Sei o que fui fazer, mas não sei quando foi a primeira vez em que, em Assunção, entrei na sede da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol).
No interior da sede da Conmebol, li o nome das salas. O primeiro impulso que tive foi o de sair dali, de dizer a todos que me negava a permanecer em um ambiente no qual um corrupto é homenageado.
A causa que me levou até ali era justa, e quem marcou a reunião não tinha qualquer relação com o ambiente. Sem comentar com ninguém, mas constrangido e com vergonha, permaneci até o fim dos trabalhos, que duraram dois dias.
Depois dessa primeira vez, não sei quantas vezes outras, também por causa justa, tive que entrar na Conmebol. Nenhuma foi para debater temas do futebol, todas foram para debater algo mais importante, o Mercosul.
Mas não importa, todas as vezes que ali entro fico envergonhado. Vergonha pelos outros e vergonha principalmente de saber que lá dentro há várias salas com o nome de um brasileiro conhecido por João Havelange.
Sala João Havelange I, João Havelange II, e assim por diante. Não sei quantas salas são. Vergonha também em saber que esta homenagem foi prestada por Nicolas Leoz, um dos mais corruptos dirigentes de futebol do mundo. Foi esse corrupto que prestou tais homenagens a Havelange.
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Complementam-se. Aliados, eles atuaram, segundo alguns, na “máfia do futebol”.
No dia da morte de Havelange, a Conmebol soltou uma sucinta nota, com uma breve biografia e histórico da razão da morte. No último parágrafo, escreveu: “Nesta terça-feira, o COI demonstrou o seu pesar e pediu permissão para o Comitê Rio 2016 para colocar a bandeira brasileira a meio mastro durante as provas do dia”.
Esse era o desejo da Conmebol. Infelizmente, não só dela. O COI se recusou a colocar a sua bandeira oficial, aquela com os aros olímpicos, a meio mastro. Porém, disse que aceitou o pedido do Comitê Rio 2016 para que a bandeira do Brasil fique a meio mastro.
Além dessa vergonha, o interino Temer declarou que “o esporte mundial perdeu hoje um dos seus mais expressivos líderes. João Havelange se dedicou com afinco ao desenvolvimento do esporte e, principalmente, do nosso futebol”.
Esqueceu de declarar que esse líder era tratado pelo jornalista Andrew Jennings, estudioso da corrupção no futebol, como “gângster”.
Na história do Brasil, infelizmente, não é a primeira vez que a bandeira do Brasil é alçada a meio pau pela morte de um canalha ou corrupto. E, infelizmente, não será a última, até porque muitos que fazem o discurso contra a corrupção são corrutos, coniventes ou omissos.
Não se precisa procurar com lupa no meio da multidão ou ter dificuldade no Google para encontrar os justiceiros, os que combatem a corrupção para ver que o discurso, muitas vezes, anda longe da prática. Alguns desses, como Aécio Neves, homenageou Ricardo Teixeira, outro da “máfia do futebol”.
Dia 29 de maio de 2015, a Folha de S.Paulo divulga que, na época, existiam na Polícia Federal 13 inquéritos contra a CBF e seu ex-presidente Ricardo Teixeira, genro de Jean-Marie Faustin Godefroide de Havelange, o João Havelange.
Para mostrar a eficiência da PF, o jornal divulga que alguns desses inquéritos estavam há 15 anos sem conclusão. Uma pergunta tem que ser feita: se a instituição (não generalizo) PF é tão eficiente para indicar o criminoso, mesmo quando não encontra crime, como é o caso de Lula, por que não é eficiente em encontrar o crime do criminoso?
Chamo a atenção para outra questão também divulgada na mesma matéria da Folha: a CBF foi uma das patrocinadoras do 4º Congresso Nacional da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), em Fortaleza (CE), em 2009.
Naquele congresso, Ricardo Teixeira foi um dos palestrantes. Falou sobre a Copa do Mundo de 2014 e, “curiosamente”, como afirma o jornalista, o outro painelista foi o juiz federal Sérgio Moro, para falar sobre combate à corrupção e ao crime organizado.
Ora, como um juiz pode participar de um evento patrocinado por uma instituição como a CBF, da qual parte dos dirigentes sempre atuou na chamada “máfia do futebol”?
Sinto vergonha, na sede da Conmebol, da bandeira a meio mastro por alguns lutos imerecidos e posturas hipócritas.