Filipe Leão *
Ocultos ou declarados, os inimigos do controle são muitos. Apesar das constantes ameaças, o Sistema de Controle Interno no Brasil vem registrando inegável evolução, conforme preceitua os artigos 70 e 74 da Constituição Federal. Desde a redemocratização, e, especialmente após a Lei de Responsabilidade Fiscal, o sistema teve grande impulso com a reorientação das estruturas dos órgãos centrais de controle interno em auditorias, controladorias ou corregedorias gerais no âmbito dos respectivos Poderes.
Contudo, ao editar a Medida Provisória (MP) 765/2016, em 29 de dezembro de 2016, o governo federal descumpre mandamentos constitucionais e republicanos elementares, ao retirar do órgão central do Sistema de Controle Interno Federal a missão de auditar as verbas do Sistema Único de Saúde (SUS).
A proposta não somente é ilógica do ponto de vista administrativo como é, sobretudo, inconstitucional, na exata parte que pretender afastar a jurisdição do órgão central sobre verbas públicas internas, no âmbito de sua competência.
No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 25943 DF, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a jurisdição da então Controladoria-Geral da União (CGU) em fiscalizar a aplicação das verbas federais onde quer que elas estejam aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais sejam destinadas. Reconheceu ser a fiscalização da CGU interna e feita exclusivamente sobre verbas do orçamento do Poder Executivo Federal. O STF, mais uma vez, fez bem ao país, pois, ao não afastar a jurisdição da CGU sobre as verbas federais, interpretou o real significado dos artigos 70 e 74 da Constituição Federal e de princípios como o de dever de prestar contas de administradores públicos, a eficiência, a moralidade e a publicidade.
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Ao adotar a expertise da CGU, a Controladoria-Geral do município de São Paulo, por exemplo, detectou o crescimento patrimonial de servidores e combateu a sistemática cobrança de propinas no departamento de fiscalização de tributos municipais. Conhecido como “máfia dos fiscais de São Paulo”, o escândalo representou um importante estágio no fortalecimento do controle interno, em que um órgão central do sistema, no ente municipal, incorporou técnicas sofisticadas de apuração e combate à corrupção.
Por ano, as verbas do SUS são estimadas em torno de 100 bilhões do orçamento federal. A CGU já deflagrou, em conjunto com a Polícia Federal e Ministério Público, mais de 132 operações especiais para combater desvios de recursos públicos na saúde representando, aproximadamente, 55% das ações realizadas. Somente em 2016, 282 milhões em recursos foram desviados e 22 prisões foram efetuadas nas operações Voadores (MA), Maus Caminhos (AM), Copérnico (BA), Desumanidade II (PB), e Black List (PE). Além disso, são avaliados pela CGU, sistematicamente, programas como o “Saúde da Família”, “Farmácia Básica” e ações de investimentos públicos na saúde, cujas recomendações tem por objetivo evitar desperdícios e otimizar a aplicação dos recursos públicos.
Não sabemos de onde veio a ideia de afastar o órgão central do Sistema de Controle Interno da fiscalização das verbas do SUS. Desconhecemos, também, se o teor da MP 765 foi avalizado, ou se passou despercebido pela Advocacia-Geral da União (AGU). Temos, contudo, clareza de que o conteúdo jurídico e o efeito dessa Medida Provisória são nocivos ao país. Por isso, lutaremos politicamente e judicialmente para revertê-la. Nesta empreitada, estarão ao nosso lado todos os amigos dos recursos públicos e do controle governamental.
* Auditor federal de finanças e controle, é diretor da Associação Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon) e vice-presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC).