Claudio Sales e Alexandre Uhlig*
O licenciamento ambiental está na pauta prioritária do próximo governo e o projeto de lei que o regulamenta (PL 3.729/04) deverá ir ao plenário da Câmara logo no início da legislatura 2019. Embora traga pontos controversos, o PL avança em outros e para avalia-lo é importante entender como o processo de licenciamento surgiu, como evoluiu e o que precisa ser aprimorado.
As primeiras experiências de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no Brasil aconteceram no setor elétrico brasileiro. No início dos anos 1970, antes mesmo da formalização dos procedimentos legais que viriam a institucionalizar o licenciamento ambiental no país, as obras de implantação das usinas hidrelétricas de Sobradinho e Tucuruí foram precedidas de EIAs.
À época, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), responsáveis pelo financiamento destes empreendimentos, determinaram a elaboração do estudo como condição para a liberação dos recursos financeiros almejados pelo governo brasileiro.
Do ponto de vista formal, no entanto, o licenciamento ambiental começou a ser incorporado ao arcabouço normativo do país alguns anos após o início das obras das hidrelétricas de Sobradinho e Tucuruí. O marco inicial é de 1980, quando a lei nº 6.803 passou a obrigar a apresentação de “estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto” previamente à construção de polos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares.
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No ano seguinte, foi promulgada a Lei nº 6.938, que estabelece o “licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Art. 9º, parágrafo IV).
A incorporação definitiva do licenciamento ambiental ao processo de implementação de atividades modificadoras do meio ambiente foi observada apenas em 1986, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) editou a Resolução 001. De acordo com ela, “dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente (…)” (Art. 2º).
Por fim, a própria Constituição Federal, no artigo 225º, passou, a partir de 1988, a fazer referência específica à necessidade de elaboração de EIA em etapa prévia à “instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”.
A partir deste período, até os dias atuais, o licenciamento ambiental vem passando por um contínuo processo de amadurecimento. A avaliação da viabilidade socioambiental dos empreendimentos licenciados passou a ocorrer com maior diversidade de análises e a participação cada vez mais ativa de um crescente conjunto de órgãos públicos como, por exemplo: o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); a Fundação Nacional do Índio (Funai); o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); e a Fundação Cultural Palmares. Estas transformações culminaram na ampliação das dimensões técnica e burocrática do licenciamento ambiental.
Paralelamente, a crescente valorização da temática socioambiental motivou o maior envolvimento de instituições como o Ministério Público (MP) e Organizações não Governamentais (ONGs) ao longo do licenciamento de empreendimentos de grande porte, entre os quais os de infraestrutura elétrica.
As modificações pelas quais o licenciamento ambiental tem passado, e o natural acúmulo de conhecimento gerado a partir da elaboração de inúmeros estudos de impacto ambiental ao longo dos anos, resultaram no aperfeiçoamento das práticas de prevenção, mitigação e compensação dos impactos decorrentes da instalação e operação dos empreendimentos submetidos a este procedimento, ampliando a capacidade de o poder público assegurar a preservação dos recursos naturais do país.
Entretanto, apesar da relevância do licenciamento ambiental para a implantação de projetos de infraestrutura, esse processo é visto como um fator de incerteza que agrega risco ao cronograma e ao equilíbrio econômico-financeiro dos empreendimentos de geração e transmissão de eletricidade.
Os impactos advindos da imprevisibilidade que hoje caracteriza o licenciamento ambiental alcançam todos os agentes do setor elétrico. Do ponto de vista das empresas geradoras e transmissoras de eletricidade, atrasos na implementação de projetos podem expô-las a circunstâncias que acarretam aumento do custo total do projeto, como mudanças nas condições de financiamento, de disponibilidade de material e de descasamento cambial, por exemplo. Além disso, o descumprimento do prazo de início da operação comercial, além de postergar a fase de geração de receita do empreendimento, torna os responsáveis pelos projetos alvos de sanções administrativas, conforme estabelecido nos contratos de concessão e autorização celebrados com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Se, em um primeiro momento, os efeitos adversos desta conjuntura parecem incidir exclusivamente sobre o empreendedor, no longo prazo os riscos são gradativamente incorporados aos preços praticados no setor, afetando, em última instância, o valor da eletricidade ofertada ao consumidor final.
A frustração da expectativa de expansão da oferta de eletricidade – expectativa expressa nos documentos oficiais de planejamento setorial – implica a necessidade de adoção de estratégias alternativas para manter os parâmetros de segurança operacional do sistema elétrico nos níveis pretendidos. Em muitos casos, isto significa lançar mão de usinas menos favoráveis do ponto de vista de requisitos socioambientais e/ou de custo de geração para atendimento da demanda, com impactos diretos, novamente, sobre o consumidor final.
Por fim, as próprias medidas de proteção socioambiental podem ser prejudicadas pelos atrasos no licenciamento ambiental. Por exemplo, em um contexto de baixa previsibilidade quanto ao início das obras de um determinado empreendimento, comunidades próximas ao empreendimento ficam expostas a uma situação de incerteza ao não saberem, detalhadamente, quando dar-se-á o início do processo de desapropriação de imóveis e recebimento de medidas compensatórias. Em outros casos, tais circunstâncias causam aumento da pressão sobre os recursos naturais locais, como remanescentes florestais.
A percepção de que a ineficiência deste instrumento tem se tornado um obstáculo para a conciliação entre o desenvolvimento socioeconômico do país com a proteção dos seus atributos socioambientais produz um quadro de insatisfação generalizada em relação ao licenciamento ambiental.
A segunda e última parte deste artigo apresentará sugestões de aprimoramento para o processo de licenciamento ambiental, buscando torná-lo mais eficiente e transparente.
Claudio Sales e Alexandre Uhlig, são do Instituto Acende Brasil, think tank que desenvolve estudos e análises para aumentar o grau de transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro. Saiba mais sobre o Instituto e o tema no White Paper #21 “Licenciamento Ambiental: Equilíbrio entre a Precaução e Eficiência”
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