Mário Coelho
A isenção tributária exigida pela Fifa para a realização da Copa do Mundo de 2014 gerou uma briga dentro do governo federal. Os ministérios do Esporte e da Fazenda entraram numa queda de braço por conta da concessão do benefício. Há dois anos, o Brasil assinou um contrato com a entidade se comprometendo a cumprir todas as exigências colocadas.
A briga levou o Palácio do Planalto a atuar como juiz na disputa entre as pastas. O Ministério do Esporte, fiel ao caderno de encargos da Fifa, defende que a isenção ocorra exatamente da maneira que a entidade esportiva exigiu.
A Fifa estabelece como condição para organizar uma Copa do Mundo a garantia de isenção tributária para mercadorias e serviços, incluindo a renda das bilheterias dos estádios onde forem realizados os jogos. A entidade ainda exige que o benefício deva ser ampliado aos patrocinadores e parceiros estrangeiros.
As exigências para o Brasil sediar a Copa do Mundo de 2014 cobrem uma série pré-requisitos técnicos, de infra-estrutura e logística a serem apresentados à Fifa. À isenção tributária, somam-se outras obrigações, como a necessidade da realização de reformas em estádios, melhoria da mobilidade urbana e aumento de oferta por parte do setor hoteleiro.
Lucro
Já a Fazenda, preocupada com as receitas que o país pode perder, não queria ceder a todos os pedidos. Por isso, a pasta quis saber o que aconteceu nas copas anteriores. A Receita Federal chegou a fazer um estudo do que aconteceu na Alemanha. Técnicos do órgão viajaram à Europa para saber como os alemães fizeram.
Voltaram com informações conflitantes: o país foi obrigado a ceder a boa parte das exigências. “Eles [os alemães] cederam em alguns pontos, mas não em outros”, afirmou ao site o deputado Sílvio Torres (PSDB-SP), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara.
Os alemães não abriram mão de cobrar Imposto de Renda na fonte e imposto sobre o consumo. Mesmo assim, a Fifa teve um lucro líquido de 800 milhões de euros (aproximadamente R$ 2,08 bilhões) na Copa do Mundo de 2006.
A entidade tem, como patrocinadores, multinacionais como Adidas, Coca-Cola, Visa e Sony. Nenhuma delas pagaria imposto, sob o argumento de que nada seria produzido no país sede da Copa.
Os tênis da Adidas usados pelos voluntários, por exemplo, seriam produzidos pelas subsidiárias da empresa no exterior. Os carros da montadora coreana Kia também viriam de fora.
Apreensão
O deputado tucano, a exemplo dos técnicos da Receita, também foi à Alemanha. E ficou apreensivo ao saber da intenção, do governo, de conceder isenção total à entidade máxima do futebol. “Não há segurança por parte da Receita e do Ministério da Fazenda, em relação a esses compromissos”, afirmou. “Se forem seguidos à risca, os compromissos deixarão margem para muitas dúvidas sobre que interesses eles atendem e sobre quem será beneficiado especificamente. A participação do Congresso nesse debate é fundamental.”
A ordem recebida por técnicos da Fazenda e da Receita Federal foi conceder tudo que fosse possível dentro da legalidade. A Fifa exige a isenção de impostos como PIS e Cofins, que incidem sobre faturamento; Imposto de Renda; contribuição previdenciária do empregador; IOF e imposto de importação, entre outros.
Técnicos da Receita, entretanto, estudam a possibilidade de taxar em 10% a venda de ingressos e os serviços de hospedagem. Além da isenção concedida pela União, municípios e estados trabalham para aprovar leis próprias sobre as contribuições locais. Bahia e Minas Gerais, por exemplo, já aprovaram suas legislações que oferecem benefícios fiscais.
Garantias
As garantias pedidas pela Fifa são relacionadas à permissão de entrada, saída e de trabalho de estrangeiros; a isenção de impostos alfandegários; a isenção tributária; medidas de segurança em operações cambiais e bancárias – conversão de moedas estrangeiras efetuadas por participantes do evento.
A Fifa requer ainda facilidades em procedimentos alfandegários e de imigração e exige direitos comerciais de exploração e proteção aos produtos da entidade, a garantia de execução de hinos nacionais e o hasteamento de bandeiras; de indenizações, e a utilização da infraestrutura de telecomunicações.
O site tentou contato com o chefe da Divisão de Estudos Tributários da Receita, Augusto da Cunha. A assessoria de imprensa do órgão, entretanto, informou que ele não daria entrevista pelo fato de o projeto “ainda não existir”.
Segundo a assessoria, o tema está em discussão na Receita – já existe uma minuta pronta – e ainda passará por uma nova análise da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Em audiência pública realizada na Câmara, em setembro, Cunha disse que os projetos concedendo isenções tributárias relativas à Copa de 2014 devem chegar em breve ao Congresso.
A proposta garantirá dispensa de pagamento dos tributos durante os 40 dias de evento. Cunha adiantou, naquela audiência, que os técnicos tentaram fechar todas as brechas para evitar problemas como a lavagem de dinheiro.
Augusto da Cunha também comentou, na ocasião, que os aspectos tributários não foram aprofundados na época da assinatura dos contratos: “Aquilo foi feito muito às pressas, na época. Será preciso ver se determinados limites foram ultrapassados.”
O argumento usado pelo governo para abrir mão da receita é que os gastos de turistas brasileiros e estrangeiros compensarão a queda de arrecadação.
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