Há mais de dois anos e meio está tramitando, sob muita pressão das organizações da sociedade civil, inclusive da Fundação Abrinq, integrante do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o segundo Plano Nacional de Educação (PNE). Além de apresentar diretrizes e metas para a educação no país nos próximos dez anos, o novo PNE deveria orientar os investimentos em educação para o período de 2011 a 2020. O texto foi apresentado no Congresso Nacional pelo Executivo no final de 2010 e só começou a ser discutido em 2011.
Ao chegar à Câmara, o PNE recebeu a denominação de Projeto de Lei 8035/2010, e a definição da base governista à época foi de criar uma comissão especial para analisar o projeto, como forma de dar celeridade ao processo, segundo justificativa do ministro da Educação, em reunião com dirigentes de Campanha Nacional, da qual eu participei. Temíamos que os integrantes da comissão não tivessem afinidade ou compromisso político com a educação, no que fomos tranquilizados.
As atividades da comissão foram acompanhadas de perto e com muita participação e pressão da sociedade, o que garantiu, em junho de 2012, a aprovação de investimentos equivalentes a 10% do PIB para os próximos dez anos, quando a proposta encaminhada pelo MEC era de somente 7% do PIB. Foi uma sessão histórica, com presença maciça de estudantes, professores e representantes das organizações pedindo que os deputados assumissem o compromisso com a educação. A aprovação foi por unanimidade, embora tivessem ocorrido manobras para tentar esvaziar o plenário e não aprovar o projeto de lei naquele momento.
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Após a aprovação, fomos surpreendidos com recurso proposto por um parlamentar da base do governo e assinado por diversos outros. Iniciou-se então uma maratona, com visitas e contatos com todos os que assinaram o recurso, convencendo-os a retirar suas assinaturas do documento que enterrava a perspectiva de se ter recursos suficientes para atender às demandas da educação em nosso país. Felizmente, o recurso foi derrubado, permaneceu a vitória que alcançamos e o projeto saiu da Câmara, com a proposta aprovada na comissão especial.
Importante dizer que esse valor de 10% do PIB não é um número aleatório e arredondado, tirado da cartola, mas é o cálculo feito por especialistas em financiamento da educação, que apontam que seriam necessários 10,4% do PIB para atender as metas propostas pelo próprio MEC no Plano apresentado.
Uma das questões centrais do debate e um dos focos da nossa incidência política está relacionada ao custo de cada aluno por ano em escola pública. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação reuniu especialistas e desenvolveu uma metodologia de cálculo chamada Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), cujos valores são superiores aos propostos pelo MEC, principalmente em algumas etapas da educação, como é o caso da creche.
Todos nós sabemos que a creche é um espaço educativo, onde as crianças precisam de todos os recursos necessários para se desenvolver nesse período tão importante da vida e, nessa etapa, são necessários também profissionais qualificados e em número suficiente para atender adequadamente às crianças.
Na prática, hoje as prefeituras que têm a responsabilidade da educação infantil enfrentam dificuldades para ampliar a oferta de vagas em creches, pois os recursos repassados para essa etapa pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb) são insuficientes. O CAQi corrige isso, atribuindo o custo real para a educação infantil.
O Plano Nacional chegou ao Senado com a denominação de PLC 103/2012 e aí chegamos então à segunda parte da nossa grande luta por uma educação melhor e para todos. Depois de alguns meses parado na Comissão de Assuntos Econômicos, o projeto ganhou um substitutivo, com diversas modificações e muitas perdas.
Exemplificando o que consideramos uma perda: na meta 20, que trata do financiamento à educação, foi suprimida a palavra “pública” da frase que cita a destinação de recursos públicos para a educação. A eliminação dessa palavra possibilita que os investimentos sejam destinados às instituições privadas, em programas que repassam recursos para o ensino superior particular, por exemplo.
Se já não bastassem todos os desafios enfrentados até então, quando a discussão sobre os investimentos necessários para a educação se estabeleceu, houve o questionamento sobre a fonte dos recursos adicionais, havendo consenso entre a sociedade e o governo de que isso deveria ser incluído no debate sobre a destinação dos royalties do petróleo. A entrada do tema dos royalties no debate do financiamento da educação pública, é claro, só aumentou a polêmica e o nosso calvário: agora, temos que acompanhar e incidir politicamente nas duas tramitações, sem contar que o cálculo dos valores projetados e a questão dos contratos são extremamente complexos.
Entre a proposta de destinação dos royalties que saiu aprovada da Câmara e o substitutivo do Senado, onde muitas vezes se trocam uma ou poucas palavras, pode se ter uma grande perda em termos de recursos a serem aplicados na educação em nosso país.
Mesmo sabendo que o melhor caminho de desenvolvimento de um país é por meio do investimento em educação, ao que indica a própria tramitação dos dois projetos de lei, parece que isso não é importante ou prioritário para os nossos representantes eleitos. Importante reflexão deve ser feita neste momento crucial: nossos parlamentares no Congresso Nacional realmente representam os interesses do povo brasileiro? Será que caminhamos na direção correta? O que queremos e precisamos para nossas crianças e jovens? Precisamos pensar detidamente sobre isso, ao mesmo tempo em que não podemos deixar de exercer o devido controle social. A novela continua nos dois projetos em tramitação. Teremos novidades em breve e esperamos que sejam boas notícias.