Nunca conheci quem seja contra melhorias no sistema de saúde da humanidade. Muito pelo contrário, eis aí uma bandeira erguida universalmente – dos EUA ao mais pobre país africano, da elite mais privilegiada ao miserável mais carente, não há quem deixe de prestar apoio a causa tão nobre.
Diante de tamanha unanimidade, e já que habitamos um planeta tão rico, seria de se esperar que os sistemas de saúde oferecidos à humanidade fossem um primor de eficiência e refúgio seguro aos nossos semelhantes, nos momentos difíceis de doença.
Daí minha surpresa ao tomar conhecimento, há poucos dias, que apenas um terço dos portadores de HIV do planeta tem acesso a tratamento e medicamentos. É realmente inacreditável: em meio a tantos recursos e tantas declarações de amor à causa da saúde, dois terços dos doentes vagam por aí – sem medicamentos e sem esperança.
Li uma outra notícia sobre o mesmo tema, revelando que 90% (sim, 90%) dos tratamentos dispensados aos portadores de HIV na África são custeados por fontes externas, sem a participação dos governos locais – que, convidados à reserva de 15% do orçamento para a saúde, ainda resistem. Aliás, há que se dizer que apenas seis países em todo o continente aderiram a essa proposta.
Leia também
Decidi lançar-me a uma pequena pesquisa. Em poucos minutos descobri que a cada 30 segundos morre uma criança vítima de malária lá na África – o problema é que, em um continente tão rico, não se consegue comprar nem inseticidas para protegê-las. Aliás, apenas 2% delas conseguiam um simples mosquiteiro.
A informação seguinte veio da Organização Mundial da Saúde: anunciou-se que 40% de todos os tratamentos de saúde no mundo são proporcionados por organizações religiosas. Diante de um número tão sério seria o caso de se perguntar: cadê o Estado? Por onde andam os recursos públicos destinados à saúde pelo mundo afora?
Minha descoberta seguinte foi assustadora: nada menos que 10% das doenças que afetam a humanidade e 6,3% de todas as mortes delas decorrentes poderiam ser evitadas se as pessoas dispusessem de saneamento básico – um simples serviço de saneamento básico!
Continuei a estudar o tema. Apurei que os hospitais norte-americanos arrancam de seus pacientes nada menos que US$ 10 bilhões, a cada ano, em valores indevidos. Em tempo: a expressão “arrancam” deve-se a que 90% das contas lá pagas são claramente fraudulentas.
Ainda sobre aquele país, assustei-me ao saber que 52 milhões de habitantes não têm qualquer assistência médica – daí 41% da população estarem pagando prestações de tratamentos médicos ou às voltas com os tribunais por não terem tido condições de pagá-los. A propósito, 25% dos norte-americanos jogam suas receitas no lixo por não terem condições de adquirir os medicamentos prescritos.
Esse quadro insustentável, segundo aprendi, é sustentado em razão de existirem em Washington quatro lobistas da área da saúde para cada membro do Congresso. Aos resultados: uma criança nascida em El Salvador enfrenta taxa de mortalidade de 9,7%, enquanto a de Detroit é de 15,5% – algo tão surpreendente quanto repulsivo, consideradas as diferenças entre os dois países.
Por falta de espaço, encerro este texto anotando que, a cada ano, 2,3 milhões de semelhantes nossos morrem vítimas de apenas oito doenças por não terem acesso a simples vacinas.
E é assim, diante destes números, que chego a uma conclusão: o problema da saúde está no coração – mais precisamente na falta dele.