Em ano eleitoral, quando se fala em debate, o que vem à nossa cabeça é aquela cena clássica: candidatos perfilados num estúdio de TV, quatro ou cinco blocos, perguntas de jornalistas ou entre os concorrentes, tempo curto e determinado para respostas, réplicas, tréplicas…
Mas outra arena de debates, esses sim, de mais fôlego, tem sido ampliada na rede. É a dos podcasts, cada vez mais acessados por quem não se contenta com a superficialidade com que grandes temas da política e da sociedade são tratados (ou não tratados) na era da informação rápida e fragmentada.
Definições sobre podcast são as mais diversas: “é um blog, só que em áudio”; “são textos para se ouvir”, “é como se fosse um programa de rádio, mas só com assuntos do meu interesse”. Diversas também são as potencialidades da ferramenta. E dentre elas, a de viabilizar a imersão nos assuntos mais quentes e urgentes do país. Política, por exemplo.
“Operadora do direito que adora problematizar”
É dessa forma que Aline Hack costuma se apresentar. Advogada ativista, palestrante e pesquisadora em feminismo, direitos humanos, movimentos sociais e ativismos digitais, ela mantém há cerca de um ano e meio o Olhares Podcast.
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“É um projeto feminista que tem como objetivo buscar os pontos de vista sobre as mulheres e atribuir novos olhares, evidenciando suas lutas, participações sociais, ações afirmativas e conquistas. Buscamos exercitar o espaço de fala e o espaço de escuta, a partir de experiências, pesquisas, debates, para promover mais alteridade e equidade entre homens e mulheres”, define Aline.
A advogada destaca ainda o caráter didático do podcast, descomplicando a fala acadêmica inerente aos temas abordados, permitindo “melhor conhecimento a respeito de temáticas por onde transita o feminino”, completa.
Entre os conteúdos mais recentes, estão discussões sobre mulheres e sororidade política, os 12 anos da Lei Maria da Penha e o debate sobre a possível descriminalização do aborto no Brasil.
Estando o feminismo (e o feminino) entre as temáticas da pauta política do momento, pergunto para a Aline sobre as potencialidades dos podcasts na promoção de tais discussões. “Sendo um podcast fomentado por diversos pontos de vista, tratando assuntos de forma participativa e inclusiva, essa mídia pode se tornar uma importante ferramenta na discussão a respeito da própria democracia, principalmente sob os recortes de gênero, raça e etnia, não só para o exercício dos direitos buscados pelas mulheres. No caso do Olhares, voltamos esta fala e processo de escuta para traçar uma associação entre institutos políticos e direitos, como igualdade, liberdade e autonomia, suas relações com as estruturas patriarcais e opressoras de raça e classe, fazendo com que essa discussão constitua um importante instrumento na efetivação dos propósitos voltados aos direitos humanos por intermédio da informação”, conclui.
Aline volta e meia pode ser vista, ou melhor, ouvida, como convidada em outros podcasts. “Três participações me marcaram muito nessa trajetória. A primeira foi no ViraCasacas, onde discuti a respeito da regulamentação da prostituição sob o ponto de vista feminista; a segunda, foi no Filosofia Pop, onde traçamos historicamente os direitos das mulheres no Brasil. O último, e mais recente, foi o Anticast, que também tratou sobre a importância da discussão a respeito da descriminalização do aborto no Brasil e o que significa a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442, em tramitação no STF.
Pausa para um café
Tomando a via da direita na podosfera, paramos no Café Brasil. Na porta dele, ou melhor, no portal, percebemos que não é apenas um, mas três podcasts no mesmo lugar.
No campo político, aquele que dá nome à “confraria” – o Café Brasil – falou mais recentemente sobre democracia, tolerância e censura, e menos recentemente (em novembro do ano passado) sobre o projeto que ficou conhecido como Escola Sem Partido.
Outro programa do Café, o LíderCast, foi frequentado no final de julho pelo presidenciável João Amoêdo. Antes, em junho, pelo ex-presidenciável e atual vice de Álvaro Dias, Paulo Rabello de Castro. E em março, por um dos nomes mais badalados da direita brasileira, o professor e filósofo Olavo de Carvalho.
O terceiro e último programa do portal é o Cafezinho. São pílulas de 2 ou 3 minutos cada, com reflexões (inclusive políticas) do produtor da coisa toda, Luciano Pires.
Ele queria ser cartunista, mas, por 26 anos, foi executivo de marketing de uma grande multinacional de autopeças. Estudou na Universidade Mackenzie, fez cursos de especialização em Marketing na FGV e Universidade de Michigan (EUA).
