Melillo Dinis*
O Projeto de Lei nº 191/2020, que trata da mineração e da geração de energia elétrica em terras indígenas, é antagônico e anacrônico. O presidente Jair Bolsonaro continua em seu presidencialismo de colisão, despreza qualquer tipo de articulação e, inconsulto, oferece uma proposta a partir de um diminuto grupo de interesse: os mineradores. É mais uma porta de entrada para a destruição do meio ambiente, dos direitos dos povos originários e das vidas de centenas de milhares de brasileiros que serão vítimas de mais uma agressão.
Do ponto de vista legal, transforma as decisões dos povos indígenas sobre os seus destinos em algo vazio e meramente formal, fazendo da Constituição uma promessa vazia. Não pune os exploradores e estimula os que promovem atividades ilícitas em terras indígenas.
A nossa história nunca foi diferente. Tratamos a natureza e os povos originários com um desprezo e uma violência inimagináveis até para os piores criminosos da humanidade. A Constituição de 1988 havia sido um destes remansos de direitos, muitos deles esquecidos pela não regulamentação.
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Aproveitando-se do silêncio congressual, a atual proposta se propõe a regulamentar a norma constitucional, mas agrava muito uma situação, por si só, complexa e grave: a crise do Estado frente às demandas e aos problemas destas comunidades: invasões e degradações territoriais e ambientais, exploração sexual, conversão forçada por milícias religiosas, aliciamento e uso de drogas, exploração de trabalho, inclusive infantil, mendicância e êxodo desordenado. Na falta de políticas públicas, o melhor é acabar logo de uma vez com as terras indígenas pela ocupação de mineradores e de projetos hidroelétricos.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) vive entre a completa desestruturação e o desatino ideológico, com muito discurso e pouca ação. As experiências exitosas, como as dos Kayapó, com suas tradições, organizações e soluções, são pressionadas permanentemente pela ausência do Estado. Destaco a situação das terras indígenas Baú e Mekrãgnoti na região do sul do Pará, entre os rios Tapajós e Xingu. A construção e o asfaltamento da BR-163 representam décadas de desmatamento, destruição e violência.
O componente indígena no licenciamento ambiental da BR-163 é tratado pela atual administração e especialmente pela FUNAI, como um favor e não um direito conquistado a duras penas por esta etnia, referência global na proteção da floresta e na organização social em defesa do seu modo de vida.
É por isso que o PL 191/2020, além de antagônico, é anacrônico, pois retoma um modelo de apropriação dos destinos dos povos originários já superado por séculos de resistências e conquista de direitos. Desconhece a profunda relação entre economia, ecologia e integridade. Também é anacrônico por não considerar o futuro, este desafio que corre sérios riscos se não garantirmos o equilíbrio socioambiental. Se não houver a participação de vários, muitos sucumbirão e não serão apenas mais os povos indígenas brasileiros.
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