Superlotação, condições desumanas, rebeliões e crimes bárbaros, como as decapitações em Pedrinhas, cujas imagens circularam pela internet e revoltaram o país inteiro. Se o sistema prisional brasileiro vive uma situação caótica, não é por falta de dinheiro. Os recursos acumulados no Funpen, o Fundo Penitenciário Nacional, dariam de sobra para multiplicar o número de vagas nos presídios, onde mais de 550 mil detentos se amontoam em celas com capacidade para abrigar no máximo 350 mil presos. Mas faltam gestão e vontade política.
O primeiro obstáculo é o contingenciamento orçamentário. As autoridades econômicas têm optado por manter o dinheiro do Funpen em caixa, em nome do esforço fiscal. Os cortes que têm atingido o fundo, um ano após o outro, impedem que a maioria dos recursos repassados pelas loterias da Caixa Econômica Federal e parte de custas judiciais, entre outras fontes, sejam canalizados para a construção e modernização do sistema penitenciário, como prevê a lei. No começo do ano, o Funpen já acumulava um saldo de R$ 1,065 bilhão!
Pior ainda: nem a parcela liberada para investimentos chega a ser gasta. Em 2013, o Funpen foi autorizado a investir R$ 384,2 milhões na construção e na reforma de presídios em obras administradas pelos governos estaduais. Apenas R$ 40,7 milhões – ou seja, 10,6% – foram efetivamente aplicados. Culpa da burocracia e do excesso de exigências técnicas e ambientais para liberação dos projetos.
Exigências muitas vezes absurdas. Bom exemplo é a resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária segundo a qual toda penitenciária deve ter determinado número de vagas de estacionamento, metragem específica para a sala do diretor, cabeleireiro, barbearia e infraestrutura médica, com laboratório e sala de raio X.
Não faltam diagnósticos de que a situação do nosso sistema carcerário é explosiva e de que a superlotação é fator decisivo para que o crime organizado seja alimentado de dentro das cadeias. Falta ação.
Temos que avançar na aplicação de penas alternativas e nas mudanças na lei penal, obviamente. Mas também temos que aplicar de forma eficiente os recursos do Funpen. Minha proposta, formalizada em projeto de lei apresentado ao Senado semanas atrás, é garantir a transferência direta e mensal de 60% da dotação orçamentária do Funpen para os fundos penitenciários de estados e do Distrito Federal. Sem burocracias ou exigências descabidas. Trata-se da instauração do sistema denominado “repasse fundo a fundo”, que já vem sendo muito elogiado na área da saúde.
As exigências previstas no projeto para o repasse são simples: é preciso que haja um plano penitenciário local e um órgão específico para gerir o fundo estadual ou distrital. Também deve haver uma contrapartida de recursos para o sistema penitenciário no orçamento estadual e apresentação de relatórios anuais de gestão com dados sobre a quantidade de presos em situação irregular. O objetivo é evitar uma situação rotineira hoje em dia: presos retidos em delegacias de forma ilegal, por longos períodos.
A partilha dos recursos entre os estados e o Distrito Federal deverá seguir os mesmos critérios do rateio do FPE, o Fundo de Participação dos Estados e do DF.
É claro que nossa proposta não irá solucionar, de forma milagrosa, a situação lamentável do nosso sistema carcerário. Esse é um problema bem mais complexo, cuja solução envolve um esforço coordenado das três esferas de governo, mudanças na legislação penal, melhor capacitação dos agentes penitenciários, maior celeridade judicial.
Mas precisamos ser realistas. Entre 1990 e 2012, a quantidade de presos aumentou 511% no Brasil. Já temos a quarta maior população carcerária do mundo. Sem falar que existem mais de 162 mil mandados de prisão que ainda não foram cumpridos. Não há dúvidas, também, que a superlotação e as condições desumanas dos presídios contribuem para que nossos presos se tornem criminosos cada vez mais violentos.
Estados e Distrito Federal têm, pelo menos teoricamente, condições de aplicar de forma mais adequada os recursos do Fundo Penitenciário. Com os repasses fundo a fundo, terão como formular com mais segurança políticas de organização e manutenção de seus sistemas penitenciários.
Esse é um passo concreto no sentido de barrar a escalada de barbaridades a que temos assistido nas prisões brasileiras. A população está cansada de tanta discussão, de tantos debates que não levam a solução alguma. A hora é de decisão.