Após uma série de convocações de testemunhas que preferiram não se pronunciar durante as audiências que compareceram da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, como o próprio ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, o colegiado aprovou nesta terça-feira (11) uma série de requerimentos referentes à quebra de sigilo e obtenção de documentos para tentar contornar o problema e trazer resultados mais sólidos para a Comissão.
Apesar de observar o direito constitucional que Mauro Cid possui de não produzir provas contra si mesmo, assim como os demais depoentes que se recusaram a falar abertamente em outras audiências, como o coronel Lawand ou o empresário George Washington, o presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), reforçou que a Comissão tem o direito de fazer as investigações que desejar. Cientes de que Cid ficaria calado, o colegiado aprovou requerimentos para quebrar sigilos.
“O importante é que apesar da negativa do depoente em se pronunciar, foram aprovados hoje mais de quatro dezenas de requerimentos de informação que me parecem fundamentais para o esclarecimento dos fatos de 8 de janeiro. Importante dizer que são requerimentos tanto do governo quanto da oposição”, declarou Maia em coletiva de imprensa realizada durante intervalo para o almoço.
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Maia disse que os parlamentares realizaram um trabalho político para que pudessem avançar e trazer uma ampla aprovação de requerimentos capazes de trazer informações significativas para a CPMI. “Tem quebra de informações, relatório de informações financeiras, sigilos telemáticos de celulares apreendidos, quebra de sigilo bancário de pessoas que já estiveram na CPMI e que os deputados entenderam que têm algum tipo de culpa, bem como imagens de câmeras de vários órgãos [do governo] que fizeram registros no dia 8 de janeiro.”
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Quebra de sigilo para quebrar o silêncio
Segundo a senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI, o silêncio de Cid já era esperado porque, através de um habeas corpus, o militar obteve uma medida cautelar que assegurava o direito de permanecer calado na sessão sobre os pontos específicos pelos quais é investigado. A relatora lembrou que Cid possui quase dez inquéritos contra na Polícia Federal, no Supremo Tribunal Federal e na própria CPMI.
“Ao mesmo tempo é bom lembrar que se somos prejudicados no depoimento, essas quebras de sigilo nos darão elementos substanciais para fundamentar o relatório”, afirmou a relatora, que frisou o fato da CPMI pedir o compartilhamento de dados da PF e do STF para avançar com a investigação parlamentar.
O grande problema é que uma parte desses inquéritos ainda estão em diligência. Então, não dá para a gente esperar. Ou a gente parte diretamente para fazer as quebras dos sigilos bancários, telefônicos e fiscais para termos essas informações ou teremos grandes prejuízos ao esperar esses compartilhamentos”, pontuou a senadora ao acrescentar que alguns inquéritos podem levar meses ou anos para serem liberados e isso atrapalharia o andamento da CPMI.
Sobre a possibilidade de convocar familiares dos convocados a prestar depoimentos, a senadora não descartou a hipótese, mas isso depende da análise dos documentos e da quebras de sigilos. Se o volume de informações revelar implicações de parentes, eles serão ouvidos na condição de testemunhas.
Na terça, um novo requerimento de presença de Bolsonaro foi protocolado. No entanto, Eliziane afirma que a CPMI ainda está na primeira fase e que a vinda do ex-presidente só será analisada após o recesso parlamentar, mas também não está descartada.
O presidente da CPMI dos Atos Golpistas, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), suspendeu, para almoço, a reunião desta terça-feira (11) que ouve o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Preso desde 3 de maio, o oficial surpreendeu os parlamentares ao chegar trajando farda militar. A reunião foi marcada por bate-bocas e troca de acusações entre os integrantes da comissão parlamentar mista de inquérito.
Minutos antes de suspender a reunião, Arthur Maia encaminhou à Polícia Legislativa um pedido para investigar o deputado Abílio Brunini (PL-MT) por transfobia. Segundo relato de parlamentares que estavam próximos a Abílio, ele associou a deputada Erika Hilton (PT-SP), que é uma mulher trans, à prostituição.
Abílio já havia sido repreendido por gravar um vídeo, dar risadas e fazer caretas enquanto o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA) usava o tempo de dez minutos paga inquirir o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Quando Erika Hilton começou a questionar o militar, Abílio mais uma vez se manifestou e a interrompeu. “O senhor Abílio fez uma fala homofóbica quando a companheira estava se manifestando. Ele disse que ela estava oferecendo serviços. Isso é homofobia e desrespeito e peça para o deputado se retirar”, acusou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) confirmou ter ouvido o mesmo comentário.
Arthur Maia pediu que fossem analisados as imagens e os áudios da reunião e prometeu “penalizar” Abílio caso seja comprovado que ele ofendeu a colega.
Erika Hilton afirmou que Abílio estava carente, o gerou nova confusão entre os parlamentares de oposição. O deputado André Fernandes (PL-CE) foi quem ficou mais exaltado ao defender Abílio, colega de partido. Ao se justificar sobre o termo carente, Erika Hilton afirmou que Abílio era carente como uma criança. A deputada sugeriu que ele adotasse um cachorrinho e classificou a reação da oposição como “histeria” de “gentalha”.
Antes de suspender a reunião para o almoço, Arthur Maia determinou a exclusão do termo das notas taquigráficas da reunião.
Farda e silêncio
Durante sua fala inicial na audiência da CPMI dos Atos Golpistas, nesta terça-feira (11), o tenente-coronel Mauro Cid procurou definir as funções de secretariado executivo atribuídas a um ajudante direto da Presidência para se isentar da responsabilidade das oito ações contra ele em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). E também para justificar o direito de permanecer calado concedido por meio de um habeas corpus da ministra Cármen Lúcia.
