“Robustecer a ambição”, “considerar mitigação e adaptação, dois lados da mesma moeda”, “intensificar reduções legalmente vinculantes e desenvolver novas tecnologias limpas”, “promover a equidade” – é inesgotável a lista das boas intenções nos discursos dos representantes dos 193 governos que agora iniciam o processo de negociação de um novo acordo do clima a ser assinado em Paris, em 2015, na COP 21 – a COP 19, esse ano será em Varsóvia e a COP 20, em 2014, ainda está sendo disputada entre Lima e Caracas – e que entraria em vigor em 2021.
Numa reunião “não deliberativa” da UNFCCC como foi a que assisti, em Bonn, de 29 de abril a 3 de maio, com pouca mídia, era de se esperar ideias novas para refletir mais “audácia” e “ambição”, mas de fato a maioria dos discursos lidos pelos representantes dos governos manteve aquele padrão de “marcar posição”.
Ainda assim há certos indícios sutis de progresso: todos já se referem ao possível acordo de 2015 como “legalmente vinculante” (legaly binding) e há uma aceitação geral de que conceito de obrigações comuns mas diferenciadas, em onuês a sigla CBDR – common but diferentiated responsabilities – devem se manter com adaptações. Todos falam de mecanismos novos para a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento.
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O elefante no salão é que, evidentemente, todos sabem – mas ninguém admite – que o acordo de 2015 não produzirá uma situação de natureza a cortar as emissões de GEE na drástica medida necessária para manter a concentração de GEE na atmosfera em 450 ppm e a elevação da temperatura abaixo de 2 graus. O segredo de polichinelo é que o sistema ONU é simplesmente incapaz de produzir isso simplesmente porque é um foro demasiado disfuncional para tanto. Depende do consenso de 193 países o que sabemos ser inviável em relação a qualquer meta que implique numa severa distribuição de sacrifícios.
Por outro lado, não seriam necessários todos os 193 países, nem sequer 20. Uns sete ou oito dos maiores emissores já seriam suficientes para atacar o problema com eficácia caso houvesse vontade política para tanto e um contexto econômico e tecnológico soprando ventos a favor. Só a China e os EUA já respondem por 40% das emissões. Com União Europeia, Japão, Brasil e mais um punhado de países seria possível chegar lá.
As COP (Conferências das Partes) da UNFCCC são o mais amplo denominador mínimo comum. É evidente que quanto mais avançado seu consenso, melhor. No entanto, vai ser necessário complementar essas negociações com outras em formatos de negociação de geometria variável tratando de diferentes aspectos para obter compromissos, concertações e acertos bi-laterais ou multilaterais, capazes de fazer avançar as coisas no mundo real.
Nos fóruns da ONU a questão muitas vezes é mais ganhar a discussão e não obter algum acordo viável. O grupo que o Brasil faz parte, o G 77 + China, que acaba sendo majoritário nessas reuniões, de fato “ganha” as discussões em suas polarizações com o mundo desenvolvido. É possível provar com facilidade as responsabilidades históricas dos países industrializados. Se considerarmos o fator tempo de permanência na atmosfera das emissões feitas desde o inicio da era industrial é fácil sustentar uma responsabilidade ainda maior destes. Ainda haveria que considerar que parte das reduções de emissão logrados desde 1997 pelos países do anexo 1 do Protocolo de Kyoto (Europa e Japão) – talvez um quarto – se deva à “deslocalização” de atividades emissoras. Um bom exemplo disso é a CSA- Tysen Krupp alemã que em carga plena emitirá em Santa Cruz 12 vezes mais que todas as outras industrias do município do Rio de Janeiro. Um caso típico do que em jargão onuês se chama carbono leakage, que se pode traduzir por “vazamento de carbono”, pois para o aquecimento global tanto faz para o planeta se as emissões de CO2 ou metano sejam feitas no Ruhr, em Shanghai ou em Santa Cruz.
Então estamos cheios de razão nas polêmicas dos foros climáticos da UNFCCC. Mas se consideramos a tese “politicamente correta” de que devemos com base a emissões históricas e emissões per capita dividir um “orçamento de carbono” onde os países desenvolvidos teriam que promover reduções fortíssimas no agregado enquanto os em crescimento apenas reduzir sua “intensidade de carbono” – a quantidade que emitem por ponto percentual do PIB – diminuindo-as não em absoluto mas em relação a chamada curva “business as usual”, a conta simplesmente não fecha. Manter a concentração de GEE abaixo de 450 ppm não depende de emissões per cápita nem emissões históricas mas de emissões no agregado, em quantidades absolutas e atualmente o grande emissor é a China. Ela sabe disso e sabe também que com relativamente pouca água e poucas terras agrícolas em proporção ao território é um dos países mais vulneráveis.
