Nesta quarta-feira (10), juízes divulgaram um manifesto contra a conduta do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e da força-tarefa da Lava-Jato. O documento destaca as mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, por quebra de conduta ética do ex-juiz federal na condução do processo da Lava Jato. Moro era o magistrado responsável pela operação, que levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o manifesto, assinado por sete juízes, ex-líderes de entidades de magistrados, “as situações reportadas são tão graves, vexatórias e ilegais (nada tendo de normal) que nenhum juiz, em situação de rotina institucional, jamais enviaria correspondência a sua corregedoria comunicando que praticou quaisquer desses atos em seu cotidiano forense”, argumentam.
Na justificativa para a divulgação do manifesto, os magistrados se consideram num “dever ético” esclarecer à sociedade quanto a conduta praticada por Moro, “evitando qualquer forma de discursos enganosos que busquem transmitir à população o sentimento de que “é normal” a prática de atos ilícitos por magistrados e membros do Ministério Público”.
Leia também
Segundo o manifesto, a conduta teria revelado uma quebra do princípio da “imparcialidade da magistratura”. Confira o texto na íntegra:
****
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA:
Os juízes que subscrevem a presente manifestação, diante das matérias veiculadas pelo site The Intercept Brasil, pela Folha de S.Paulo e, ultimamente, pela revista Veja, tendo como pano de fundo diálogos no âmbito da Operação Lava Jato, têm o dever ético de se comunicarem com a sociedade, de forma clara e transparente, evitando qualquer forma de discursos enganosos que busquem transmitir à população o sentimento de que “é normal” a prática de atos ilícitos por magistrados e membros do Ministério Público.
Magistrados comprometidos com os deveres do cargo, com o devido processo legal, com a ética e com a democracia têm a obrigação de não aceitar condutas como as traduzidas nas conversas reveladas por esses órgãos de imprensa – cujos teores, convém registrar, são de elevadíssima verossimilhança.
A rigor, mesmo antes dessas notícias, os integrantes da Operação Lava Jato em Curitiba já eram acusados de práticas ilegais. Agora, o que é trazido a público, especialmente no que diz respeito à atuação do ex-juiz Sergio Moro, mas também do coordenador da Força-Tarefa, Deltan Dallangnol, são situações absolutamente inconcebíveis, inclusive com indevida exposição de ministros do Supremo Tribunal Federal que, segundo as mensagens, integrariam combinação feita em relação às investigações.
Antecedem as referências ao STF, diálogos que estarrecem ao desvelar uma subversão na atuação institucional patrocinadas por Moro e Dallangnol – o então julgador e o acusador – em mensagens que apontam a) troca de impressões privadas sobre atos processuais, com Moro fazendo sugestões oficiosas de diligências, b) o ex-juiz reclamando da demora de novas Operações, ou c) insinuando que ações penais contra potenciais “apoiadores políticos” da Lava Jato estavam clamorosamente prescritas e não deveriam prosseguir.
Na mesma linha de acumpliciamento indevido, o ex-juiz d) indica a troca de procuradora para a audiência de réu (que seria depois por ele condenado), o que foi atendido e providenciado, porque “não teria adequado preparo para tarefa” e e) sugere ao Ministério Público (e não à sua própria entidade de classe) “emissão de nota contra o showzinho da defesa”.
Nas matérias divulgadas no dia 5 de julho (revista Veja) os diálogos são ainda mais graves, verdadeira maré montante de ilegalidades que atinge a honorabilidade e a imparcialidade da magistratura, noticiando-se que o ex-juiz Moro chegou a f) indicar ao MPF que deveria incluir nos autos prova contra um réu, antes do julgamento (“ainda dá tempo”), g) cobrar o procurador Dallagnol sobre pedido de revogação de preventiva de um preso e dele receber “sugestão de algumas decisões boas para mencionar quando precisar prender alguém”; h) indagar sobre “rumores” de delação de Eduardo Cunha e, pede “para ser mantido informado, porque é contra essa inciativa, como sabe”, não sendo esse, obviamente, o papel do juiz; i) permitir adiantamento informal de peças, pelo MPF, ao exame do ex-juiz, “para facilitar preparo da decisão”, em episódio de evidente e descabida combinação entre ambos, inclusive com o juiz alertando o MPF para o cumprimento do prazo, via aplicativo Telegram; j) omitir informações ao ministro Teori Zavascki (em ato do qual também teriam tomado parte outro procurador e uma delegada da PF); l) sugerir datas para a realização de operações.