Trajando farda de oficial do Exército, Cid afirmou que era pago pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e que a indicação de um ajudante direto não é prerrogativa do presidente e que, portanto, não exerceu o cargo por vontade de Jair Bolsonaro ao longo dos seus quatro anos de gestão.
Cid apresentou a retórica de que era apenas responsável por levar e trazer recados, bem como pela gerência da agenda de Bolsonaro, mas que não tinha qualquer poder de interferência ou interlocução com autoridades ou qualquer poder executivo.
Preso desde 3 de maio, ele é investigado no STF por fraudes em cartões de vacinação, por depósitos indevidos de pagamentos à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, propagação de fake news, recebimento de joias sauditas sem declarações à Receita Federal, organização de milícias digitais, envolvimento em ocasiões que levaram aos ataques ao poder público no dia 8 de janeiro, entre outras ações.
Quando questionado pela relatora se ele falsificou cartões de vacinação para entrar com a própria família e o ex-presidente Jair Bolsonaro, Cid disse que, por orientação dos advogados e pela constitucionalidade do habeas corpus parcial do STF, permaneceria em silêncio.
CPMI ouve Mauro Cid, apontado como elo entre Bolsonaro e tentativa de golpe
Além do quebra-quebra
O depoimento do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, foi requisitado por meio de 12 requerimentos do colegiado. A oitiva do militar é uma das mais aguardadas pelos congressistas e, originalmente, era para ele ser o primeiro depoente, conforme uma lista da relatora.
Contudo, a própria estratégia estipulada pela senadora mudou a ordem dos depoimentos para que a trajetória que preparou o 8 de janeiro ficasse evidente como uma arquitetura de golpe de Estado. Isto é, o objetivo é mostrar que houve uma cronologia e que o quebra-quebra não foi um fato isolado. Desse modo, as oitivas começaram tomando como base de partida a eleição presidencial de 2022 em outubro para então transitar pelos eventos do dia 12 e 24 de dezembro.
A teoria do governo é a de que a gestão Bolsonaro se valeu da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para impedir especialmente os nordestinos de votar por meio de blitz e fiscalização indevidas no dia 30 de outubro. Em seguida, no dia 12 de dezembro, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília. Na véspera de Natal, o empresário George Washington tentou cometer um atentado terrorista ao plantar um caminhão-bomba no aeroporto da capital brasileira.
O motivo para a convocação de Cid, que só não depôs na semana passada em função da centralização do Congresso nas pautas econômicas em tramitação, ocorre porque os parlamentares veem o militar como elo que tem relação com vários eventos da arquitetura da tentativa de golpe. A investigação realizada pela PF sobre as fraudes dos cartões de vacinação não só colocou Cid na cadeia desde o dia três de maio como ampliou o inquérito, uma vez que o celular apreendido do militar revelou novas provas.
Troca de mensagens
De acordo com o requerimento da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Cid aparece em uma das lives feitas por Bolsonaro no ano passado para atacar o sistema eleitoral e a credibilidade das urnas eletrônicas. Na transmissão, Bolsonaro exibiu, ao lado de Cid e do deputado federal Filipe Barros (PL-PR), as páginas impressas do inquérito classificado como sigiloso. “A análise das comunicações feitas por Cid, no entanto, tem revelado a prática de diversos atos ilícitos que vão muito além da quebra de sigilo do inquérito que apurava fraudes nas urnas eletrônicas.”
De acordo com o documento protocolado pela deputada, as mensagens trocadas entre Cid e outros militares, servidores e pessoas próximas à família de Bolsonaro, estão revelando seu envolvimento no caso da tentativa de apropriação de joias milionárias da Arábia Saudita, da fraude nos cartões de vacinação de Bolsonaro, do próprio Cid e de sua família, de modo a permitir a entrada de todos nos Estados Unidos, mas também no escândalo de pagamento em dinheiro vivo de gastos da então primeira dama, Michelle Bolsonaro.
Além disso, há “a suspeita recém levantada de lavagem de dinheiro e remessa ilegal de verbas ao exterior de Cid e familiares; e, finalmente, no envolvimento de Cid no planejamento de um golpe de estado que envolveria a prisão de ministros do TSE e do STF, com mobilização de tropas de militares e até do próprio comandante do exército”.
Troca de mensagens
Cid é visto como peça central para gestar o embrião da contestação dos resultados das urnas e da invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. “Mauro Cid teve conversas com outro auxiliar do ex-presidente, Ailton Barros, nas quais houve trama para abolir o Estado Democrático de Direito no Brasil. Há áudios no telefone de Mauro Cid com conteúdo comprometedor”, afirma o requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Na conversa, Ailton afirma que o golpe precisaria da participação do comandante do Exército, Freire Gomes, ou de Jair Bolsonaro, e que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes deveria ser preso:
“É o seguinte, entre hoje e amanhã, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes para que ele faça o que tem que fazer” […] Até amanhã à tarde, ele aderindo… bem, ele faça um pronunciamento, então, se posicionando dessa maneira, para defesa do povo brasileiro. E, se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar a moral da tropa. Que você viu, né? Eu não preciso falar. Está abalada em todo o Brasil.” […]“Pô [sic], não é difícil. O outro lado tem a caneta, nós temos a caneta e a força.”
No dia 26 de junho, a ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que Mauro Cid seja obrigado a prestar depoimento à CPMI. Ele pode ser acompanhado por advogados e tem o direito de ficar em silêncio para não responder perguntas que o incriminem. No dia 29, o ministro Alexandre de Moraes do STF negou a revogação de prisão de Mauro Cid.