Luiz Flávio Gomes e Natália Macedo Sanzovo *
Recentemente o Fantástico divulgou uma reportagem sobre as agressões ocorridas nas escolas públicas do estado de São Paulo (clique para ver o vídeo). O vídeo traz cenas chocantes de violência física entre os próprios alunos, bem como entre alunos e professores. A questão que vem à tona é: todas as agressões apresentadas no vídeo revelam situações de bullying? Afinal, o que é este fenômeno?
Em nosso livro, Bullying e prevenção da violência nas escolas. Quebrando mitos e construindo verdades (que será lançado hoje, 05/06, às 19h30, na Livraria Saraiva do Shopping Paulista, São Paulo), descrevemos que bullying não é brincadeira ou desentendimento saudável de crianças ou adolescentes, nem tampouco uma única agressão ocorrida no contexto escolar. O fenômeno compreende atitudes agressivas de todas as formas, praticadas de forma intencional e repetida, sem motivação evidente, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder[1].
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Portanto, o que diferencia o bullying escolar de outros conflitos ou desavenças pontuais é seu caráter repetitivo, sistemático, doloroso e intencional de agredir (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente) alguém notoriamente mais vulnerável, evidenciando um desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos.
Trata-se, assim, de uma subcategoria de violência bem específica que abrange muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis, representa, sim, verdadeiro processo maléfico aos envolvidos, podendo, inclusive, ser fatal (Bullycídio: mais grave do que você imagina!).
Desta forma, nem todas as cenas de violências contidas no vídeo do Fantástico caracterizam o fenômeno do bullying, como é o caso, por exemplo, da que registra o estudante de 15 anos agredindo uma professora de inglês dentro da sala de aula. De acordo com a professora, a agressão ocorreu por conta de uma nota baixa, vez que o estudante não havia feito o dever. Trata-se aqui de um conflito pontual, único, representando clara violência escolar, todavia, não o fenômeno do bullying.
O mesmo se aplica à cena em que o estudante é quem é agredido pelo professor. O aluno relata que no início da aula houve uma troca de insultos, mas em tom de brincadeira: “Ele me chamou de gordo. Chamei ele de cabeçudo. Parecia mais uma baderna que uma aula. Todo mundo brincava”. No entanto, de acordo com o estudante, o professor ficou nervoso e partiu para cima dele no fim da aula: “Começou a me encurralar. Me cercar. Eu falei: ‘Professor, eu estava brincando’. Neste caso também não há o que se falar em bullying, vez que falta o caráter repetitivo e sistemático da agressão, configurando-se, da mesma forma que no caso acima, uma desavença pontual.
Assim sendo, nem toda violência escolar é bullying. Para sua caracterização, imprescindível que todos os requisitos acima descritos estejam presentes, sendo, portanto, um fenômeno complexo e grave, vez que os efeitos das ações agressivas podem ser catastróficos.
Isto mesmo, as práticas decorrentes do fenômeno do bullying podem comprometer a saúde física e mental das vítimas, seu desenvolvimento socioeducacional e, ainda, gerar a retaliação (a reprodução da violência que pode ser exteriorizada tanto na forma de agressão pontual contra os agressores e demais alunos, como por meio de ataques violentos à escola), condutas de automutilação e, até mesmo, pensamentos e ações suicidas.
É o caso, por exemplo, da aluna Isabela Nicastro que assume ter sido vítima de cyberbullying em entrevista concedida ao apresentador Serginho Groismann, no programa Altas Horas (veja o vídeo). Excelente aluna, destaque em sala de aula, notas altas, Isabela foi bombardeada com agressões verbais, via internet. Alguns alunos de sua sala criaram um website em que a chamavam de “naja” e demais apelidos vexatórios. Era humilhada e perseguida 24 horas por dia, sete dias por semana, situação que gerou extremo sofrimento e a queda do desempenho escolar. Não suportava a ideia de voltar às aulas e confessa que chegou a idealizar o suicídio.
