Parte do conjunto de aldeias da etnia Kanamari, localizadas ao longo do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, no Amazonas, são comunidades isoladas e de difícil comunicação. Ainda assim, de acordo com o presidente da associação do povo Kanamari, Higson Kanamari, mais de 60 indígenas teriam testado positivo para covid-19 nas últimas semanas. Os números, diz, são extraoficiais já que não há atualização diária por parte dos distritos. Outra questão que dificulta o entendimento sobre o real cenário dos indígenas no Vale do Javari é a divergência entre os dados da Secretaria Municipal de Atalaia do Norte e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Informações do boletim epidemiológico da secretaria municipal dão conta de que 65 indígenas foram diagnosticados com a doença na região. Apenas um está internado e não há óbitos. Entretanto, dados desta sexta-feira (19) da Sesai demonstram que são 42 os casos confirmados, 10 suspeitos e nenhum registro de óbito.
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Para o líder Higson, a Sesai tem auxiliado a população com profissionais da saúde, mas o apoio não seria suficiente, já que a “área é grande e a comunicação é difícil”. “Não tem informação concreta sobre essa situação de contaminação no dia a dia. O que eu sei é que após serem infectados três parentes na aldeia São Luis, também foram detectados 13 casos positivos na aldeia dos Kanamari no Lago do Tambaqui”, diz. Na aldeia São Luis, segundo informações de Higson, três pessoas testaram positivo para covid-19 no início do mês de junho e outras cinco famílias seguem em observação.
Outras três pessoas também testaram positivo em Irari, afirma o presidente da associação. “A única aldeia que eu tenho contato é a São Luis. As do Lago do Tambaqui e Irari não têm comunicação, os rádios estão queimados e os parentes Maiuruna já foram infectados do lado grande próximo da Tambaqui. Eles estão fazendo monitoramento na aldeia Flores, acima da São Luis. Espero que não dê nenhum caso lá, mas com os sintomas que eles vêm relatando aquela aldeia também pode ter sido infectada”, aponta.
Ainda de acordo com Higson, os indígenas infectados estão na própria comunidade e não há informação sobre a administração de cloroquina ou quais medicamentos estariam sendo utilizados para o tratamento. “A Sesai não nos passa o método de tratamento. Tive informação de que todos estão passando bem, não tem nem um agravamento respiratório porque se tivéssemos, com certeza, já teríamos óbitos dentro das comunidades indígenas”, aponta.
A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Sesa) afirmou por meio de sua assessoria que o atendimento de média e alta complexidade de indígenas aldeados ou que vivem em contexto urbano é feito em hospitais da rede municipal e estadual. Já o atendimento de atenção básica é dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), ligados ao Ministério da Saúde, por meio da Sesai. Em nota, a Sesa disse ainda que os governos estadual e federal “vão inaugurar uma ala exclusiva para pacientes indígenas no Hospital de Atalaia do Norte”.
Mutirão
Na terça-feira (16), o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.142/2020, que determina ações para combater o avanço da covid-19 entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O texto, que será encaminhado à sanção presidencial, é de autoria da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) e institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio do coronavírus entre essas populações. As ações atenderão povos indígenas vindos de outros países e que estejam provisoriamente no Brasil, aqueles que vivem fora das suas terras em áreas urbanas ou rurais, além dos aldeados em áreas isoladas, como grande parte dos Kanamari, do Amazonas.
O acesso a algumas das aldeias da etnia leva até cinco dias de viagem, conforme explica Higson. Longe das cidades, os indígenas fizeram compras pela última vez em março e os insumos, diz, estariam acabando.
Nesta terça-feira (16), a Sesai anunciou um mutirão coordenado pelos Ministérios da Saúde e da Defesa para levar profissionais de saúde e cerca de 70 mil itens de proteção individual e insumos médicos para reforçar a assistência à saúde na região e o enfrentamento à covid-19 entre os indígenas do Vale do Javari.
Ao todo, diz a secretaria por meio de nota divulgada em seu site, 23 profissionais de saúde do Hospital das Forças Armadas irão reforçar o atendimento aos indígenas na região junto às Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, que já atendem a população local. Entre eles estão um médico obstetra, um endocrinologista, um cirurgião geral, um ginecologista, um gastroenterologista, um anestesista, seis médicos clínicos, oito técnicos em enfermagem e três enfermeiros. A missão tem previsão de retorno na próxima segunda-feira (21).
Ainda de acordo com a Sesai, também serão entregues 16 ventiladores pulmonares e testes rápidos para diagnóstico da covid-19. Os insumos e equipamentos serão destinados ao Hospital Municipal de Atalaia do Norte e ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Vale do Javari, para atendimento nas aldeias.
A Sesai aponta ainda que, como medida de segurança, toda a equipe que compõe a missão realizou teste RT-PCR para covid-19 e os profissionais que embarcaram tiveram resultado negativo para a doença.
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