Heitor Scalambrini Costa*
Sem dúvida estamos vivenciando um momento trágico da história de nosso país, onde a irresponsabilidade dos veículos de comunicação tradicional, para se dizer o mínimo, pratica a antítese do jornalismo, e de suas boas práticas, se aliando ao atual governo de extrema direita. Assim tem-se mentido, manipulado e confundido o povo brasileiro.
>Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares
Nunca o dito de José Saramago (Prêmio Nobel de literatura de 1998) foi tão sintonizado com o momento atual: “O tempo das verdades plurais acabou. Agora vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias”.
Se espera do jornalismo, que a factualidade do que é noticiado seja checado, que se faça o cruzamento de informações, que o contraditório seja levado em conta no debate democrático. Mas não é o que se verifica. Os releases do governo, das grandes corporações são automaticamente noticiados como verdades absolutas, sem averiguação. Uma única fonte, induz a formação de uma opinião pública viciada pelos interesses desta casta que domina nosso país desde seu descobrimento, e que tem no atual governo seu representante.
Segundo a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia – Media Ownership Monitor ou MOM, em pleno século XXI, cinco famílias controlam 26 dos 50 veículos de mídia com maior audiência no Brasil, comprometendo assim a pluralidade da mídia. Sendo que os proprietários das corporações dos meios de comunicação (nem sempre conhecidos a composição societária), combinam interesses econômicos e políticos com o controle rigoroso da opinião pública. O que caracteriza, segundo o estudo, um “coronelismo eletrônico”.
No caso específico da decisão do atual governo de construir usinas nucleares o papel dos meios de comunicação, se confundem com os interesses dos beneficiários dos “negócios nucleares”, exercendo um papel relevante de direcionamento e falseamento deste debate, que é da maior importância para a sociedade brasileira.
Com a posse do atual presidente, e a militarização de seus ministérios, foi indicado como ministro de Minas e Energia o almirante da marinha Bento Júnior, que esteve à frente do Programa de Construção de Submarinos (parceria firmada em 2008 com a França), inclusive com a construção de dois submarinos a propulsão nuclear. Como defensor da energia nuclear, logo se posicionou favorável a construção de mais usinas nucleares para produção de energia elétrica.
Hoje, sem sombra de dúvidas, o maior aliado do estado de coisas que temos vivido, a partir de 1 de janeiro de 2019, é a mídia tradicional, (também conhecida como mídia corporativa). Sem aplicar os devidos questionamentos ou sair da condição de quem aceita “passivamente” as informações, tem negado espaço aos que discordam e criticam a atual política energética brasileira, em particular, a decisão de construir mais usinas nucleares. Releases e entrevistas dos dirigentes do setor nuclear são repercutidas como verdades absolutas. É bom lembrar, que quando se fala em construir novas usinas, significa ativar todo o ciclo nuclear, a partir da mineração. Inclusive a possibilidade, não remota, de construir e desenvolver artefatos bélicos.
As “vozes” dos defensores da tecnologia nuclear ganham assim destaque especial na mídia, cujo objetivo é conduzir o “debate” para o campo técnico, científico. Neste campo polêmico são encontrados “especialistas” a favor e contra. Dependendo de quem é chamado a dar sua opinião sobre o tema. Todavia, decisões na área das políticas energéticas, assim com em outras áreas, merecem obrigatoriamente discussões mais amplas com o conjunto da sociedade. A abrangência das decisões tomadas repercutem na área social, ambiental, econômica, enfim na vida das pessoas, e cabe a elas decidirem, desde que informadas.
Assim, tomar decisões desta ordem não deve ficar restritas a “especialistas”, aos técnicos, mas sim discutidas e aprofundadas junto, e pela sociedade. Com ampla informação sobre os prós e contras. Que no caso da energia nuclear, na minha compreensão, não existem prós.
A razão é simples para este posicionamento: o Brasil não precisa de usinas nucleares, assim como o mundo. Aliás, a luta é por uma nova civilização, sem usinas, sem armas nucleares, com liberdade plena de imprensa e pelo jornalismo independente.
*O autor é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Físico, graduado na Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear na UFPE, e doutorado na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França. Integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
>Acidentes em usinas nucleares quando ocorrem são catastróficos
>A hora e a vez da bomba atômica tupiniquim?