Renata Camargo
Sob protesto de ambientalistas, os ruralistas prometem acelerar no Congresso mudanças profundas na legislação ambiental. Certa de que o ritmo do Congresso este ano será menor por causa das eleições, a bancada ligada ao setor agropecuário passou o período de recesso organizando-se para modificar pontos estratégicos da legislação a fim de evitar que o ônus ambiental recaia sobre os produtores. Eles querem se aproveitar do fato de que já se organizaram previamente para, em 90 dias, alterar pontos polêmicos do Código Florestal. Será, segundo os próprios ruralistas, um ritmo de mudanças a “toque de caixa”.
Os ruralistas querem afrouxar regras do Código Florestal que, a despeito de proteger o ambiente, na sua opinião impedem a produção. Eles querem, por exemplo, retirar da lei a exigência de recomposição das áreas desmatadas para a consolidação das áreas de produção já existentes. Querem ainda descentralizar a legislação ambiental, permitindo que estados e municípios tenham regras próprias diferentes das regras da União para coisas como o tamanho das áreas de preservação nas margens dos rios. Os ruralistas defendem que sejam criadas reservas ambientais em biomas, e não mais áreas preservadas em cada propriedade.
“Se o Congresso tiver a coragem de fazer as mudanças, isso não vai ser difícil. Ano que vem, vai ter eleições e as pessoas vão querer saber de que lado os deputados e senadores estão. Precisamos estar do lado do conhecimento científico, sem paixões e achismos”, defende o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).
Três propostas devem concentrar as atenções neste primeiro semestre no Congresso, na avaliação dos ruralistas. A principal será o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que será elaborado na comissão especial de mudança do Código Florestal na Câmara. Também deve voltar ao debate o projeto conhecido como PL da Anistia, que propõe a consolidação das áreas agricultáveis, sem recomposição das matas degradadas.
A ‘toque de caixa’
E o terceiro foco será o PLP 12/2003, aprovado em dezembro na Câmara, e que será apreciado pelo Senado. Ele é um exemplo do empenho da bancada ruralista em agilizar votações estratégicas para o setor. A proposta é antiga na Casa, data de 2003. O projeto, que fixa as normas de competência e cooperações entre entes da Federação, era uma das prioridades de ambientalistas no Congresso.
Em dezembro, no entanto, o PL foi aprovado na Câmara com emendas que contrariaram os interesses verdes. Uma delas restringiu ao órgão licenciador a competência de autuar por danos ambientais. Ecologistas afirmam que a emenda retira funções do Ibama, que fica impossibilitado de multar quando o órgão licenciador for estadual ou municipal.
“Colocaram isso para se livrarem de autuações do Ibama. Quando foi proposto pelo Sarney Filho [PV-MA], o projeto tinha como objetivo criar condições de cooperação entre entes federativos. Mas uma parte essencial dele se perdeu. Talvez o Senado possa recuperar a dimensão da cooperação e retirar pontos colocados de última hora”, avalia o coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), Raul do Valle.
Os defensores do projeto argumentam que a possibilidade de mais de um órgão ambiental aplicar sanções pode provocar ações na Justiça por competências concorrentes. Segundo o senador Gilberto Goellner (DEM-MT), a intenção da bancada é aprovar o texto “a toque de caixa”, sem muito debate, para poder manter a redação da Câmara sem alterações.
“Eu sou favorável a aprovação do projeto como veio da Câmara. Já requeri a relatoria do mesmo na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Precisamos ter convencimento das lideranças para que a gente aprove esse projeto a toque de caixa, com o texto que veio da Câmara. Precisamos flexibilizar a legislação de tal forma que os estados possam executar seus próprios planos de legalização dos imóveis”, considerou o senador Goellner.
Ajuda do governo
Por sua parte, os deputados ligados às causas ambientais também organizam-se para evitar o “tratoraço” planejado pelos ruralistas. Parlamentares que defendem interesses ambientais apostam em articulações junto ao governo para evitar mudanças drásticas. A tática, porém, pode dar errado: o governo também demonstra interesse em flexibilizar algumas regras ambientais para facilitar processos como o licenciamento de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“A liderança do governo ignorou, mostrando que o meio ambiente não tem importância para o governo. Fontana, interessado na aprovação do pré-sal, permitiu que essa proposta passasse, mesmo sob protesto do próprio Ministério do Meio Ambiente. Enquanto isso, Lula fazia discurso em Copenhague”, acusa o líder do PV na Câmara, deputado Edson Duarte (BA), se referindo ao líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).
Mesmo assim, os ambientalistas ainda apostam na sensibilidade do presidente Lula. Segundo Edson Duarte, uma das estratégias ambientalistas será buscar o apoio de Lula para que ele vete pontos contrários aos interesses ambientais aprovados no Congresso. O líder do PV aposta que este ano o governo será mais cauteloso em relação a temas ambientais, devido à presença da ex-ministra do Meio Ambiente e senadora Marina Silva (PV-AC) na corrida eleitoral pela Presidência da República.
“Espero que o governo brasileiro não negligencie o tema e que tenha sensatez de perceber que será impossível cumprir as metas propostas em Copenhague se a legislação for flexibilizada”, considerou o líder do PV. “A presença de Marina Silva no debate eleitoral vai ajudar a sensibilizar o governo. Espero que Marina consiga sensibilizar, para que o governo ajude a frear essa corrida”, completou se referindo as tentativas ruralistas de mudar a legislação ambiental.
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