Heitor Scalambrini Costa *
Muito tem sido dito sobre o papel das fontes renováveis de energia (solar, eólicas, hidrelétricas, biomassa) na solução para tornar a matriz energética mundial mais “limpa”, e de mitigar os impactos das mudanças climáticas globais. Todos os vários cenários sobre o futuro da energia no mundo, elaborados por entidades como a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), apontam para o aumento do uso das fontes renováveis.
No Brasil , em particular, não poderia ser diferente, visto ser um país tropical, continental; e ser favorecido com recursos naturais exuberantes como sol, água, ventos, florestas em larga escala. Hoje nosso país, além de outros quatro países no mundo, como a Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Islândia; tem mais de 40% da energia primária utilizada proveniente de fontes renováveis.
As hidrelétricas ainda são as que mais produzem energia, pouco mais de 60% da matriz elétrica nacional. A energia eólica, por sua vez, tem tido um crescimento extraordinário nos últimos anos, com um modelo de expansão baseado em grandes centrais formadas por milhares de aerogeradores, que ocupam grandes áreas de terra (para cada torre a área de serviço é em torno de 1 hectare, além das distâncias entre elas).
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Com grande alarde publicitário a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) divulgou dados de setembro, cuja potência instalada por esta fonte energética, atingiu a mesma potência da maior usina hidrelétrica do país, Itaipu (14,34 GW). O que representa 9% da potência total instalada (160,1 GW). Aumento vertiginoso considerando que em 2011 havia 1 GW implantado no país.
E é no Nordeste que se concentra mais de 80% dos parques eólicos. Hoje são 568 distribuídos em 12 Estados, com mais de 7.000 aerogeradores. A maior preocupação, que ainda é pouco discutida fora dos meios acadêmicos e de movimentos sociais que tratam da questão da terra e meio ambiente, são os enormes prejuízos e danos socioambientais causados pela implantação centralizada destes dispositivos geradores de energia elétrica.
A exploração dos ventos vem se somar aos impactos já causados pela criação de pastos, pelos latifúndios, pela forma extrativista praticada pela população local, pelos impactos da irrigação inadequada. Assim, o bioma caatinga encontra-se ameaçado.
Ao listar os problemas e danos causados pelos “negócios do vento” e seu modelo de expansão predatório, nos defrontamos com a questão da ocupação da terra. De fato os contratos de arrendamento (em sua maioria) acabam expropriando as terras dos posseiros, sobretudo pela longa vigência (35 a 40 anos), com cláusulas de renovação automática, e por meio de restrição ao uso de terras comuns, provocando alterações nas dinâmicas sociais e econômicas locais.
Os danos ambientais são diferentes no que concerne ao local de implantação dos parques eólicos. No caso da zona costeira altera significativamente as características ecológicas e morfológicas desses ecossistemas, especialmente os lacustres, os campos de dunas e os manguezais. Esses ecossistemas são sistematicamente degradados, com desmatamento, supressão de habitat, soterramento, impermeabilização e compactação de dunas, o que tem aumentado os processos de erosão costeira e alterado a dinâmica hídrica das regiões e, consequentemente, a disponibilidade de água doce. No caso da implantação ser no interior afeta diretamente, e principalmente o bioma caatinga com a supressão de vegetação, e diminuição das áreas de cultivo da agricultura familiar.
Outro aspecto diz respeito ao impacto sonoro constante. Um dos principais problemas relatados pelas populações que vivem perto dos parques é o ruído significativo e constante gerado pelo vento que movimenta as pás dos aerogeradores. Além do impacto sobre a avifauna e o impacto visual, cujas pás das turbinas produzem sombras e/ou reflexos móveis que são indesejáveis nas áreas residenciais. As máquinas de grande porte são objetos de muita visibilidade e interferem significativamente nas paisagens naturais; por isso poderia existir restrições à sua instalação em algumas áreas (por exemplo, em áreas turísticas ou áreas de grande beleza natural).
Daí que usinas eólicas que viessem a violar, direta ou indiretamente, as nascentes, os biomas protegidos e o modo de vida dos agricultores e agricultoras familiares deveriam ser rechaçadas, em nome do bem estar e bem viver das pessoas, das áreas turísticas e da proteção e conservação ambiental.
Energia e meio ambiente são temas da maior importância na discussão mundial sobre o aquecimento global. O momento vivido das mudanças climáticas e seus graves efeitos ao povo do semiárido merecem tratamento com mais seriedade e imparcialidade. E não somente como “negócios”.
Essa é mais uma advertência sobre o vem acontecendo com estas grandes obras se alastrando nos últimos anos, e contribuindo para o desmatamento da caatinga, de restingas, resquícios da mata atlântica, vegetação de brejos de altitude. Além de provocar o êxodo forçado do campo, e assim alimentando e agravando o processo de urbanização caótica.
Não se pode mais escamotear os problemas que estão sendo denunciados pelos atingidos e relatados nos trabalhos científicos. Faz se necessário uma ampla revisão da conduta dos órgãos públicos a respeito das inúmeras violações que estão sendo cometidas pelos “negócios do vento”. Lembrando que omitir, retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de investigação é prevaricação. Crime funcional praticado por funcionário público contra a administração pública.
* Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.
Do mesmo autor:
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>> “Negócios do vento” no Nordeste brasileiro: caso a investigar