O desabamento dos índices de audiência das principais emissoras de televisão, associado à drástica redução das tiragens dos jornais e revistas, além da queda nos acessos aos portais de notícias, acenderam o sinal vermelho junto os analistas de mídia. Acenderam, não: explodiram o sinal. O fenômeno, que alguns observadores classificam como inédito desde que Guttemberg inventou a imprensa e Philo Farnworthe inventou a TV, não é uma exclusividade brasileira. Mas, por aqui, a situação ganha contornos preocupantes em razão do quadro político/pandêmico que o país atravessa. Tais condições ampliam a dimensão do problema e espraiam seus efeitos por áreas diversas, desde a degradação do gosto musical, por exemplo, até retrocessos nas regras básicas de comportamento e de tolerância. Sem informação de qualidade, a opinião pública se consolida não a partir de princípios de tolerância e democracia, mas de parâmetros distorcidos ou baseados em convicções controversas como, por exemplo, os das religiões fundamentalistas. E foram esses novos formadores de opinião que se apossaram das redes sociais, de onde emergem os atuais protocolos de convivência social e política.
Só pra dar uma ideia, o Jornal Nacional da Rede Globo registrou neste final de 2021 o pior índice de audiência de sua história. Dados da Kantar Ibope Mídia indicam que o JN vai fechar o ano com uma média de 24,4 pontos de audiência, e um “share” (participação no universo de aparelhos ligados), de 37,7%. São números muito fortes, ainda mais quando se observa que, em 2015, o JN enfrentou uma crise que até ali tinha sido a pior. Ela puxou pra 24,7 pontos a sua audiência com 39,7 de “share”. E olha que isso ocorreu há seis anos.
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A explicação para a atual queda da audiência de todos os telejornais, não só o JN, é a migração para plataformas de streaming como Netflix e Amazon Prime. Somada à simples mudança para outros canais (pagos ou abertos). Se fosse só isso ainda dava para se buscar alguma alternativa. Mas não. É crescente o número de leitores e telespectadores que simplesmente abdicaram do direito de se informar. Esses ex-telespectadores e ex-leitores de jornais não assistem hoje a telejornal… algum. Nem leem qualquer jornal. Como outro dia o deputado bolsonarista Bibo Nunes teve a coragem de dizer da tribuna da Câmara, “depois das redes sociais não existe mais razão alguma pra se ler jornal ou assistir telejornais”. Para esse público, Whatsapp, Facebook e Instagram suprem as necessidades de informação.
Os jornais estão fechando
Com a queda nas tiragens, veículos tradicionais que fecharam e se mantêm apenas no meio eletrônico tornaram-se, do ponto de vista do público, apenas uma opção a mais entre milhares de outras de baixa credibilidade que surgem como cogumelos, na forma de radiowebs, blogs “independentes” (valem as aspas) e sites de credibilidade zero. Tudo isso, somado ao fato de que qualquer pessoa, de qualquer formação ou sem formação alguma pode atualmente montar um negócio “jornalístico” pela internet, situação agravada pela extinção da exigência do diploma. Essa situação vem causando o encolhimento das verbas publicitárias com a consequente demissão de profissionais experientes (José Hamilton Ribeiro, Francisco José e Renato Machado, pra ficar em três nomes da Globo) e sua substituição por outros mais jovens ou sem qualquer responsabilidade jornalística, contratados por qualquer salário. Jornais tradicionais que deixaram de circular no impresso e se limitaram ao digital terminaram não conseguindo se manter… nem no digital. Como o Aldrava Cultural, de Ouro Preto. Outros, fecharam tanto o impresso como o digital. Foi o caso do Diário do Povo, de Teresina. E outros mais, como o Diário do Nordeste, ex-líder em circulação no Ceará, que acabou de abandonar as rotativas, tal como antes ocorreu com a Gazeta do Povo (Paraná), o Diário Catarinense (Santa Catarina), A Gazeta (Espírito Santo) e A Cidade (Ribeirão Preto, SP).
