Em plena quarentena, e quarenta anos depois do lançamento do premiado livro Os Carbonários, o escritor, jornalista e ex-deputado Alfredo Sirkis prepara o lançamento virtual de Descarbonário, obra em que aborda a crise climática e faz um balanço da política brasileira nos últimos 20 anos, com análise dos acontecimentos recentes da história nacional que levaram à situação atual que o país enfrenta.
“O Descarbonário não representa o contrário do Carbonários, mas tem a ver com a noção de descarbonização da atmosfera como forma de combater as mudanças climáticas. Mas, ao mesmo tempo, ele está dentro de todo um contexto”, afirma Sirkis. Esse pano de fundo envolve a história do Partido Verde (PV), que o autor ajudou a fundar, as vivências no Congresso, onde conviveu por quatro anos com o então deputado federal Jair Bolsonaro, e as conferências do clima em diversos países do mundo, que conta com passagens anedóticas da gelada Montreal à quente e úmida Bali.
Finalizado antes da pandemia do novo coronavírus, o livro trata de temas cuja discussão continua premente, como o negacionismo climático e a inércia dos atores políticos. “A recessão causada pela pandemia da covid-19 certamente reduzirá as emissões de CO2 por queima de combustível fóssil, em 2020”, avalia o autor.
Economia pós-coronavírus
No auge do confinamento, em abril, as emissões de carbono e de outros gases de efeito-estufa caíram 17%, segundo a revista científica Nature Climate Change. Trata-se do menor índice mundial atingido desde 2006. O estudo, publicado em maio, também estima que o confinamento pode representar uma redução de 4% nas emissões globais de carbono em 2020, caso as medidas de isolamento durem até a metade de junho, e de 7%, se algumas restrições persistirem até o final do ano.
No caso brasileiro, apesar da redução de 25% das emissões de carbono, os números não são tão promissores quando se analisam os índices de desmatamento, que é historicamente a principal causa das emissões no país. Comparando abril de 2020 com o mesmo mês do ano anterior, ocorreu um aumento de desmatamento na Amazônia de 64%.
Publicidade“Obviamente a recessão diminui as emissões e a poluição, mas ela não é o instrumento adequado porque logo depois de uma recessão elas tendem a aumentar, com um rebote até mais forte, como o que aconteceu na crise de 2008/2009. Como fazer um desenvolvimento econômico, uma retomada econômica que realmente seja verde, que seja sustentável?”, levanta Sirkis. A possibilidade de um rebote após o momento mais crítico da covid-19 é algo apontado por diversos especialistas, o que os leva a olhar os dados com ressalvas.
Apontando para o período pós-coronavírus, Sirkis avalia que, sim, o consumo será reduzido, especialmente se houver uma perda significativa do poder aquisitivo das famílias, e pondera que as relações de consumo não precisam implicar em desperdício.
“Poder haver uma economia circular que reaproveite as coisas até porque os recursos naturais estão sendo esgotados. São novas formas de ver a atividade econômica, de ver a questão do consumo, novas formas de ver a própria questão climática, ambiental que deverão ser assumidas muito rapidamente, sobretudo pela juventude”, diz ele.
No livro, o autor dialoga e polemiza com a corrente dos colapsologistas, para os quais o colapso climático é inevitável e as próximas gerações estão condenadas a elevações de temperatura irreversíveis. Em que pese os dados consistentes apresentados por esses pesquisadores, Sirkis defende a necessidade de uma revolução cultural e financeira, com uma nova economia e mudanças no valor financeiro. “Acredito numa possibilidade, ainda, de transformação dessa realidade”, afirma.
Para tanto, Sirkis defende um mecanismo de financiamento da descarbonização produtiva na qual a redução ou remoção do carbono da atmosfera – o menos-carbono – seja o “novo ouro” e uma fonte de valor econômico. “O menos-carbono passa a ser considerado um valor econômico intrínseco”, avalia.
O autor acredita que o Brasil possui vantagens competitivas e está preparado para enfrentar esse momento, apesar do governo, que age com base no negacionismo climático e em conceitos anticientíficos. “Esse governo odeia o meio ambiente, está desmantelando 40 anos de construção ambiental no Brasil”, critica.
Crítico ao governo Bolsonaro, o escritor afirma que não ter otimismo a respeito da agenda ambiental que está sendo implementada desde 2019. “É um governo de destruição proposital do meio ambiente.” Para ele, a chave do desenvolvimento sustentável no país está na Federação, com trabalho articulado com estados e municípios. Ao apontar caminhos e ações de sustentabilidade e recuperação econômica, o livro se mantém atual neste momento em que a retomada das atividades após a pandemia ainda é uma interrogação.
Serviço
Descarbonários, de Alfredo Sirkis
Data de lançamento: 18 de junho
Raio-x
Alfredo Sirkis, 69, é carioca, escritor, jornalista, gestor ambiental e ex-deputado federal, tendo presidido a Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional. Foi secretário de Urbanismo (2001-2006), de Meio Ambiente (1993-1996), vereador de quatro mandatos da cidade do Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores do Partido Verde (PV) e seu presidente nacional, entre 1991 e
1999. Candidatou-se a presidente nas eleições de 1998, no que chama de “campanha quixotesca”.
Participou do movimento estudantil de 1968 e, depois, da resistência à ditadura. Em 1971, foi para o exílio. Morou na França, no Chile, na Argentina e em Portugal. Começou sua carreira de jornalista em 1972, em Paris, no jornal Libération, fundado por Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Foi correspondente no Chile durante o golpe contra o governo de Salvador Allende, e, na Argentina, em 1974. Depois residiu em Portugal, trabalhando como jornalista.
De volta ao Brasil com a anistia, em dezembro de 1979, lançou o livro Os carbonários, que se tornou um best-seller e recebeu o Prêmio Jabuti de 1981. No Brasil, trabalhou como repórter nas revistas Veja e Istoé, e foi colunista o Jornal do Brasil. Escreveu outros sete livros, além de roteiros para a série Teletema da TV Globo e colaborações para os jornais Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Valor Econômico e O Globo.