Este sentimento não é incomum. Em nosso livro, exploramos um estudo realizado pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos (“Bullying and suicide. A review”, realizado em 2008 pela doutora Young-Shin Kim, pertencente ao centro de estudos de crianças, e pelo psiquiatra Dr. Bennett Leventhal), que identificou o bullying como uma das principais causas do suicídio de crianças e adolescentes. E mais, que o suicídio é a 3ª maior causa de mortalidade no mundo, nesta faixa etária, atrás apenas dos acidentes de trânsito e homicídios (para mais detalhes, veja o capítulo 8 do nosso livro).
O estudo também revelou que 19% dos alunos entrevistados pensaram em se suicidar; 15% traçaram estratégias para cometer o suicídio; 8,8% executaram os planos suicidas e foram interrompidos por outrem e, 2,6% foi a porcentagem das tentativas sérias o bastante que exigiram intervenções e acompanhamento médicos permanentes.
Dentre os casos mais chocantes de bullycídio, podemos mencionar o do aluno Curtis Taylor, da escola secundária em Iowa, Estados Unidos. Vítima por três anos ininterruptos de violência escolar (espancamentos no vestiário, pertences danificados e arremessos diários de leite achocolatado em sua camisa), suicidou-se em 21 de março de 1993, bem como o trágico episódio que ocorreu com Jeremy Wade Delle. O aluno se matou aos 15 anos dentro da sala de aula, na presença dos demais colegas e da professora, como forma protesto ao bullying sofrido (em 8 de janeiro de 1991, numa escola do Texas nos Estados Unidos).
Portanto, as consequências do bullying não se esgotam em problemas de rendimento escolar ou relacionamento social do aluno, seus efeitos podem ser devastadores, ocasionando tanto casos de automutilação, como o próprio “bullycídio”.
Assim, este fenômeno exige nossa atenção, afinal, o bullying está amplamente disseminado no Brasil: foi o que revelou a mais recente pesquisa nacional, da ONG PLAN, de 2009. De acordo com a pesquisa, o bullying atinge 10% das crianças e adolescentes em todo o país, o que significa dizer que apenas no ano de 2012, por exemplo, 5.097.261 crianças e adolescentes podem ter sofrido com o processo do bullying, tendo em vista que o número de crianças e adolescentes devidamente matriculados tanto em escola pública, como privada, foi de 50.972.619 (para ver os números da educação, clique aqui).
Nos Estados Unidos esta estimativa é ainda maior. Segundo o Departamento de Educação dos Estados Unidos (U.S Department of education), estima-se que mais de 13 milhões de crianças e adolescentes americanas foram “bulinadas” neste período.
Desta forma, diante da vitimização em larga escala é substancial que ações sejam adotadas e direcionadas à prevenção do fenômeno do bullying, tais como, medidas educativas voltadas para o agressor e vítima (para melhor compreensão do caráter reprovável da conduta), bem como programas preventivos (chamados de anti-bullying) desenvolvidos para a escola, família e aluno (a exemplo, cita-se o Bully Free Program, programa preventivo americano e Olweus Bullying Prevention Program, programa preventivo norueguês).
A eficácia destes programas ficou comprovada pelos números que as escolas piloto apresentaram: redução de 26% nos casos de bullying, quando aplicado o programa da OBPP (Olweus Bullying Prevention Program) e 20,2%, nos casos nas das escolas que utilizaram o Bully Free Program.
Assim, para conhecer mais sobre o assunto, convidamos você a se debruçar sobre o nosso livro Bullying e prevenção da violência nas escolas. Quebrando mitos e construindo verdades. Repleto de pesquisas e levantamentos nacionais e internacionais, o livro se propõe a desmistificar e demonstrar a nocividade deste fenômeno, trazendo à tona a prevenção como caminho válido e definitivo para o enfrentamento do bullying.
* Luiz Flávio Gomes, jurista e presidente do Instituto Avante Brasil, está no blogdolfg.com.br. Natália Macedo Sanzovo é advogada e pós-graduanda em Ciências Penais.
[1] FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz, 2ª ed, Campinas: Verus, 2005.