O mergulho no mundo corporativo lhe rendeu a autoria de oito livros, posição de colunista em sites, revistas e jornais, e, claro, as experiências e perspectivas que hoje compartilha com o seu público. Seja no cafezinho expresso, seja “na xícara grande”, das entrevistas e programas mais longos (25 a 40 minutos de duração).
Na carta de cafés da casa, lógico, muita política. A propósito, pedi a Luciano uma análise sobre as potencialidades do podcast na promoção desse debate. “Nenhuma outra mídia apresenta o engajamento dos ouvintes como os podcasts. É impressionante. Por outro lado, a liberdade de produção dos podcasters [como são chamados os produtores desse tipo de plataforma] é ilimitada. Posso falar do que quiser, quando quiser e como quiser. Nos podcasts estão os pontos de vista que a mídia tradicional não apresenta, e por isso são um canal fundamental – ainda não descoberto pelos candidatos – para apresentar as ideias com profundidade”, argumenta Luciano, que conta receber semanalmente centenas de mensagens de ouvintes, com o feedback de que seus conteúdos já são usados inclusive em salas de aula.
O podcaster finaliza a conversa, mostrando-se otimista com relação ao crescimento dessa plataforma. “Toda pessoa que possui um smartphone tem acesso gratuito a podcasts. Portanto temos um público potencial na casa dos 140, 150 milhões aqui no Brasil. É só questão de tempo para a popularização da mídia atingir massa crítica. Então, os podcasts entrarão no radar dos patrocinadores, das agências, dos candidatos”, conclui.
Voltando ao Brasil “pela esquerda”
Quem não tem podcast próprio, mas que a todo momento aparece nesses programas pela podosfera é a professora Sabrina Fernandes.
Militante de esquerda, ela se mudou para o Canadá aos 18 anos, para fazer graduação em Economia. Cumpriu o objetivo, e voltou no ano passado com um mestrado e um doutorado em Sociologia, com especialização em Economia Política pela Carleton University. “Retornei por razões pessoais e da militância também. O Brasil vive um momento político de muita tensão e eu sentia que teria mais a contribuir [aqui] do que no Canadá. Também pensei que seria uma boa forma de trazer de volta pra esquerda brasileira balanços que pude fazer na minha pesquisa de doutorado sobre a fragmentação da esquerda daqui”, explica.
O primeiro contato com um podcast foi ainda no Canadá. No Brasil, a “estreia” foi no Filosofia Pop, falando sobre ecossocialismo. “Gostei demais da experiência e pouco a pouco foram surgindo mais convites: Anticast, Viracasacas, Teologia de Boteco, Outras Mamas, Revolushow, e tô devendo uma visita no Olhares e no Transe.
Convites que começaram a surgir a partir do trabalho de Sabrina em seu canal no YouTube, o Tese Onze, onde fala de ecossocialismo, veganismo, feminismo, “sempre com um tom de autocrítica da esquerda, que acho que é fundamental hoje”, pondera. Ela diz ainda que nos podcasts de amigos e conhecidos, pode comentar a esquerda de uma forma “meio pistola também”.
A exemplo de Luciano, Sabrina aposta na expansão dos podcasts, turbinando toda forma de debate, como o político. “O podcast é uma ferramenta que muita gente subestima e não deveria. Nós temos um problema gravíssimo no Brasil, que é a pouca presença relativa dos debates progressistas nas rádios. Os podcasts não são tão acessíveis para toda a população como uma rádio, mas seguem a proposta de discutir temas quando a pessoa tá no ônibus, ou no carro, ou limpando a casa. Inclusive é quando eu tô fazendo essas coisas que eu ouço. Dessa forma, acho que os podcasts contribuem bastante para formar debates sobre os mais variados temas, e na questão política não seria diferente. O formato é bastante instigante na maior parte do tema. Basta haver anfitriões que saibam explorar bem o assunto. Agora que muitos podcasts estão indo também pro Spotify e pro Deezer, vejo que a audiência pode aumentar mais ainda, e uma hora as pessoas vão ter que parar de subestimar. É cada vez menos uma ferramenta de nicho”.
Momento da dica cultural
Quem já acompanha podcasts de perfil mais politizado sabe que, no final de cada episódio, os participantes costumam dar dicas culturais. Nessa toada, pedimos que os dois podcasters ouvidos aqui indiquem podcasts para os nossos leitores.
A Aline Hack recomendou dois que foram citados pela Sabrina: o Viracasacas e o Teologia de Boteco (links ao longo do texto acima). E ainda o Chutando a Escada.
O Luciano Pires indicou o Guten Morgen, o Ideias (da Gazeta do Povo) e o Mises Brasil.
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