Leio com um misto de orgulho e esperança o artigo do antropólogo Hermano Vianna na Folha de S. Paulo sobre Francy Baniwa, primeira antropóloga mulher do povo baniwa com mestrado no Museu Nacional, da UFRJ, e João Paulo Tukano, doutorado na UFAM. Ambos são da nossa São Gabriel da Cachoeira, região do Alto Rio Negro, Amazonas. Venceram a grande distância dos centros de pesquisa e da internet ruim.
Os dois jovens cientistas tiveram como mentores, além de professores dedicados, seus pais, lançando mão do que há de mais contemporâneo nos estudos das ciências na Amazônia. O pai de Francy, Francisco Lopes, é madzero: sábio, benzedor. Rompeu barreiras culturais como informante principal na dissertação, transmitindo certos conhecimentos de pai para filha. Não sem alguma tensão, trouxe ar fresco para a antropologia e para seu povo.
Na dissertação, de João Paulo, o pai, o pajé Ovídio Lemos Barreto, é também seu informante central, e até recebe crédito de coorientador. Isso não estava no projeto de mestrado, que previa trabalho de campo apenas entre ictiólogos do Inpa. A partir do pensamento tucano, João percebe a anatomia humana e aprimora sua tecnologia de cura. Em paralelo, abriu em Manaus Bahserikowi’i, Centro de Medicina Indígena.
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Volto ao tema de outro artigo meu para lembrar da proposta de construção do que chamamos de SUS da Floresta, que iniciou nas mentes de pesquisadores importantes do Amazonas. Dentro desse debate de atualização da legislação do SUS, que voltou à baila por conta da pandemia, defendemos o SUS da Floresta, que reconheça as especificidades do atendimento a comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia.
Não podemos tratar o sistema de saúde que atende à periferia de um grande centro com as mesmas regras e mecanismos com que tratamos comunidades ribeirinhas e indígenas. Defendemos uma medicina amazônica, que não cria qualquer embaraço à ciência por lançar mão também do conhecimento tradicional. Com estratégias que dialogam entre si e que se somam quando a prioridade é salvar vidas.
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