São apenas alguns exemplos, entre muitos já reportados e outros não reportados – como a combinação, no MPF, pra desencadear operação contra um senador às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, ou no levantamento de sigilo de delação de ex-ministro poucos dias antes daquele segundo turno eleitoral, com o claro efeito de prejudicar o candidato concorrente do atual presidente (de quem Moro atendeu a convite para assumir o Ministério da Justiça e, posteriormente, ser nomeado ao STF), como alardeado pelo próprio presidente da República.
Agora, no cargo de ministro, o ex-juiz promove eventos surreais, como chefiar investigações em que é o potencial investigado e repassar informações sobre investigações sigilosas ao seu superior.
Não há, portanto, o que sustente Sergio Moro no cargo que ocupa. São atitudes que constrangem qualquer pessoa medianamente bem informada, colocando na berlinda todo o Poder Judiciário e o Ministério Público como instituições fundamentais à Democracia e ao Estado de Direito.
Não sem razão, em matéria veiculada no site UOL do último sábado (6/7), Francisco Monteiro Rocha Júnior, presidente do IBDPE (Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico) e James Walker Júnior , da ANACRIM (Associação Brasileira de Advocacia Criminal), defendem investigação aprofundada, inclusive sobre o conteúdo dessas mensagens, até para verificação da responsabilidade dos envolvidos por eventual cometimento de crimes como prevaricação.
As situações reportadas são tão graves, vexatórias e ilegais (nada tendo de normal) que nenhum juiz, em situação de rotina institucional, jamais enviaria correspondência à sua Corregedoria comunicando que praticou quaisquer desses atos em seu cotidiano forense.
Ao contrário, se flagrado em situações que tais com uma das partes seguramente seria severamente punido. Fato é, entretanto, que confrontados com um escândalo histórico e de expressão antirrepublicana, capaz de abalar a confiança nas Instituições e, especialmente, no Poder Judiciário, os envolvidos e seus apoiadores empenharam-se, desde o começo, em difundir um deplorável discurso que tem, como primeiro objetivo, descredibilizar a fonte informativa como criminosa, tentando incutir na opinião pública a ideia de que o mais importante é apenas o combate à corrupção, a qualquer preço, como se os fins justificassem os meios, olvidando que, na verdade, as fórmulas legais existem justamente para assegurar a todos o direito de cidadania, inclusive em sede processual.
Apesar do apelo ao populismo e do esforço plebiscitário dos que defendem condutas ilegais em razão dos objetivos atingidos, o que se tem, ao cabo, nessa perspectiva, é o estímulo e a promoção da barbárie, não havendo nenhuma justificativa moral, teórica, doutrinária ou jurisprudencial que autorize magistrados e Membros do Ministério Público – ou juízes e advogados – a agirem como “parceiros de time”, como se comportaram o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
Magistrados que agem assim – e o membro do Ministério Público que aceita tomar parte dessa absurda ilegalidade– atuam em conluio não apenas contra réus em processos criminais, mas de qualquer outra natureza, agindo contra os interesses mais elevados da sociedade e contra a democracia, em afronta ao compromisso constitucional inserto em seu art.1º, que apregoa: “a República Federativa do Brasil (..) constitui-se em Estado Democrático de Direito (..)”.
