Todos nós temos acompanhado o sofrimento do povo do Haiti, às voltas com uma das maiores tragédias da atualidade. Talvez, porém, tragédias outras, e ainda piores, estejam a acometer aquela sofrida população e outras tantas pelo planeta afora – inclusive aqui no nosso amado país.
Começo por um episódio acontecido há uns 20 anos. Dizem que um navio chamado “Khian Sea” vagava por aí, com 14 mil toneladas de lixo tóxico oriundo dos Estados Unidos da América. Ele foi às Bahamas, República Dominicana, Honduras, Bermudas, e até na Guiné Bissau, sem conseguir quem aceitasse ficar com sua incômoda carga. Segundo consta, a dita cuja acabou sendo lançada na praia da cidade de Gonaives, no Haiti.
Estudos realizados constataram que os resíduos tóxicos continham altas doses de arsênico, cádmio, chumbo, dioxinas e outras toxinas. Sob pressão de ambientalistas, abriu-se um processo para investigar o caso – e descobriu-se o lançamento de outras cargas tóxicas nas praias do Bangladesh e até da Austrália. Este processo, como seria de se esperar, “deu em nada”! Quando muito alguns foram responsabilizados por mentir perante um juiz, e só.
Segundo o Greenpeace, “a cada ano milhares de toneladas de lixo tóxico dos Estados Unidos da América são lançados em fazendas, praias e desertos no Bangladesh, Haiti, Somália, Brasil e dezenas de outros países”. Consta que até poluentes capturados por filtros de chaminés entrariam neste “coquetel” sinistro, que no mais das vezes é rotulado como “fertilizante” e distribuído pelo mundo afora.
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Noticiou-se até o caso de uma empresa norte-americana que, após oferecer remuneração de US$ 6,50 por tonelada de lixo tóxico, espalhou-o por diversos países da América Central e do Caribe.
Enquanto isso constatou-se, não por acaso, que as mulheres do Haiti que emigraram para os Estados Unidos da América apresentavam índices de câncer quase três vezes superiores aos das norte-americanas.
Li que no ano de 2006 só a California (EUA) despachou para a lixeira (alguns países do resto do mundo) mais de 9 mil toneladas de lixo eletrônico, rico em resíduos perigosos como o chumbo e o mercúrio. Deste total, cerca de 1,190 mil toneladas vieram parar aqui no Brasil. Há também o caso dos 20 contêineres cheios de resíduos de cádmio e chumbo, made in USA, que chegaram ao porto de Santos em 2004, rotulados como “defensivos agrícolas”, e que só foram descobertos no ano passado!
O Brasil não é “premiado” só com este tipo de lixo. Há dois anos li que importávamos pneus usados da Europa a US$ 1 a unidade – e eis que denunciou-se que o custo de reciclagem deles, lá na Europa, chegava a US$ 40 cada um! Um funcionário do Itamaraty, entrevistado na época, declarou que “para os europeus fica mais barato dar de graça os pneus do que destruí-los lá”.
Diante de tudo isso, não nos causou surpresa o recente escândalo envolvendo a remessa de 1,4 mil toneladas de lixo tóxico do Reino Unido para o Brasil, temperado pela inscrição lida em um dos reservatórios: “Por favor: entregue esses brinquedos para as crianças pobres do Brasil”.
Pois é. E lá está o “mundo civilizado” chorando pelas vítimas de algumas das misérias que castigam diversos países pobres do nosso planeta, trazendo-nos à lembrança a frase de Francis Bacon: “Os crocodilos derramam lágrimas quando devoram suas vítimas. Eis aí a sua sabedoria”.