Os EUA por influência – talvez apenas conjuntural — do gás de xisto (shale gas) a preços competitivos substituindo o carvão, diminuiram suas emissões no agregado nos últimos três anos e estão perto de conseguir a redução de 17%, em relação a 2005, prometida por Obama em Copenhagen, em 2007. Mas essa redução teria se ser pelo menos duas vezes maior. A resistência política nos EUA, por parte dos republicanos e do negacionismo é poderosa e, de certa forma, é mais fácil os EUA cortarem as emissões, de fato, do que assinar um acordo internacional na ONU comprometendo-se formalmente a fazê-lo.
Então ganharemos a discussão na ONU mas não conseguiremos que os países desenvolvidos aceitem ser os únicos a cortar no agregado. Vai ser necessário que os grandes emissores em desenvolvimento: China, India, Brasil, Rússia, Irã, México, Africa do Sul, Venezuela etc. se coloquem diante desse desafio. Desses todos, apenas o Brasil com sua redução de 38% contra a curva Business as Usual, tomando o ano base 2005, consegue uma pequena redução no agregado (algo próximo de 7% em relação a 1990). Isso significa que não deve haver mais CBDR? Na minha opinião as responsabilidades continuam “diferenciadas” mas essa diferenciação deve migrar da mitigação para o financiamento que deveria ser de acordo com as emissões históricas e as per capita. Também disso os países desenvolvidos fogem como o diabo da cruz. Os EUA não aceitam sequer a discussão de “responsabilidades históricas”. Alguns de seus especialistas confrontados com o problema querem transcender a era industrial e calcular as emissões dos arrozais chineses ao longos dos milênios…
Tudo isso indica que simplesmente não basta “ganhar a discussão”; é preciso “combinar com os russos” um acordo político e, sobretudo, articular globalmente um novo contexto econômico e tecnológico que inaugure um ciclo virtuoso do baixo carbono. Daí a importância dos cinco pontos de economia de baixo carbônio levantados pelo Rio/Clima (taxar o carbono eliminando subsídios para combustíveis fósseis com as devidas compensações sociais; promover um Bretton Woods do baixo carbono; um New Deal verde internacional com grande investimento público em energias limpas e reconhecer valor econômico aos serviços prestados pelos ecossistemas) bem como a necessidade de multiplicar instâncias de negociação e formatos de acordos para além do denominador comum mínimo do processo UNFCCC/COP. O Clima precisa entrar na pauta do G 20, do Conselho de Segurança da ONU, da OMC, da FAO e de outros formatos de negociação alguns bi e outros multilaterais onde países se articulem entre si, com o setor privado, instituições multilaterais e o poder local, para poder avançar.
No entanto, o foro da UNFCCC continua a ter um papel fundamental. Seus trabalhos agora foram divididos em duas dinâmicas batizadas de Stream 1 e Stream 2. A um é o formato negociador habitual que objetiva chegar a um acordo internacional consensuado por 193 governos, em Paris 2015. A 2 seria uma dinâmica descompromissada onde coubessem vários tipos de “combinações” entre os governos e com outros atores. Esse parece mais promissor dentro da ótica que venho sustentando e que vejo cada vez mais gente apoiar. Em ambas dinâmicas o Brasil joga um papel fundamental pois é, de fato, o país que mais vem reduzido emissões no último período e o que tem melhores condições de diálogo com todo o espectro de posicionamentos existentes. O Brasil praticamente lidera o G 77 + China e tem um bom diálogo com a UE e os EUA.
A reunião de Bonn, no entanto, concluiu-se com pelo menos um evidente fracasso. O segundo encontro preparatório para avançar o processo rumo a 2015, em onuês o Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action, apelido ADP, previsto para esse ano, em junho, foi desmarcado por falta de verba para sua realização. Isso lança luz sobre uma limitação escandalosa do sistema da UNFCCC: na verdade para o conjunto de negociações cruciais que compõe diversas linhas de negociação do clima, ele dispõe de apenas 25 dias por ano! Isso é patentemente insuficiente e diversos especialistas profundos conhecedores do sistema ONU propõem que a negociação do clima se transforme numa atividade permanente, ao logo do ano, realizada lá onde a ONU dispõe de uma forte infraestrutura instalada para tanto: Genebra. A UNFCCC manteria seu secretariado em Bonn mas promoveria a negociação climática em várias grupos funcionando quase ininterruptamente, em Genebra. Isso sem prejuízo daquelas outras instancias negociadoras novas que mencionei acima.
Vamos às coisas práticas:
1) Penso propor às comissões de Relações Exteriores e a de Mudanças Climáticas do Congresso brasileiro uma moção propondo à UNFCCC o funcionamento permanente das negociações do clima em Genebra. Isso dará ao Itamaraty cobertura para fazer essa proposta como fruto de uma sugestão vinda da esfera não-governamental.
2) O Rio Clima – The Rio Climate Challenge 2013, a ser realizado no Rio, em outubro, será dedicado a Economia de Baixo Carbono – como gerar um ciclo virtuoso e deverá aprofundar as 5 recomendações feitas para a Rio + 20.
3) Estive em Bonn com o secretario geral do ICLEI Gino de Beguin e eles concordam em desenvolver junto com o Rio/Clima – The Rio Climate Challenge o concurso de design para o totem urbano de 450 ppm e sua colocação em cidades de todo o mundo.