As agressões, ofensas, ameaças e intimidações contra jornalistas aumentaram 167,85% no Brasil no ano passado, em relação a 2019. A alta foi revelada pelo Relatório Anual de Violações à Liberdade de Expressão (leia a íntegra abaixo), divulgado nesta terça-feira (30) pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Ao todo, foram 150 casos de violência não letal registrados no ano passado, envolvendo pelo menos 189 profissionais da imprensa e veículos de comunicação brasileiros. O levantamento divide os casos em 10 categorias diferentes: ofensas (59), agressões (39), intimidações (25), ameaças (10), atentados (4), censuras (3), ataques e vandalismo (2), detenções (2), e sequestros (1).
As ofensas lideraram os ataques presenciais contra os profissionais, representando 39,3% do total. Esse tipo de violência cresceu 637,5% em relação a 2019, quando foram registrados apenas 8 casos. Já as agressões físicas, em segundo lugar, representaram 26% do total das violências contra esses profissionais, em 2020.
Políticos são principais autores
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No ano passado, foram 25 intimidações registradas contra profissionais da imprensa no Brasil, um aumento de 316,66% em relação a 2019, quando seis casos foram contabilizados. Nessa categoria, foram consideradas invasões durante entradas ao vivo, buzinaços e gritos para intimidar a atuação de jornalistas.
O relatório também destaca que, entre os autores dessas intimidações, 11 são políticos ou ocupantes de cargos públicos. A cobertura política também é o principal alvo desse tipo de ataque, com 15 casos registrados por jornalistas políticos, 7 por jornalistas que cobrem Cidades, e outros três por jornalistas da cobertura de temas gerais.
PublicidadeEm relação às ofensas diretas, que representam 39,3% do total de violências contra os profissionais da imprensa, 47 casos registrados em 2020 tiveram políticos ou ocupantes de cargos públicos como autores. Dos 59 casos desse tipo, 51 (86,4%) foram direcionados a jornalistas que fazem a cobertura política.
Os casos de ameaças contra jornalistas, uma das violências não letais mais praticadas contra a imprensa, dobraram em 2020. Foram 10 ameaças registradas no ano passado, com pelo menos 13 vítimas. De acordo com a Abert, na maioria dos casos os autores falavam em matar os alvos.
O relatório da associação também reconhece que as “múltiplas estratégias mobilizadas em 2020 pelo governo Bolsonaro” contra profissionais da imprensa configuram uma “censura indireta” e contribuem para um ambiente “cada vez mais complexo” para o exercício da profissão.
O nome do presidente Jair Bolsonaro é citado pelo menos 80 vezes na lista de violências contra jornalistas que consta no fim do relatório.
Ataques virtuais
Os ataques virtuais ganharam um capítulo à parte no relatório de 2020, com uma análise própria sobre a descredibilização da imprensa no Brasil. A apuração, em parceria com a Bites, revelou que, em 2020, foram publicados 2,9 milhões de posts negativos sobre a imprensa brasileira, número 9% inferior ao registrado em 2019. Nesse campo, foram consideradas expressões como “golpista”, “lixo”, “parcial”, “canalha” e “grande mídia”.
Apesar da queda nos ataques virtuais, os jornalistas brasileiros foram alvos de quase 6 ataques por minuto em 2020, o que corresponderia a 7,9 mil por dia, segundo o levantamento.
Por outro lado, a mídia em geral passou a ser mais citada, de forma generalizada, em conteúdos nas redes sociais. Ao total, foram produzidos 42 milhões de posts de natureza genérica sobre a mídia no Twitter, Facebook e Instagram. Essa quantidade representa um aumento de 4% em relação a 2019, quando houve 40,3 milhões de menções à imprensa no geral.
“Mesmo diante do papel humanitário da imprensa na pandemia, que precisava trazer as melhores informações para a sociedade, os ataques continuaram sem trégua. A energia utilizada para enfrentar fake news poderia ter sido canalizada para ajudar ainda mais o País no combate à COVID-19. Os negacionistas não permitiram”, disse o diretor da Bites, Manoel Fernandes sobre o relatório.
Sequestros e assassinatos
Pela primeira vez desde que foi lançado, em 2012, o relatório da ABERT registrou um caso de sequestro de jornalistas. O caso ocorreu em outubro do ano passado, em Boa Vista (RR), quando o jornalista Romano dos Anjos, apresentador da TV Imperial, foi rendido em sua própria casa. Ele foi encontrado, no dia seguinte ao sequestro, na periferia rural da cidade.
O relatório também destacou outros dados da organização internacional Repórteres sem Fronteiras (RSF). Segundo a RSF, em todo o mundo, 50 jornalistas foram assassinados em 2020, por motivos relacionados ao exercício da profissão. A associação ressaltou o fato de mais de dois terços das execuções (68%) terem acontecido em países em “situação de paz”, como o México, onde quatro jornalistas foram brutalmente assassinados no ano passado.
Somente na última década, 888 jornalistas foram assassinados no mundo. Desses, 44 eram brasileiros. Em 2020, o jornalista brasileiro Léo Veras foi o único profissional da imprensa executado, em Pedro Juan Caballero, no Paraguai.
Desde que a Abert iniciou o relatório sobre liberdade de expressão, apenas o ano de 2019 não contabilizou assassinatos de jornalistas relacionados ao exercício da profissão.
Entre os países considerados mais seguros para o exercício do jornalismo, a Noruega manteve o primeiro lugar no ranking mundial, seguido pela Finlândia. Já a Eritreia, o Turcomenistão e a Coreia do Norte ficaram nas últimas posições, e foram considerados os piores entre 180 países analisados pelo levantamento da RSF.
Segundo os dados da RSF, o Brasil ocupa atualmente a 107ª posição no ranking mundial de liberdade de imprensa.
Leia a íntegra do relatório:
> Ataques virtuais a veículos e jornalistas aumentaram 140% em 2020