A Medida Provisória 910/2019, conhecida como MP da Regularização Fundiária ou MP da Grilagem, recebeu da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, uma nota técnica que afirma, em consonância ao que foi analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, se aprovada, a MP trará danos sociais, ambientais e econômicos.
A proposta está pautada em regime de urgência e pode ser votada nos próximos dias, em sessões virtuais por conta das ações de isolamento em razão da pandemia de coronavírus. Na nota encaminhada aos congressistas, a PFDC destaca dados do Acórdão 727, publicado pelo TCU em de 1º de abril. O documento analisa tomada de contas do Programa Terra Legal, no período entre 2009 e 2017, e constata o mau funcionamento do programa e um ambiente de estímulo à grilagem favorecido pela legislação já vigente. Esse é, inclusive, o principal argumento da oposição, de que a MP estimula e legaliza a grilagem de terras.
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A grilagem foi responsável por 35% das áreas desmatadas na floresta Amazônica entre agosto de 2018 e julho de 2019, segundo o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), que analisou os dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) em novembro de 2019.
A grilagem em áreas públicas é uma das principais causas do desmatamento na Amazônia. Segundo André Guimarães, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Ipam, a Amazônia tem 65 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, essas áreas concentraram 23% do desmatamento da Amazônia em 2018.
Em coluna publicada no Congresso em Foco em janeiro, o advogado ambientalista e coordenador de Radar Clima & Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), André Lima, afirmou que a “MP é um enorme estímulo a novas ocupações e desmatamentos ilegais ao confirmar a eterna expectativa de grileiros e posseiros ilegais na Amazônia de que nos próximos anos os prazos serão novamente atualizados pelo governo federal ou Congresso Nacional”.
Acórdão do TCU
Um acórdão do TCU corrobora as análises já apontadas pela PFDC em nota técnica a deputados e senadores, na qual destaca danos sociais, ambientais e econômicos da MP 910. De acordo com o Tribunal de Contas da União, não existe uma fiscalização efetiva da ocupação de áreas na Amazônia Legal, o que acarreta, na prática, perda de receitas públicas, grilagem e desmatamento.
“A exaustiva análise do TCU indica a necessidade de os termos da MP 910 serem analisados não apenas à luz das inconstitucionalidades formais e materiais já abordadas, mas também dos efeitos que a legislação vigente vem acarretando sobre os territórios da Amazônia Legal”, destaca a PFDC.
Para a Procuradoria, a MP da Regularização Fundiária soa como estímulo a novas ilegalidades ao continuar validando crimes ambientais e fundiários. “A despeito de diversas ilegalidades e irregularidades já constatadas, como a proteção deficiente da Amazônia por parte de órgãos federais, a MP 910 facilitaria ainda mais a grilagem, a disposição de recursos públicos, a renúncia de receitas e a ausência de fiscalização”.
A regularização proposta pela MP, inclui assentamentos ocupados até maio de 2014, com área de até 15 módulos fiscais. A medida provisória deveria ser votada em março, quando vários parlamentares pediram vista para debater o texto final.
“A medida provisória não pode ser apreciada durante o quadro de crise sanitária, no qual os ritos legislativos foram tornados mais céleres, independentemente a proposta do relator, para não legitimarmos a grilagem de terra o desmatamento ilegal em detrimento de agricultores familiares e populações tradicionais”, avaliou a líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA).
Presidentes de oito partidos assinaram uma nota conjunta afirmando que “não se pode admitir a votação da MP da Grilagem e do Desmatamento em meio à crise do covid-19″. O documento foi assinado pela Rede, PSB, PV, PSol, PDT, PT, PCdoB e PCB.
Articulação no Congresso
No mesmo sentido das notas do MPF e do TCU, a Frente Parlamentar Ambientalista, coordenada por Rodrigo Agostinho (PSB-SP), está articulando apoios para evitar que a matéria entre em pauta durante a pandemia de covid-19, em sessão remota . Em uma carta aberta assinada por 139 instituições e por dezenas de congressistas, argumenta-se que a MP ” sequer reúne o requisito constitucional de urgência na sua edição” (leia a íntegra aqui).
“Os dirigentes do Poder Legislativo não podem pactuar com proposta que legitima a grilagem e o
desmatamento ilegal e beneficia grandes produtores rurais em detrimento de agricultores familiares e populações tradicionais. No curso da crise da Covid-19, esse prêmio à ilicitude, se confirmado mediante a aprovação da MP 910/2019, assumiria natureza ainda mais criminosa”, argumentam os signatários.
Para relator, crítica é injusta
O senador Irajá (PSD-TO) foi relator da matéria na comissão mista e encaminhou o texto para a Câmara no último dia 6. Questionado sobre o posicionamento da oposição, do MPF e do TCU, que afirmam que se for aprovada a MP 910/2019, ela pode se tornar um incentivo a grilagem de terras, o senador classificou como injusta a crítica, e disse se tratar de “desconhecimento ou má fé diante dos fatos”.
“Não existe no relatório que apresentei na Comissão Mista qualquer tipo de anistia, incentivo ao desmatamento e à grilagem de terras. Avançamos em vários pontos que criam um marco regulatório responsável, com transparência e segurança jurídica, para que os produtores brasileiros possam ter definitivamente o título de suas propriedades”, disse o senador.
“Qualquer incentivo à grilagem ou mesmo qualquer complacência com os grileiros também não foram admitidos no relatório. Rejeitamos por exemplo as emendas que falavam sobre pedidos feitos por procuração. Nesses casos específicos, será exigida a vistoria in loco, porque sabemos que muitos se aproveitam da oportunidade em que há pessoas mais humildes, mais simples, que se fazem representadas, e muitas vezes vão lá e pegam uma carona na lei para poderem regularizar as suas extensões de terras, e isso não é feito para beneficiar aquela pessoa que está com a documentação, mas um terceiro, um laranja, os chamados laranjas”, afirmou Irajá.
A MP ampliou o público alvo dos benefícios da regularização fundiária de que trata a Lei nº 11.952, de 2009, permitindo que incida sobre terras ocupadas até 5 de maio de 2014, quando o texto até então vigente se referia a ocupações até 22 de julho de 2008.
O senador afirma que apenas optou por acatar emendas que facilitavam a “simplificação, a desburocratização, mas com transparência, com todo o rigor da lei, com segurança jurídica, com responsabilidade”. Para ele, o texto cria a condição de que os produtores possam efetivamente titular as suas terras. “Porque todos nós aqui sabemos que esse é o maior entrave, é a maior dificuldade desses produtores brasileiros”, disse.
Quando questionado qual é o benefício que a MP traz para a população, o senador afirmou que as regras por ela trazidas, modernizam o processo de regularização de terras. Segundo Irajá, ela é uma “boa lei para 99% das famílias brasileiras, para os produtores brasileiros, as pessoas que geram emprego, as pessoas que geram renda, as pessoas que estão há 20, 30, 40 anos dentro de uma área e sequer têm um documento, um título que reconheça a sua posse”.
O senador acredita que o texto será votado ainda durante a pandemia de coronavírus. “Estou em contato com o presidente da Câmara e com a ministra Tereza [Cristina, da Agricultura] para que o texto seja votado o mais breve possível para que tenhamos tempo de votar também no plenário do Senado. Eu me esforcei ao máximo para que a gente produzisse um bom trabalho, um trabalho propositivo, responsável, equilibrado, para que nós pudéssemos corresponder à expectativa de milhões de produtores”, afirmou.
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