Um influenciador da esfera bolsonarista conhecido como “Dallas Cowboy” ou “DallasGin” foi acusado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) de promover ataques contra o seu gabinete. Dallas tem passagem pela polícia e já foi apontado, anteriormente, como um falsário que tentou se passar por engenheiro diante de veículos de imprensa, além de ser ligado a outras ameaças contra críticos do bolsonarismo e de pautas de direita.
“O que é que esse cidadão faz? Ele pega notas que foram ressarcidas para funcionários – porque qualquer funcionário, pela resolução do Senado, pode pagar uma despesa e ser ressarcido dessa despesa – e cria a invencionice de que isso é rachadinha”, disse o senador, que irá acionar a Justiça sobre o caso.
Nas redes sociais ele possui diversos perfis e se apresenta como um empresário brasileiro bem-sucedido e residente de Dallas, estado norte-americano do Texas. Fã declarado de armas de precisão e longo alcance, usa várias fotos delas para decorar seus perfis no Twitter.
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Na vida real, no entanto, Dallas seria um dono de carpintaria registrada em uma residência numa calma rua na zona leste de São Paulo. É difícil descobrir o que é verdade ou mentira na biografia dele.
Durante o último ano, o perfil de Dallas escolheu a dedo pessoas para vazar números de telefone e dados pessoais: críticos do bolsonarismo como o governador João Doria, o deputado Alexandre Frota e os fundadores do Sleeping Giants já tiveram dados parcialmente revelados por este perfil. Ele costuma divulgar parte do telefone ou endereço das vítimas, provavelmente temendo ser processado. Ao menos uma ameaça ao ex-presidente Lula foi encontrada em um antigo perfil do influenciador.
No momento em que Humberto citou os ataques, o perfil mais recente (@RGGCowboy) era seguido por 3,6 mil pessoas. Em perfis anteriores, eram pelo menos 10 mil pessoas acompanhando o conteúdo do influenciador denunciado. Mesmo após constantes quedas e suspensões pela rede social – enquanto esta matéria era escrita, foram registradas ao menos quatro -, Dallas Cowboy mantém uma base fiel de seguidores, que passam dos milhares. As falas dele também são reverberadas por portais como o Terça Livre, ligado diretamente ao apoio de pautas conservadoras radicais.
O perfil de Dallas no Twitter traz na descrição que ele viaja o mundo, com registros em Malta, nos Emirados Árabes, na Itália, no Panamá. Por conta disso, foi surpreendente que, para contatá-lo, a reportagem precisasse ligar para o telefone da marcenaria registrada no Parque Oratório, na divisa entre as cidades de São Paulo e Santo André. O estabelecimento, de acordo com os registros de CNPJ da Receita Federal, tem Rogério Beraldo de Almeida como único sócio.
Em abril, quando o Congresso em Foco ligou para o número da marcenaria, Rogério atendeu e, após saber que estava conversando com um jornalista, reconheceu ser dono do perfil. Intitulou-se conservador – mas não bolsonarista. “Eu sou ligado à verdade. Não é questão de apoiar esse ou aquele, eu apoio a verdade, só isso”, disse.
Apesar da empresa dele ser registrada no Brasil, Rogério insistiu que mora nos Estados Unidos e que atende o telefone a partir de lá. O motivo de permanecer com o número brasileiro, ele explica, é para “manter o contato com os parentes”.
Minutos após desligarmos, ainda naquele mês de abril, o perfil “DallasGin” expôs o número do telefone do repórter para os seguidores no Twitter. Curioso observar que imagem compartilhada não há a indicação que o telefonema tenha sido recebido em área internacional – deveria haver um “+55” antes do contato recebido. O extrato da conta de telefone do repórter também não consta registro de ligações internacionais.
Influência
Em 30 de novembro do ano passado, o portal Terça Livre – cuja linha editorial se alinha aos posicionamentos do presidente da República – abriu canal para divulgar que o autor do perfil moveu uma série de processos contra o movimento Sleeping Giants, que pressiona anunciantes a cortarem verbas de anúncios a sites com conteúdo noticioso distorcido ou falso.
As ameaças contra o coletivo, formado por um casal de paranaenses, são constantes no Twitter e no Telegram, e se expandiram para muitas frentes: em seus tuítes, sem nenhuma prova, Rogério já associou o grupo ao apresentador de TV Luciano Huck, a professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e mesmo ao uso de empresas em paraísos fiscais.
Por telefone, Mayara Stelle e Leonardo de Carvalho Leal, os fundadores do movimento Sleeping Giants, confirmaram as ameaças. “Esta conta específica vem há muito tempo nos provocando”, explicou Carvalho. “Quando eu e Mari éramos anônimos, [o perfil] dizia que ia revelar nossa identidade e comprovar que existem empresas e pessoas por trás do movimento – chegando inclusive a ter uma matéria do Terça Livre sobre isso.”