O destaque na Lei Maior decorre da construção cultural de todos os povos que homenageiam conquistas da humanidade no pós-guerra, como o direito a um julgamento justo e por um juiz imparcial, como estabelecido no artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de observância obrigatória na ordem jurídica nacional, cujo teor é o seguinte:
“Toda pessoa tem direito, EM PLENA IGUALDADE, a uma AUDIÊNCIA JUSTA e pública por parte de um tribunal INDEPENDENTE e IMPARCIAL, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele (NAÇÕES UNIDAS, 1948)”.
Não foi por outro motivo que o art. 8º do Código de Ética da Magistratura, ao tratar do dever de imparcialidade dos juízes, assinalou:
“Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de TODO o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”
Do ponto de vista estritamente normativo, o art.254 do Código de Processo Penal (CPP) é claro ao anotar:
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: (..) IV – se tiver aconselhado qualquer das partes”.
Assim, não pode nem deve o juiz aconselhar a parte (primeiro aspecto), mas se o fez por “algum motivo”, incumbe-lhe imediatamente indicar a suspeição nos autos. Não o fazendo, comete falta duplamente.
O magistrado que desconsidera esses limites e age ao modo revelado nos diálogos trazidos pelas matérias do The Intercept viola não apenas cláusula ética, mas indiscutível dever legal.
Aliás, a ética na conduta do magistrado é um valor que está colocado acima das normas positivadas e, uma vez inobservados, não há minimização possível quanto à avaliação de sua conduta. São garantias que o Estado deve assegurar à SOCIEDADE, e não apenas a acusados circunstanciais, na certeza de que os membros do Ministério Público não podem atuar como acusadores sistemáticos e nem o Judiciário chegar a veredictum de culpa (art. 5º, LVII) fraudando o sistema acusatório e violando o devido processo legal.
Condutas ilícitas como essas, se legitimadas, levarão a verdadeiro retrocesso civilizatório, à aberta e definitiva ruptura democrática, com total distanciamento das balizas norteadoras do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Impõe-se, portanto, rejeitar todas as formas de contemporização com ilícito praticados por juízes e membros do Ministério Público, capazes de violar as garantias do Estado Democrático de Direito e contribuir, repita-se, para a instauração da barbárie punitiva, o que não pode ser tolerado.
Indispensável que as instituições cumpram o seu papel, aprofundando investigações com os rigores do devido processo legal e que, uma vez comprovados os fatos, apliquem as medidas aptas a obstruir práticas que deslegitimam o papel histórico e fundamental do Poder Judiciário, providências que não podem se resumir a punições, mas que venham a abranger a reparação de todos os danos decorrentes das violações praticadas, de modo que o Estado brasileiro restaure a certeza de aplicação do Direito por juízes verdadeiramente imparciais e que não façam Justiça pelas próprias mãos.
Brasil, 9 de julho de 2019,
GERMANO SIQUEIRA; Juiz do Trabalho, Titular da 3.ª Vara do Trabalho de Fortaleza (7ª Região); Presidente da ANAMATRA no biênio 2015/2017
JOÃO RICARDO COSTA, Juiz Titular do 1º Juizado da 16ª Vara Cível de Porto Alegre; Presidente da AMB no triênio 2013/2016
JOSÉ NILTON FERREIRA PANDELOT, Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora (MG); Presidente da ANAMATRA no biênio2005/2007
GRIJALBO FERNANDES COUTINHO, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, Presidente da ANAMATRA biênio 2003/2005
HUGO CAVALCANTI MELO FILHO; Juiz do Trabalho, Titular da 12.ª Vara do Trabalho do Recife (TRT da 6.ª Região); Presidente da ANAMATRA no biênio 2001/2003
GUSTAVO TADEU ALKMIM, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região; Presidente da ANAMATRA no biênio 1999/2001
ALEXANDRE ARONNE DE ABREU, juiz da 2ª Auditoria Militar de Porto Alegre e presidente da Associação Nacional dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais – AMAJME, biênio 2003/2005