Eduardo Militão
Temendo ?graves desvios de verbas públicas?, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu agir para conter o ímpeto dos congressistas, principalmente da base aliada do governo Dilma Rousseff, em aprovar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). Para apressar o andamento das obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o regime proposto ?dribla? a lei das licitações ao simplificar a escolha das empresas e projetos pelo governo. Por determinação do procurador geral da República, Roberto Gurgel, o MPF começou a entregar ontem (11) aos deputados uma nota técnica do Grupo de Trabalho da Procuradoria que acompanha a organização do Mundial a ser realizado no Brasil. O documento critica a empreitada global e a ausência de projetos básicos feitos pelo Estado, principais itens do Regime Diferenciado, previstos no relatório da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) à Medida Provisória 521, em discussão no plenário da Câmara.
A nota critica três itens do relatório: o alegado subjetivismo dos ?anteprojetos de engenharia?, que vão substituir os atuais projetos básicos feitos pelos governos, conforme prevê a lei 8.666/93; a falta de detalhamento de quais serão exatamente as obras da Copa beneficiadas pelo RDC; a ?obscuridade? dos contratos de eficiência previstos nas novas regras. Os quatro procuradores que assinam a nota acreditam que os governantes terão liberdade demais para agir nas concorrências. ?A obra é pública, e não do administrador?, dizem os membros do GT da Copa, Athayde Ribeiro, Carolina Gusmão, Ana Carolina Tannus e Paulo Roberto Galvão, grupo que trabalha ligado à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Para eles, o chamado ?turn key? (possibilidade de contratação de uma única empresa para todas as etapas de um obra) do RDC não possui um objeto da licitação preciso porque não há projeto básico feito pelo governo antes da definição do vencedor. Depois que a empresa ganha a concorrência é que ela faz o projeto detalhado, que deixaria de ser responsabilidade do poder público.
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Brechas para crimes
Os quatro procuradores destacam que, ao impedir julgamento objetivo da licitação, o anteprojeto de engenharia da contratação integrada abre brecha para crimes. ?Também poderá ensejar graves desvios de verbas públicas em razão da deficiência e da insuficiência do citado ‘anteprojeto de engenharia’.? O ?turn key? usará obrigatoriamente o critério de técnica e preço na escolha da proposta. O GT da Copa lembra que obras nos aeroportos de Macapá, Vitória e Rio de Janeiro usaram esse critério misto mesmo sem trabalhos de cunho intelectual. Como resultado, o MPF abriu ações de improbidade na Justiça contra os responsáveis pelas reformas. O caso foi tratado na CPI do Apagão Aéreo.
Como mostrou o Congresso em Foco ontem, os auditores do Tribunal de Contas da União avaliam que a contratação integrada vai encarecer os custos das obras para o Mundial de futebol. Relatora de um procedimento na 5ª Câmara do MPF sobre obras públicas, a procuradora Raquel Branquinho disse que o entendimento dos analistas de controle é correto: em vez de se afrouxar regras, é necessário melhorar os projetos básicos das obras. ?Nós temos deficiência de qualidade e pagamos muito pela obras. Há sobrepreços, superfaturamento e vários outros problemas porque há deficiência no projeto. O governo deveria licitar projetos mais bem feitos, bem elaborados e específicos?, disse ela ao Congresso em Foco, na noite de ontem, quando os deputados ainda imaginavam votar a MP 521, após as acaloradas discussões sobre o Código Florestal.
Raquel Branquinho acredita que, sem projetos básicos, tudo será pior para o cidadão, usuário dos serviços e pagador de impostos. ?Isso vai impactar na qualidade e no preço. Vai aumentar ainda mais e a qualidade tende a cair, porque não há um referencial para fazer a fiscalização dessas obras.? Os referenciais citados são o projeto básico detalhado e os preços tabelados dos materiais e mão-de-obra a serem utilizados.
Lista de obras
Na nota do GT da Copa do Mundo, o Ministério Público lembra que a listagem de obras da competição não está exatamente definida na Medida Provisória, ficando a critério posterior da matriz de responsabilidades da União, estados e prefeituras. ?É uma cláusula intoleravelmente aberta?, reclamam os procuradores do MPF. Além disso, eles entendem que é inconstitucional usar um modelo de licitação para alguns empreendimentos e outro para os referentes à Copa e às Olimpíadas.
O GT da Copa ainda questiona a criação do contrato de eficiência. Por ele, o governo ‘compraria’ obras e fornecimento de bens que lhe reduziriam despesas correntes, ao longo dos anos. Se não houver a economia prevista em contrato, a empreiteira terá seus pagamentos mensais glosados e, conforme o caso, terá que devolver dinheiro ao governo. Mas, para o Ministério Público, a proposta é ampla e imprecisa. ?Há profunda obscuridade no regime estabelecido?, dizem os procuradores do grupo de trabalho. Eles informam que a nota técnica não fez uma análise completa da MP 521, mas apenas dos aspectos mais importantes.
Distribuição aos parlamentares
De acordo com o assessor parlamentar do MPF no Congresso, José Arantes, Roberto Gurgel está em Curitiba e determinou a distribuição aos parlamentares do documento, o que começou a ser feito ontem. Hoje, ele deve distribuir a nota técnica ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e à relatora da matéria, Jandira Feghali, e aos principais líderes partidários na casa, como Cândido Vaccarezza (PT-SP), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Paulo Teixeira (PT-SP).
A intenção do MPF é convencer os deputados a mudar os principais pontos do RDC. Mas a relatora já afirmou que não aceitará ideias que descaracterizem o regime diferenciado. ?O projeto fecha a brecha para a fraude e o superfaturamento?, disse Jandira. A pedido dela, o Congresso em Foco enviou-lhe na noite de ontem a íntegra dos argumentos dos procuradores do GT da Copa. Mas, até o fechamento da reportagem, não houve retorno da deputada.
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