No final de março, a conta divulgou parcialmente dados sensíveis, como endereço do casal, nome dos parentes e documentos. O próprio perfil publicou parte das informações tarjadas – mas o desenho da mensagem indica que os dados sobre o Sleeping Giants já estavam disponíveis no Telegram.
Para Carvalho, os ataques direcionados ao Sleeping Giants se devem ao papel do movimento. “É justamente porque acabamos combatendo uma milícia muito bem organizada no mundo digital”, disse.
O influenciador bolsonarista muda constantemente seus alvos, de acordo com o inimigo adotado pela base de apoio do presidente naquela semana. Um dia o alvo foi Ciro Gomes, em outros João Doria, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) e Diogo Mainardi, fundador do site “O Antagonista” e apresentador do Manhattan Connection, na TV Cultura de São Paulo. Agora, o senador pelo PT de Pernambuco.
Catamarãs para o Ministério do Turismo
Em um antigo perfil, já derrubado pelo Twitter, “Dallasgin” tentou convencer o Ministério do Turismo que o melhor caminho para a exploração do turismo na região de Angra dos Reis (RJ), como queria o presidente Jair Bolsonaro, era a importação de grandes barcos de luxo. O presidente, que já foi multado por pesca ilegal na região, declarou querer transformar a região numa “Cancún brasileira”.
Ao se valer de vídeos promocionais e imagens de catamarãs, o entusiasta buscou convencer o Ministério, via Twitter, que a aquisição destas embarcações, feitas nos Estados Unidos, poderia destravar o turismo na região. Em outra mensagem, já apagada, o perfil se gabava de ter recebido uma resposta do Ministério, convidando-o para uma conversa onde explicaria melhor os detalhes.
Coincidentemente, uma das empresas abertas em nome de Rogério Beraldo é a Star Vessel Ship, que tem como um de seus objetos societários “manutenção e reparação de embarcações para esporte e lazer”. Não se trataria de uma empresa pequena: ela tinha capital social de R$ 325.000. Hoje, como quase todos os empreendimentos abertos por Beraldo, está inativa.
O Congresso em Foco não conseguiu recuperar os tuítes, presentes em uma conta derrubada pelo Twitter há poucas semanas. Mas Rogério confirmou que fez a proposta – e falar dos catamarãs lhe dá prazer. “Hoje, com 27 dias você coloca um catamarã no Brasil, que custa um décimo do preço de um hotel”, disse.
O homem por trás do perfil também afirmou que o Ministério se mostrou animado com a proposta e que analisaria um estudo, apresentado por ele, sobre a viabilidade dos catamarãs na área ambiental. O Ministério do Turismo não respondeu aos contatos da reportagem.
Dois Rogérios
Em 2007, poucos dias após o desabamento da estação de metrô de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a TV Record e a Veja São Paulo davam espaço para comentários de Rogério Beraldo de Almeida, que se intitula “engenheiro” formado no Instituto Militar de Engenharia (IME).
“Na Europa e nos Estados Unidos, a escavação deve ser precedida de uma prospecção do terreno a cada 5 metros”, disse Rogerio Beraldo, criticando a maneira como a obra havia sido conduzida.
No parágrafo seguinte, uma correção ainda maior e incomum: “Entre os 28 especialistas entrevistados na reportagem ‘A tragédia da Estação Pinheiros’ (24 de janeiro), Veja São Paulo ouviu Rogério Beraldo de Almeida, que se autointitulava engenheiro do Instituto Militar de Engenharia. Após conceder inúmeras entrevistas sobre o acidente nas obras da Linha 4 do Metrô, ele foi preso na sexta-feira (20) por policiais militares, acusado de fingir-se de funcionário público. A revista pede desculpas aos leitores pelo erro que cometeu ao publicar uma de suas declarações.”
Ao jornal O Globo, o engenheiro falsário disse à época que não era bem assim. “Eu tenho conhecimentos mas não exerço a engenharia. Acho que me prejudiquei.”
O nome de Rogério aparece novamente ligado à engenharia militar e a possíveis esquemas em uma manchete de um jornal de uma cidade no interior de São Paulo. “Um falsário está rondando a região de Avaré, diz ser proprietário de uma Fazenda denominada São Francisco de Assis em Arandu, já confirmado que não existe a tal fazenda”, escreveu o veículo.
Indagado pelo Congresso em Foco “Dallasgin” disse que é “este” Rogério Beraldo, dono da empresa de carpintaria – e sim Rogério Ginghinni, um nome que inexiste na base de empresas da Receita Federal e sem vínculo com qualquer empresa existente no país.
O sobrenome “Ginghinni” só começa a aparecer em registros na Internet no final de 2019. As poucas pegadas que “Rogério Ginghinni” deixa fora do Twitter são um abaixo assinado cobrando a perda de direitos do então presidente da Câmara Rodrigo Maia e uma representação movida contra a Fundação Padre Anchieta em São Paulo. A primeira nunca chegou a alcançar a ambiciosa meta. A segunda já negada pelo Ministério Público.
Após a denúncia pública de Humberto Costa, buscamos o contato de Rogério Beraldo, mas o telefone já estava desligado.
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