O quadro alcança níveis de dramaticidade se considerarmos os conteúdos alternativos que vêm substituindo os produzidos pelos veículos tradicionais. O professor William Robson Cordeiro, da Universidade Federal de Santa Catarina, em artigo publicado no site Meio e Mensagem, assinala: “Na era da exacerbação de informações, fake news e pós-verdade, o jornalismo entra em cena para propor uma curadoria, uma organização em meio à distopia informativa, sustentado por seus notórios pilares da apuração, ética, pluralidade e relevância social”. E é exatamente neste ponto que reside o nó da questão. O abandono pela audiência dos meios tradicionais e sua substituição pelos “alternativos”, onde circulam livremente as informações distorcidas, irrelevantes ou simplesmente mentirosas, hoje enfeixadas sob o neologismo de fake news, vem elevando dramaticamente os níveis de desinformação. Ou, simplesmente, na redução da informação aos conteúdos das “bolhas” de informação exclusiva de uma ou outra linha de pensamento, credo ou ideologia. Trocando em miúdos: na falta da informação plural e minimamente isenta, o que prevalece é a informação de mão única, tendenciosa ou francamente mentirosa. Como vem se fortalecendo rapidamente a ojeriza aos conteúdos que contrariem convicções arraigadas, tanto à esquerda como à direita, o resultado é uma audiência fechada, que usa antolhos, cada qual na sua bolha, impermeável ao contraditório e ao confronto de pontos de vista.
Se a Globo fechar, tudo estará resolvido, né?
Curioso é que ativistas ideológicos à direita e à esquerda debitam na conta da mídia tradicional os problemas políticos que o país enfrenta. Bolsonaristas e lulistas, cada qual no seu polo, criticam a imprensa tradicional. Como se, sem Rede Globo, Folha de S.Paulo, Estadão, Veja, IstoÉ, Rede Bandeirantes etc., todos os problemas do país se resolveriam por um passe de mágica. Esquecem que o espaço eventualmente aberto na ausência deles seria e tem sido ocupado instantaneamente por conteúdos recheados de fake news e de informações manipuladas e turbinadas por robôs, como ficou comprovado na campanha que elegeu Bolsonaro em 2018.
Analistas, estudiosos de mídia e pesquisadores renomados de todas as partes do mundo vêm buscando uma saída. Mas até agora, nada parece ser capaz de frear a derrocada da mídia convencional. Os mais otimistas recusam a expressão “crise de mídia”, e consideram o problema passageiro, sabe-se lá com base em quê. Já os pessimistas entendem que o problema até ultrapassa os contornos de uma crise. O pior é que ainda não se identificaram mecanismos capazes de trazer de volta a fatia gorda da audiência que simplesmente passou a recusar os veículos plurais – vale dizer, os da mídia convencional. Com todos os seus defeitos, e são muitos, o jornalismo tradicional e profissional, aperfeiçoado ao longo de décadas, é o que ainda vem oferecendo garantias mínimas de isenção e compromisso democrático. E é também o que mais vem sendo corroído pela queda de receita, com a consequente redução de investimentos em modernização, e a contratação de mão de obra barata, muitas vezes formada por estagiários ávidos por qualquer colocação, realidade fartamente denunciada pelos diversos sindicatos e associações de classe dos jornalistas.
O ideal seria concluir este artigo com alguma sugestão capaz de indicar algum procedimento capaz de ajudar no enfrentamento do problema. Mas está difícil. A única coisa a sugerir, neste momento, é a sonhada e sempre reivindicada educação para a mídia, preconizada pelas mais reconhecidas autoridades na área de comunicação, especialmente no jornalismo. Que precisa ser urgentemente implementada, e não apenas com adoção de medidas paliativas ou que servem apenas para atender a objetivos políticos, ideológicos ou eleitorais, como já ocorreu e continua a ocorrer. Porque a situação é grave. Isso pra começar a dar resultados daqui a muitos anos! E vale repetir pela milionésima vez: sem imprensa livre e responsável, não há democracia.
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