrida eleitoral contra Haddad.
O petista também aproveitou o noticiário policial para se posicionar. “Essa escalada de violência tem que ter fim. Estamos recebendo denúncia de atos violentos em todo o país. Hoje uma jovem de 19 anos foi praticamente sequestrada por três apoiadores do Bolsonaro e teve uma suástica entalhada no seu corpo com um canivete. Isso precisa parar”, registrou o candidato em sua conta no Twitter.