Em vigor há quase sete anos no país, o novo Código Florestal é alvo de medidas que buscam alterá-lo no Congresso, tanto por meio de projetos de lei de autoria de parlamentares quanto pelas mãos do Executivo, via medida provisória (MP).
Para o movimento Coalizão Brasil, um grupo que reúne mais de 190 entidades do agronegócio, do setor florestal e da academia, as propostas têm potencial para enfraquecer o código (Lei 12.651/2012), que, segundo as instituições, começava a consolidar avanços na proteção de matas nativas aliada à produção agropecuária, depois de patinar nos primeiros anos em vigor.
O movimento cita, entre outras questões, um projeto de lei em tramitação no Senado (PL 2362/19) que extingue, no código, a reserva legal, parcela de mata nativa que os proprietários rurais devem preservar, em percentual que varia conforme a região. Pela proposta, os donos de terras seriam obrigados a manter apenas as Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios e encostas de morros.
Outra preocupação dos ambientalistas é com uma medida provisória editada ainda no governo do ex-presidente Michel Temer. A MP 867/18, que é analisada por uma comissão mista no Congresso, prolonga, mais uma vez, o prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), instrumento pelo qual o proprietário regulariza a situação de sua terra mediante um plano de recuperação de áreas desmatadas ou compensação pelas irregularidades passadas.
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Ambientalistas veem problemas em mais uma prorrogação (que seria leniente com aqueles que cumprem a lei), e também alertam para “jabutis” colocados por congressistas no texto da MP, por meio de emendas ao texto.
“Hoje o Código Florestal cria um ambiente de negócios nas áreas rurais. Precisamos de uma arquitetura legal que seja crível para fazer investimentos. O primeiro risco que nos temos é de fragilizar esse ambiente de negócios, o que pode prejudicar a vinda de capitais abertura de novos mercados. Isso já é um problema”, diz André Guimarães, líder da Coalizão e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
PublicidadeO ambientalista alerta, também, que o futuro da produtividade rural do país pode estar em risco. “Hoje temos mais de 90% da nossa agricultura dependendo de chuva. E o excesso de desmatamento, que pode ser acarretado por uma fragilização do Código Florestal, pode causar uma alteração climática local, desorganizar as chuvas e, em última instância, atrapalhar a produção”, explica Guimarães.
“E o terceiro problema é ecológico”, complementa. “Com o avanço do desmatamento, vamos ter perda de serviços ambientais e de biodiversidade. Mexer com algo que fragilmente está funcionando, como o Código Florestal, é, ao meu ver, dar um tiro no pé do nosso futuro”, finaliza o ambientalista.
Veja a íntegra da nota da Coalizão Brasil:
Código Florestal: é hora de implementar, não de modificar
Foram quase cinco anos de intensas discussões sobre a legislação que o Brasil precisa ter para conciliar a produção agropecuária com a proteção da vegetação nativa. O processo que resultou na aprovação do novo Código Florestal, em 2012 (Lei Federal 12651/12), foi um dos mais intensos debates já realizados no Congresso brasileiro, com grande mobilização e participação dos diferentes grupos de interesse.
Passados sete anos desde a sua promulgação, o Código Florestal já alcançou resultados importantes, como os mais de 4 milhões de registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR), equivalentes a quase 100% das áreas cadastráveis, formando um dos mais relevantes sistemas de informações geográficas do planeta relacionado ao uso e ocupação da terra.
No entanto, um cenário constante de insegurança jurídica impede que os avanços sejam maiores. Até o ano passado, o prazo para registro no CAR foi adiado quatro vezes consecutivas, provocando um atraso de cerca de 4 anos na conclusão da fase de cadastro. Uma das consequências é a baixa adesão aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), etapa na qual os produtores apresentam seus planos para solucionar o passivo ambiental identificado.
Em dezembro de 2018, com o fim das sucessivas prorrogações do prazo para inscrição no CAR, esperava-se que a segurança jurídica necessária para que se pudesse avançar para a etapa de regularização estivesse instalada. No entanto, uma série de Projetos de Lei e Medidas Provisórias tem sido apresentada no Congresso, visando alterar dispositivos essenciais para a implementação do Código Florestal. Essas iniciativas mantêm o clima de insegurança jurídica e prejudicam os esforços de implementação da lei.
Entre os mais de 190 membros da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne representantes do agronegócio, do setor florestal, das entidades de defesa do meio ambiente e da academia, há um claro consenso: a implementação do Código Florestal, em sua atual configuração, é o primeiro passo para fortalecer a produção agropecuária e, ao mesmo tempo, a conservação ambiental no país. Esse momento chegou e não pode mais ser adiado.
A implementação do Código Florestal faz parte também de um conjunto de medidas de combate ao desmatamento ilegal e representa uma forma de valorizar os esforços dos produtores rurais que cumprem a lei e sofrem com a desleal concorrência dos infratores. Grande parte do desmatamento na Amazônia é de origem ilegal. Combater a ilegalidade deve ser a prioridade de qualquer governo. Fortalecer o agro legal contribui para a imagem do setor no exterior, garantindo acesso aos mercados internacionais mais exigentes.
O cruzamento de dados da base fundiária com os dados de cobertura e uso do solo do Brasil nos mostra que o país possui a segunda maior área florestal do planeta. Um terço da área de vegetação nativa do país encontra-se em propriedades privadas, devido à exigência legal de manutenção das áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente e a excedentes mantidos por alguns produtores rurais acima do percentual exigido pela lei.
Ao mesmo tempo, o Brasil possui a terceira maior área de produção agropecuária do mundo. Tanto os especialistas no tema quanto o próprio Ministério da Agricultura concordam que não há mais necessidade de conversão de vegetação nativa em áreas de produção agrícola ou pecuária.
O setor agrícola é o principal beneficiário da conservação, uma vez que sua produtividade é altamente dependente das condições climáticas. As florestas atuam como “regador” da agricultura brasileira. Além da água, há inúmeros outros serviços ecossistêmicos, como a polinização dos cultivos, que beneficiam diretamente a agricultura.
Por fim, a implementação do Código Florestal é decisiva para o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris. A Coalizão Brasil já destacou os ganhos que o país tem ao permanecer no Acordo de Paris, tendo em vista o seu protagonismo histórico no tema.
É imperativo fazer valer a lei, não podemos perder tempo com novas modificações em seus dispositivos. Por isso, a Coalizão Brasil recomenda ao Congresso Nacional e ao governo brasileiro que concentrem seus esforços nos próximos passos necessários para a efetiva implementação do Código Florestal. Direcionar recursos para agilizar a validação do CAR, avançar na regulamentação dos PRAs, implantar os instrumentos necessários que criarão demanda real para as Cotas de Reserva Ambiental (CRA) e regulamentar o artigo que trata dos incentivos econômicos para a proteção da vegetação nativa, incluindo pagamentos por serviços ambientais e a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, são algumas das ações que precisam ser implementadas em caráter de urgência.
O Código Florestal é instrumento essencial para a sustentabilidade do agronegócio, para o desenvolvimento do país e para o bem-estar de todos os brasileiros. Sua efetiva implementação não pode mais esperar.