César Colnago *
Ampla reportagem publicada recentemente na revista Veja expõe a tragédia das estradas brasileiras com os altos índices de acidentes que infelicitam as famílias brasileiras todos os dias.
A violência no trânsito é a segunda maior causa de mortes no país, à frente até de homicídios. No ano passado, foram 60.752 mortes. O Brasil tem a quinta maior taxa de mortes no trânsito do planeta.
Nesse contexto, um conjunto de fatores alimentam as estatísticas de um cenário dramático: a péssima infraestrutura da malha rodoviária nacional, deficiências crônicas na área de fiscalização (déficit de recursos humanos qualificados, carência de equipamentos com tecnologia avançada), ausência de uma ação governamental vigorosa de investimentos na área da educação de trânsito, além de condições de trabalho extenuantes dos profissionais do transporte de carga e de passageiros.
A verdadeira catástrofe verificada pelo Ministério Público do Trabalho – MPT – em relação ao elevado número de inativos e mortos, devido a acidentes de trabalho sofrido por motoristas profissionais no transporte de carga, é um alerta de que algo precisa ser feito para reverter esse quadro.
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Os números apresentados pelo MPT são aterradores. Em 2011, ocorreram 51.612 acidentes envolvendo caminhões, que ceifaram a vida de 1.037 caminhoneiros e fizeram 9.700 feridos, dos quais cerca de 400 tornaram-se inativos.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT divulgou em 10 de junho de 2013 o Registro de Transportadores de Carga, com um total de 1.927.690 veículos de carga, sendo que 875.803 pertencem a 698.401 motoristas autônomos; 1.037.620 veículos estão registrados em nome de 130.668 empresas e 14.287 pertencentes a 334 cooperativas.
Com os dados fornecidos pela ANTT, podemos verificar a presença marcante do motorista profissional autônomo, com mais de 80% do total, mas que detém apenas 45,43% da frota, percentuais que mostram de forma inequívoca o domínio do mercado pelo frotista empresário.
Em virtude dos milhares de acidentes envolvendo caminhões nas estradas, criou-se na Câmara dos Deputados uma Comissão Especial para modificar a Lei 12.619 de 2012 , também conhecida como Lei do Caminhoneiro, com o objetivo de corrigir falhas, preencher eventuais lacunas e criar meios para enfrentar as causas e efeitos dos acidentes rodoviários envolvendo coletivos e caminhões de carga.
A comissão especial realizou dezenas de reuniões, promoveu acalorados debates e mais de uma centena de palestras de profissionais de diversas especialidades, que quase sempre concluíam que o motivo do acidente era o cansaço do motorista caminhoneiro. Com sono, devido a longas jornadas de direção, ele acabava por se envolver em acidentes.
O tema mais discutido e certamente o mais relevante tratado na reformulação da Lei 12.619/12 é o estabelecimento da jornada máxima, discutindo-se se ela deveria ser de quatro ou seis horas de direção contínua.
Entidades convidadas a se manifestar em audiências públicas promovidas pela comissão especial foram unânimes em afirmar que quatro horas de direção são o máximo tolerável pelo condutor sem afetar suas funções cognitiva, motora e sensório-perceptiva.
A Associação Brasileira de Medicina do Trabalho, a Vivera – Medicina do Sono Multidisciplinar, o MPT, a Abratox, o Centro de Estudo Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes, a Associação Brasileira de Medicina no Tráfego (Abramet) e professores convidados como Marco Túlio de Mello, Sérgio Tufik e Eduardo H. Rosa Santos foram unânimes em afirmar que o limite máximo de direção contínua deve ser de quatro horas, sendo que a Abramet informou em audiência pública: “A BR Distribuidora, que trabalha com 7 mil motoristas atendendo a todo o país, estabelecia limites de três horas de direção contínua, antes da Lei 12.619/12 entrar em vigor”.
Infelizmente, após várias e valiosas contribuições de especialistas, sobre os danos causados pela sonolência e distúrbios do sono em acidentes de trânsito devido a excesso de direção contínua, para surpresa de muitos, inclusive, contra o meu voto em separado, no dia 3 de julho de 2013 foi aprovado na comissão especial o relatório final do relator.
O relatório votado e aprovado na comissão revoga o texto da Lei 12.619 e propõe um anteprojeto de lei sobre a matéria; que é meticuloso na parte que se refere aos efeitos da falta de um sono regular para os motoristas, em que são exigidos exames toxicológicos, físicos e outras modalidades de controle, mas a causa, que é a direção contínua acima de quatro horas é tratada de forma equivocada e desumana ao inserir no anteprojeto o texto:
“Capítulo III-A, Da Condução de Veículos por Motoristas Profissionais
Art. 67 – É vedado ao motorista profissional, brasileiro ou estrangeiro, dirigir por mais de seis horas ininterruptas veículos de transporte rodoviário coletivo de passageiros ou de transporte rodoviário de cargas”.
* Cesar Colnago é médico e deputado federal pelo PSDB-ES.